"O Urubu de Pedro", 1963.

Nos últimos anos não foram poucas as exposições que apresentaram a obra de Gilvan Samico (1928-2013). Especialmente após sua morte, mostras dentro e fora do país, individuais ou coletivas – como a 32ª Bienal de São Paulo – ajudaram a difundir ainda mais o trabalho do célebre gravurista pernambucano. “Acho que antes ele era tratado principalmente como um artista regional e, com os anos, ganhou o status de um artista maior, nacional”, afirma o curador Ivo Mesquita.

O aumento no número de mostras sobre Samico não diminui, no entanto, a relevância da exposição apresentada a partir deste 28 de maio na Galeria Estação, em São Paulo, com curadoria de Mesquita e a presença de 31 gravuras do artista (26 já adquiridas pela Fundação Marcos Amaro para o acervo da FAMA). Não apenas pela quantidade expressiva de obras reunidas, mas por dar conta de diferentes fases da produção do pernambucano, num panorama que faz da exposição, segundo o curador, “quase uma retrospectiva”.

“Ciclistas”, de 1959.

Estão ali obras das três principais fases em que se costuma dividir a produção de Samico. Primeiro, gravuras em preto e branco dos anos 1958 e 1959, período em que o artista estudou com Lívio Abramo, em São Paulo, e Oswaldo Goeldi, no Rio. “Nesta etapa é interessante ver que, ainda que tenha dois mestres figurativos e faça uma gravura mais figurativa, ele já revela um pensamento abstrato na criação de sua obra. Na estruturação da composição, por exemplo, há sempre um jogo muito particular de formas e uma textura bastante elaborada na exploração da madeira”, diz Mesquita.

Na segunda fase, durante os anos 1960, Samico aproxima-se do universo do cordel e das tradições populares nordestinas. O branco passa a predominar sobre o preto, e outras cores aparecem sobriamente – “possivelmente um aprendizado que teve com Goeldi” –, enquanto os gestos no talho da madeira tornam-se mais profundos e econômicos. “Há um processo de simplificação na construção das figuras, dos animais, das paisagens”, explica Mesquita. “As obras vão ganhando uma qualidade mais gráfica, mais rude, digamos, próximas de um procedimento que vem da xilogravura e que tem a ver com a matriz de madeira da literatura de cordel”, explica.

“O Urubu de Pedro”, 1963.

É também o período em que Samico constitui seu repertório amplo de referências, o qual transita não só pelo universo vernacular e do cordel, mas também por temas bíblicos, mitológicos e, segundo Mesquita, até mesmo do tarô. Imagens fantásticas ou do mundo terreno, dragões, serpentes e outros animais, estrelas, luas, humanos, anjos ou seres híbridos passam a criar narrativas e povoar as gravuras do artista – até o fim de sua vida.

É a partir do final dos anos 1960 e principalmente na década seguinte, quando cria um diálogo estreito com o Movimento Armorial capitaneado por Ariano Suassuna – que prega a valorização da cultura nordestina –, que Samico desenvolve o que Mesquita chama de “o estilo Samico”. Ou seja, o estilo pessoal pelo qual ficou mais conhecido e que marcou sua obra daí para a frente, no qual um pensamento geométrico resulta em composições articuladas, hierarquizadas e muitas vezes simétricas, com imagens emblemáticas e simbólicas de forte apelo ótico.

“As pessoas identificam aquelas figuras, animais, plantas, mas ao mesmo tempo tem uma coisa que eu acho que capta o olhar, que é a coisa da simetria. A repetição, a combinação dos elementos são muito intrigantes. E a predominância do branco e preto tem um apelo muito forte.”

“O Rapto do “Sol”, 1984.

De 1977 até sua morte, Samico estabeleceu um padrão claro de trabalho, adotando um tamanho padrão de matriz e produzindo apenas uma gravura por ano. No que Mesquita chama de “espirito calvinista”, o artista passava meses estudando e criando, disciplinadamente, cada detalhe das obras, até chegar ao desenho final. A perfeição e exatidão de cada traço, a limpeza de cada corte, segundo o curador, era o resultado desse longo processo, de um árduo percurso.

“Cada elemento, cada figura, um animal, uma tartaruga, uma estrela, um dragão… Tudo é objeto de dezenas de desenhos e estudos”. Se Samico era uma figura muito discreta e reservada, que preferia ficar em sua casa em Olinda do que circular e fazer viagens para divulgar seu trabalho, talvez isso não fosse à toa: “Ele tinha que fazer muitos e muitos desenhos para resolver cada tartaruga”, brinca Mesquita.

SAMICO

Galeria Estação – Rua Ferreira de Araújo, 625 – Pinheiros

De 28 de maio até 13 de julho de 2019

Entrada gratuita


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