CKD - Completely Knocked Down
À esquerda, Cartema de Aloísio Magalhães; à direita, obra de Wolfgang Heike. Foto: Divulgação

Ao priorizar combinações espontâneas de pensar arte, a exposição CKD – Completely Knocked Down – Recife Bremen Connection, em cartaz até 11 de dezembro no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (MAMAM), coloca em pauta atitudes experimentais no uso do espaço. Com curadoria dos jovens Francisco Valença Vaz e Rebekka Kronsteiner, o evento colaborativo entre as duas cidades portuárias conta com cinco artistas brasileiros e quatro artistas alemães. Com o enigmático título CKD, que em tradução livre quer dizer “completamente desmontado”, a exposição tem a maioria das obras executada diretamente dentro das próprias embalagens em que foram transportadas, que se transformam em arte. “Um dos conceitos da mostra”, explica Francisco Vaz, “era trazer ao Brasil pedaços de alguma coisa, não uma obra pronta”. O grupo prioriza a alegria do fazer, e sua primeira ação ao chegar foi colocar o contêiner que transportava os materiais no Marco Zero do Recife. Dentro dele encaixaram um barco onde realizaram a primeira reunião de trabalho. Francisco Vaz comenta que a partir daquele momento, “todas as decisões foram tomadas em conjunto e todos éramos curadores”.

Cada artista recebeu uma caixa de madeira que representa a vigésima parte do contêiner marítimo. Um processo intenso e de curto tempo de realização das obras potencializou um clima de cooperação, onde resíduos e objetos coexistiram, gerando proposições que sublinham o aspecto sensorial dos materiais. O público pode acompanhar tudo de perto e entender o conceito de montagem ou desmontagem dos trabalhos de Paulo Bruscky, Marcio Almeida, Maria do Carmo Nino, Silvio Hansen e Francisco Valença Vaz, de Recife; e Christian Haake, Wolfgang Hainke, Tobias Heine e Rebekka Kronsteiner, de Bremen (Alemanha). A exposição, prevista para 2020, com 21 dias para a realização das obras, teve o cronograma alterado por conta da pandemia. Os alemães ficaram uma semana, fizeram os trabalhos e voltaram com a chegada da Covid-19. A mostra, que foi retomada em 2021, tem texto de apresentação assinado por Moacir dos Anjos, que toca no tema da impermanência.

O que move a coletiva, tão heterogênea quanto experimental, é o cruzamento entre as narrativas e as utopias. Os trabalhos, de modo geral, são híbridos e têm uma estreita relação com os materiais. Arte em Vão, de Paulo Bruscky, um tapete vermelho com a frase citada, colocado entre batentes de uma porta, conflui para o espaço estético interpenetrando ilusoriamente o interno/externo. A instalação, de linguagem aparentemente simples, é complexa e se abre a outras problemáticas críticas já contidas na obra do artista. Quase todos os trabalhos têm dimensões variáveis e, portanto, são facilmente adaptáveis a outros espaços. Depois do Recife todas seguem para Bremen, como obras ou fragmentos delas, e se transformam em novos experimentos.

Entre os alemães destaca-se Wolfgang Hainke, 76 anos, com muito a contar de suas militâncias na arte, algumas delas vividas no grupo Fluxus. Um de seus trabalhos sugere uma espécie de coluna que dialoga com os Cartemas (composições visuais modulares, no caso feitas de cerâmica) do designer Aloísio Magalhães, que ocupa uma das paredes do MAMAM. Ainda há uma caixa na qual Hainke trabalha desde 1991 e que acaba de doar ao museu, com trabalhos do poeta Emmett Williams (do Fluxus) e de Richard Hamilton. Completam a instalação objetos como imagens do 11 de Setembro e da queda do Muro de Berlim, episódios em que ele esteve presente. Entre os livros se encontra Os Sertões, de Euclides da Cunha, com tradução de Bertholt Zilly – premiada na Alemanha e no Brasil -, que ensinou literatura brasileira na Universidade Livre de Berlim. Ainda está na mostra a pintura superdimensionada de um peixe, restaurado por Hainke que pertenceu à prefeitura de Bremen por quase cem anos.

Contemporâneo dele, o brasileiro Silvio Hansen, que militou na arte postal, preso político durante a ditadura militar, trabalhou para a exposição, mas morreu antes que ela fosse concretizada. Alguns de seus trabalhos denunciam episódios da violência imposta à democracia brasileira.

A arte de hoje capta a violência produzida pela sociedade, não importa o país. Sobre o mesmo chão de estrelas, de Marcio Almeida, pertence à matriz dos trabalhos políticos do artista e exibe placas de alvos retirados de um Clube de Tiro. A dramática origem desse material ativa a imaginação do espectador preocupado com a truculência das cidades. Ainda dele, Patuá Platz nasce dentro da arquitetura de sua caixa, que sustenta uma rede vermelha, símbolo do ócio experimental impregnado de impermanências territoriais, políticas e amorosas. A instalação se alimenta de plantas de proteção como espada de São Jorge e arruda. Ao alcance da mão ostenta a jureminha, bebida indígena feita de jurema, raiz alucinógena.

O imaginário às vezes é mais forte que a realidade: o jovem Tobias Heine, mesmo antes de viajar ao Brasil, antecipou o que encontraria por aqui. Leu A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, pesquisou imagens do Recife e, ao chegar, fez um vídeo registrando o trajeto entre Olinda e Recife, que projetou em sua sala. Heine se inteirou das magias do candomblé, se deixou influenciar pelas cores de Exu e as introduziu em sua instalação ao colocar camisas branca e preta sobre cadeiras vermelha e preta.

Obra de Tobias Haine em “CKD – Completely Knocked Down”, no MAMAM. Foto: Roberta Guimarães

Mesmo sendo o idealizador e curador da Completely Knocked Down, Francisco Vaz, que se formou na Universidade de Bremen e hoje vive em Viena, não sabia o que fazer quando chegou ao museu. Dentro de seu conceito, criou em cima da hora Tramontana, um mural realizado com placas de isopor reciclado, retiradas do correio da cidade. Foram dezenas de peças que subiram pelas paredes. “Depois de fixadas fiz uma pintura com tinta spray que contém acetona e encolhe o isopor.” O resultado da obra são gestos minimalistas, quase uma caligrafia grafada em amarelo e preto. “Quando esses pedaços forem para Bremen quero jogá-los numa piscina de acetona e diminuí-los até chegar a uma chapa de dois centímetros”.

Ainda em Recife, Maria do Carmo Nino comprimiu tudo o que pôde de seu imaginário em sua caixa, transformada em porto seguro para suas referências de vida, uma espécie de memorial de sua história acadêmica. Ligada à literatura, “grafitou” textos em diferentes ritmos existenciais. Numa outra ponta de pensamento, a enigmática obra de Rebekka Kronsteiner, de apenas 25 anos, parece premonitória da pandemia. Seu inventário é composto por imagens de luvas cirúrgicas e camisinhas impressas sobre tela, objetos que impedem o contato físico, sobre as quais derramou látex exportado do Brasil, se reportando às possíveis imobilidades impostas ao ser humano. A obra foi realizada dias antes do lockdown ser decretado no país e, talvez, seja a primeira a se aproximar do tema, mesmo que por acaso.

SERVIÇO

CKD – Completely Knocked Down – Recife Bremen Connection
ONDE:
MAMAM | R. da Aurora, 265 – Boa Vista, Recife – PE
QUANDO: Em cartaz até 11 de dezembro de 2021, de terça a sábado, das 12h às 17h
Entrada gratuita


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