Christian Boltanski, "Soy de... / I am from", 2019. Obra que reproduz histórias de imigrantes.

ARTE!Brasileiros — Agora que BIENALSUR já está completando sua segunda edição, explique melhor como começou este projeto?

Diana Wechsler – BIENALSUR surgiu em 2015, a partir de uma série de diálogos dentro de uma universidade pública, a UNTREF (Universidade Nacional Tres de Febrero) em Buenos Aires, Argentina. Foi um diálogo entre disciplinas diferentes, a sociologia das relações internacionais e o estudo da sociologia da cultura e a História da Arte. Diálogos que nasceram desde o começo entre Aníbal Jozami, reitor da UNTREF, e eu.

Desde o começo tivemos um olhar crítico com relação à forma em que se produz a troca [sócio-econômica-cultural] entre aqueles países que costumam definir-se como “centros” e aqueles outros que, dentro do esquema instituído de partilha do mundo, se reconhecem como “periferias”.

Focar no terreno da arte e da cultura oferece uma plataforma privilegiada para observar a forma em que se produzem essas trocas e, além disso, com certeza um terreno fértil para pensar e sugerir revisões. Assim, após estudar circuitos pré-estabelecidos pelas bienais internacionais desde fins do século XX, a forma de estabelecer a curadoria, determinar temas, “marcas da identidade do formato bienal”, pensamos em tentar desconstruí-las e ensaiar outras, mantendo o nome de bienal, por entender que é uma forma de fácil identificação.

Qual, a rigor, é o diferencial desta plataforma com relação as outras Bienais?

BIENALSUR não se centra numa cidade. Escolhe trabalhar simultaneamente e em sintonia com várias cidades em diferentes países e continentes. De certa forma, essa dispersão busca construir uma nova cartografia, um território global que supere fronteiras sem deixar de lado as identidades de cada um. Buscando incluir a diversidade e as diferentes vozes.

Outro diferencial é o fato de não trabalharmos com um único curador, e sim com um conselho de colaboradores internacionais, uma forma de desativar um certo autoritarismo ou um tema pré-determinado. Fazemos um open-call, recebemos centenas de projetos de artistas consagrados ou não e, a partir daí, selecionamos e construímos núcleos convergentes. Este ano surgiram, a partir de inúmeras dessas propostas, temas que apresentavam sinergia.

Conseguimos que algumas cidades se alinhassem conceitualmente através, por exemplo, do eixo “Modos de Ver” ou “Memórias e Esquecimento”, outras no tema “Trânsitos, Migrações e Exílios”.  O trabalho da artista brasileira Rosângela Rennó —  a instalação Good Apples, Bad Apples, montada no MUNTREF — assim como o de Betsabé Romero, formam parte do eixo “Memórias e Esquecimento”, mas também estão em intersecção com a problemática do “Monumento / Anti-monumento”. Um artista propõe seu projeto e é selecionado, a partir daí pensamos sua obra e vemos em que instituição ou cidade ela pode funcionar melhor.

Por exemplo, o artista colombiano Iván Argote tinha proposto seu “Ateliê de Ativismo para Crianças”, uma experiência que tinha levado adiante na França. Como BIENALSUR, consultamos se ele estaria interessado em montar o projeto em Benim, na África, para ser realizado com um dos nossos parceiros, a Fundação Zinsou, que se interessou porque trabalha com projetos muito voltados para a comunidade. Foi um êxito e deu resultados potentes e comoventes.

Outro caso similar foi o da artista Paola Monzillo, do Uruguai, que se inseriu em Marrakesh através de uma residência e uma mostra depois, no Programa Anual do MACCAL, que acabou, além disso, incorporando seu trabalho na coleção.

É uma forma, na prática, de contribuir com a integração cultural dos países que participam da plataforma, da rede que vai se construindo. Vai além do fazer artístico, já que como projeto cultural que nasceu no Sul se transforma num “operador” (a partir do espaço singular da cultura), da realidade internacional. As escolhas e as trocas não estão regidas pela quantidade de público ou a quantidade de exibições que aconteceram no local, mas sim, na maioria das vezes, pelo seu valor simbólico ou sua significação histórica. Por exemplo, a mostra que se montou em Potosí, na Bolívia, que não é uma cidade que está dentro do circuito tradicional da arte contemporânea, somou-se, nesta edição, à mostra do Centro Paco Urondo de Buenos Aires, ambas trabalhando o conceito de “fricções”, sejam políticas, estéticas ou identitárias.

Assim, colocando uma exibição no MAXXII de Roma, claramente identificado como centro de arte contemporânea, no MUNTREF em Buenos Aires ou na fronteira entre Colômbia e Venezuela, como já fizemos, acreditamos estar construindo novas lógicas de produção e consumo de bens simbólicos e culturais.

AB – Você entende que estão alcançando os objetivos, em relação ao aporte que querem trazer para o sistema contemporâneo da arte?

DW – Sim, BIENALSUR trabalha em diálogo, em rede e associativamente. Estabelece sistemas de colaboração entre artistas, curadores e instituições e essas relações de fato têm crescido, apesar das dificuldades orçamentárias enormes da primeira edição para esta.

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