Grand Palais Éphémère
Entrada do Grand Palais Éphémère, espaço temporário que abrigou a Paris+ Art Basel em sua primeira edição. Foto: Julien Deceroi

A cena mundial das feiras de arte foi pega de surpresa com o anúncio, no início deste ano, de que a FIAC (Foire Internationale d’Art Contemporain) – criada em 1974, mas que desde 1975 acontecia no Grand Palais, na capital francesa – sairia de cena em 2022 para dar lugar à Paris+ par Art Basel, mais nova empreitada do grupo suíço MCH. O conglomerado realiza desde 1970 a Art Basel original, em Basileia, e ainda as edições de Miami Beach e Hong Kong. 

Entre colecionadores e público geral, cerca de 40 mil pessoas compareceram à feira. Compradores internacionais, especialmente instituições dos Estados Unidos, como o MoMA de Nova York e o The Art Institute of Chigago, assim como colecionadores da Coreia do Sul, teriam dado grande impulso às vendas, segundo The Art Newspaper. Não foi divulgado, no entanto, um balanço das transações. 

Porém, segundo o jornal francês Le Monde, a nova feira parisiense, que aconteceu de 20 a 23 de outubro, no Grand Palais Éphémère – uma sede temporária, enquanto ocorrem as reformas no Grande Palais – teria provocado abalos sísmicos em sua rival, a Frieze, lançada em 2003 e que acontece na primeira metade de outubro, em Londres. Houve boatos de que alguns galeristas guardaram suas melhores obras para a feira francesa, em detrimento da inglesa.

Ainda segundo a publicação, o impacto não se deveria apenas à novidade da feira em si, mas ao fortalecimento do mercado de arte na França nos últimos anos, com a abertura da Bourse de Commerce, com a coleção Pinault, e a chegada de novas galerias ao circuito da Avenue Matignon, como a Mariane Ibrahim, de Chicago (EUA), cujo foco são artistas da diáspora africana. E, claro, aos persistentes ecos do Brexit sobre a economia inglesa como um todo.

Em sua primeira edição, Paris+ teve a participação de 156 galerias, de 30 países – 60 delas são sediadas na capital francesa. Segundo seu diretor, Clément Delépine, a seleção dos expositores foi feita a partir de um universo de proponentes “quatro a cinco vezes maior”. Além das gigantes globais, como David Zwirner e Gagosian, a Paris+ buscou refletir uma personalidade mais parisiense, com a presença de expositores locais, como Jocelyn Wolff e a Mor Charpentier. Expositores menores também marcaram presença, como a ProjecteSD (Barcelona) e a Société (Berlim).

Segundo a Artsy, entre as vendas de cifras mais vultosas esteve um quadro – The dream, 2022 – do pintor americano George Condo, adquirido da Hauser & Wirth por US$ 2,65 milhões (quase R$ 14 milhões) já no primeiro dia da feira. Já a Pace Gallery vendeu uma obra do também americano Robert Motherwell – Je t’aime No II, 1955 – por US$ 6,5 milhões (mais de R$ 34 milhões) no dia seguinte. 

Segundo Mathieu Paris, diretor sênior da White Cube, “todo mundo parecia estar em Paris” e a nova feira “definitivamente aumentou o poder de atração do mercado de arte da cidade”, que, segundo ele, já há algum tempo “vem passando por um forte renascimento e ganhou de volta um importante papel como capital mundial da arte. Paris+ foi um sinal forte disso”, disse o galerista, em comunicado da Art Basel. 

Ainda no começo do ano, Marc Spiegler, que em 2023 deixa o cargo de diretor da Art Basel após 15 anos, afirmou à The Art Newspaper que esperava promover, com a Paris+, uma ativação de toda a capital francesa, em parcerias com grandes instituições de arte locais, como o Louvre e o Musée d’Orsay – ao todo, foram 20 exposições ou intervenções abertas ao público –, além de criar conexões com os mundos da moda, do design e do cinema. 

Isso também refletia, aparentemente, um aspecto interessante das recentes mudanças ocorridas no grupo MCH, cujo controle acionário passou para as mãos de James Murdoch, filho de Rupert Murdoch (magnata da mídia dono da Fox News e apoiador ferrenho de Donald Trump), um empresário com forte presença no mercado de entretenimento nos EUA. 

