Uma retomada de projetos monográficos, exposições solo dedicadas a obras específicas de alguns artistas, além de obras únicas, imersivas, que promovem experiências contundentes. É dessa forma que a diretora artística do Inhotim, Júlia Rebouças, descreve a programação do Inhotim para 2024, anunciada na semana passada. As inaugurações acontecerão em dois meses (abril e outubro), e as duas primeiras estão marcadas para 13/4: integrante do coletivo curatorial da 35ª Bienal de São Paulo, a portuguesa Grada Kilomba leva à Galeria Galpão a obra O Barco. No mesmo dia, o mineiro Paulo Nazareth ocupa a Galeria Praça e outros espaços do museu a céu aberto com obras comissionadas pela instituição.

Exibida em 2021 no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em Lisboa, e na Somerset House, em Londres, O Barco é um trabalho inédito no Brasil, descrito como uma “instalação escultórica ativada por performance”, em que blocos de madeira carbonizada trazem versos de um poema escrito por Grada em seis idiomas (iorubá, kimbundu, crioulo, português, inglês e árabe).

Júlia Rebouças afirma que, ao ser apresentada no país, a obra vai ganhar “um acento local”, e destaca que o trabalho começa agora, mas sua presença no instituto se estende por pelo menos dois anos. “O Barco é acompanhado por um conjunto de performances com dança e música, e, ao longo do ano, faremos oficinas de modo que artistas da região participem do projeto. A obra vai assentando aqui de uma maneira que só poderia acontecer nesse contexto institucional do Brasil, nesse momento histórico e político”.

Já a criação comissionada pelo Inhotim a Paulo Nazareth tira sua inspiração do Palmital, um conjunto habitacional criado em 1984, na cidade de Santa Luzia (MG), onde o artista está sediado. Ela traz elementos caros a Nazareth, como história, território e deslocamentos, e vai se capilarizar em diversas obras, como um bananal plantado em Inhotim, em trabalhos dispostos no caminho até a instituição ou ainda proposições do artista que virão à tona ao longo do período expositivo.

“A produção do Paulo Nazareth parte da ideia de trânsitos, de deslocamentos, uma provocação que a gente quer trazer para a instituição. O que podemos fazer aqui, que não se pode fazer em outro contexto?”, indaga Júlia. “O Paulo respondeu a esse questionamento exatamente com a temporalidade de uma exposição longa. A gente vai inaugurar uma mostra que vai se transformar com as estações. Ao longo de dois anos, em cada sazonalidade, a gente não vai ter necessariamente uma exposição nova dele, mas aparições, obras que chegam e saem, performances etc. A gente vai plantar bananas e, lá na frente, colhê-las, fazer um doce com elas, enfim, qualquer coisa que faça sentido para ele.”

No segundo semestre acontecem as aberturas das exposições da mineira Rivane Neuenschvander, da suíça Pipilotti Rist e da baiana Rebeca Carapiá. Com obra presente no acervo de Inhotim, Rivane levará à Galeria Mata uma panorâmica com trabalhos de épocas diversas, entre instalações, obras audiovisuais, pinturas e esculturas. Neles, ela elabora elementos recorrentes em sua produção, como memória e infância, natureza e ecologia, história e ditadura.

Pipilotti apresentará, na Galeria Fonte, a obra Homo sapiens sapiens, filmada em 2004 nos jardins do Inhotim, mas ainda inédita no instituto.  Exibido na Bienal de Veneza de 2005, quando a artista representou a Suíça, o trabalho traz referências a corpos femininos e à iconografia barroca, entre outras. Segundo Júlia, a instalação, que será mostrada de maneira imersiva, conta um pouco da coleção de Inhotim e de seus comissionamentos, visto que a obra foi realizada no instituto e volta agora, 20 anos depois.