Do Brasil, participaram A Gentil Carioca, que mostrou na Art Basel parisiense 18 trabalhos do pintor carioca Maxwell Alexandre. E a Fortes D’Aloia & Gabriel, que fez em Paris a estreia de sua representação – em parceria com a Gomide & Co – do artista plástico argentino León Ferrari (1920-2013), que até o fim de agosto havia recebido a primeira grande retrospectiva de sua obra em um museu francês, no Centre Pompidou. 

No estande da FDAG, os trabalhos de Ferrari foram dispostos em diálogo com criações de artistas contemporâneos brasileiros, como Anderson Borba, Marina Rheingantz, Yull Yamagata e Erika Verzutti. Alex Gabriel, um dos sócios da FDAG, comemorou a chegada do selo de qualidade da Art Basel à capital francesa. Segundo ele, a histórica FIAC vinha “empurrando várias questões de ordem organizacional e de seleção de galerias há muitos anos”.

“Havia barreiras para a internacionalização e uma diversidade maior”, afirma. “Não acho que a maioria dos franceses tenha ficado feliz com um grupo estrangeiro tomando o lugar de sua principal feira, mas a Art Basel possibilitou uma renovação que era necessária, e seu forte foi a qualidade da arte apresentada. De fato, eles conseguiram subir a régua”.

Gabriela Moraes, diretora de A Gentil Carioca, afirmou que a galeria teve um ótimo resultado com as obras de Maxwell. Segundo ela, o sucesso foi reflexo de duas exposições anteriores que o artista havia feito na França: uma no MAC Lyon, em 2019, e outra no início de 2022, com duração de três meses no Palais de Tokyo, em Paris.

“Foi a primeira participação de A Gentil Carioca numa feira na França. Eu trabalhei na FIAC em 2019, em outra galeria, e posso dizer que a Art Basel deu uma nova energia à semana de arte, com mais colecionadores internacionais, um upgrade nas instalações da feira, que está num local temporário, e um setor para galerias emergentes”, disse a galerista. 

Quanto à rivalidade com a Frieze, ela argumentou que não se pode desconsiderar o fato de a feira londrina estar “sofrendo as consequências da saída da comunidade europeia, fazendo com que as vendas tenham uma taxa de importação que antes não existia”. 

Regina Parra, “Odara (o gosto do vivo)”, 2022. Foto: Cortesia Galeria Jaqueline Martins
Paris Internationale

Em paralelo à Art Basel francesa, a Paris Internationale realizou sua oitava edição, com 60 galerias, de 26 países. Um dos destaques da feira foi o espaço que ela ocupou: o antigo estúdio de Gaspard-Félix Tournachon (1820-1910), conhecido como Nadar, um pioneiro da fotografia na França. O endereço era famoso por ter sediado, em 1874, uma importante exposição impressionista. As galerias foram dispostas em cinco andares, cobrindo uma área de quase 3 mil metros quadrados. 

A expografia foi concebida pelo escritório de arquitetura Christ & Gantenbein, da Suíça, com grande expertise em projetos no mundo das artes, como as extensões que fizeram para o Kunstmuseum Basel, o Swiss National Museum e o MACBA, em Barcelona. Para a Paris Internationale, os arquitetos mantiveram praticamente intacta a estrutura crua da construção, adicionando um sistema de iluminação e paredes temporárias. 

Para a galerista Jaqueline Martins, que participou da feira pela segunda vez, a expografia chamou a atenção por “tentar romper com a hierarquia entre os tamanhos de estandes”, apesar da diferença de suas dimensões. “A passagem entre elas ficou bem mais sutil, então cada expositor participante se destacava mais pela qualidade do projeto do que pelo porte de seu espaço”, disse. “Parecia mais uma ocupação da construção do que uma mera distribuição de estandes, o que resultou numa feira com um caráter de projeto coletivo”.

Jaqueline levou à Paris Internationale obras dos artistas plásticos Regina Parra e Hudinilson Jr (1957-2013). Foi a primeira vez que a galeria levou trabalhos de Parra para uma feira internacional, e o resultado não poderia ter sido melhor: todas as cinco obras da artista foram vendidas, para compradores dos Estados Unidos ou da Europa. Já de Hudinilson, foram comercializadas quatro de suas criações, também para colecionadores americanos ou europeus. Jaqueline ressalta que Hudinilson vem tendo grande presença institucional mundo afora, o que também reforça a força mercadológica de sua produção.


*Texto de Eduardo Simões com colaboração de Patricia Rousseaux


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