“É um exemplo de trabalho com videoarte da Pipilotti que, a partir daquele momento, entre 2004 e 2005, apresenta um conjunto de novidades na maneira de se expor e lidar com a imagem. A primeira vez que ela o projetou foi no teto de uma igreja, lidando com os seus ornamentos, com uma tese sobre a origem do mundo”, explica Júlia. “É uma obra com um grande apelo imagético, por meio de um efeito caleidoscópico, em que ela ainda retrata um conjunto de corpos femininos numa relação absolutamente intrínseca com a natureza”.

Júlia Rebouças ressalta que a programação de 2024 mescla balanços (como a obra de Pipilotti), um caráter mutante (em Paulo Nazareth), outro monográfico (com Rivane) e um trabalho que lança mão dos recursos de Inhotim, caso do comissionamento feito à artista baiana Rebeca Carapiá, para a área externa do instituto.

“A gente tem um corpo técnico, de oficinas, de ateliês, que é incrível e absolutamente experiente e que vem, ao longo desses 17 anos de instituição, trabalhando diretamente com os artistas. Então convidamos a Rebeca pensando um pouco também nessa artista que pode se beneficiar desse contexto e dessa infraestrutura para experimentar, de maneira conceitual, formal e técnica, em diálogo com o espaço, com uma conversa muito próxima e um apoio que não é somente auxiliar, mas também constitutivo”, diz.

Júlia Rebouças, diretora artística do Instituto Inhotim. Foto: William Gomes
Júlia Rebouças, diretora artística do Instituto Inhotim. Foto: William Gomes

A programação artística de 2024 de Inhotim inclui ainda seu primeiro Festival Internacional de Música – que prevê experiências musicais imersas nos ambientes artísticos e naturais do instituto, em julho – e, no mês anterior, durante a Semana do Meio Ambiente, o projeto Transmutar: Seminário Internacional, em que se destaca a presença de Brigitte Baptiste, bióloga colombiana que se debruça sobre a interseccionalidade entre biodiversidade e teoria queer.

“Ela vem vem fazer uma performance, uma fala e uma ativação e faz parte de um grupo de convidados, entre eles também Ailton Krenak, para experimentar outros jeitos de se fazer os programas públicos, envolvendo os acervos artísticos e botânicos”, explica a diretora artística.

Para Júlia, o conjunto de ações previstas para este seria exemplar de um novo momento do instituto, que tem outro ponto forte na criação da diretoria de educação, sob o comando de Gleyce Heitor, uma “virada importante dentro da instituição”, que vai reforçar o tripé arte, natureza e educação, “lidando com as questões do território, da contemporaneidade, nas múltiplas manifestações possíveis na interseção entre esses três”, conclui.

Júlia, que teve sua primeira passagem pelo Inhotim entre os anos de 2007 e 2015, e voltou ao instituto no ano passado, ressalta ainda que uma das iniciativas emblemáticas das mudanças iniciadas no museu por volta de 2022 seria o projeto em torno de Abdias do Nascimento, realizado em parceria com o IPEAFRO (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros).

Ela salienta que foi um programa proveniente de um acervo emprestado, em que Inhotim abrigou também “todo um conjunto de conceitos e práticas desse grande e fundamental intelectual que foi Abdias Nascimento”. Essas práticas, ela afirma, levaram o instituto a se “reposicionar em relação ao acervo, ao programa artístico e curatorial, às práticas de trabalho e ao envolvimento com a comunidade”.

Para Júlia, a experiência se deu por um amadurecimento “desse organismo vivo que é uma instituição como Inhotim”, que permitiu outro modo de se fazer exposição, não apenas a partir do comissionamento ou do colecionismo direto, “mas também de uma parceria entre instituições, que por sua vez reverberou num programa autoral e em outros artistas, outras exposições ao longo dos anos, que não foram só obviamente dedicados ao Abdias, mas que estavam ali, no bojo desse pensamento, que permite esses outros modos de fazer”, conclui.

 

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