Início Site Página 99

A palavra como troca e a partilha do sensível

Ana Teixeira, “Bandeira”, 2019.

Entre a falação de estudantes do Mackenzie que passam seu tempo livre sentados no vão em frente ao Centro Cultural Maria Antônia, na Vila Buarque, ouve-se um alto-falante proferir palavras no imperativo: “Impressione, seja, garanta…”, ecoa uma voz masculina facilmente associada a vozes de vendedores que passam com carros pelas ruas de bairros. A intervenção sonora é uma obra da exposição É tarde, mas ainda temos tempo, uma individual da artista Ana Teixeira com curadoria de Galciani Neves que se encerra no dia 2 de fevereiro.

Crescida em uma família onde a literatura e o cinema eram essenciais, a construção de uma relação forte com o objeto ‘palavra’ foi, para Ana, inevitável e progressiva. “O que é pra ser são as palavras”. A frase anterior, que a artista atribui a Guimarães Rosa, é para ela muito significativa. “Jogar com as palavras é uma coisa que me atrai. Eu acho que as palavras geram desdobramentos que me interessam muito, porque elas geram provocações”, conta.

Em todas as obras que a artista apresenta nesta exposição, e em outras tantas ao longo de sua carreira, a palavra tem funcionado como uma espécie de troca, sejam trocas de experiências, de sentimentos/emoções ou de momentos, dentre outras. A obra Em Contato, por exemplo, que é constituída por boias com um advérbio escrito em cada uma delas, foi criada para ocupar piscinas e fazer com que as pessoas que as utilizem se aproximem para formar frases. A aproximação pelo “jogo” com as palavras faz com que essas pessoas troquem um momento entre si.

No Maria Antônia, as boias se encontram no chão, mas prontas para serem vestidas pelo público que desejar explorar suas possibilidades de criação. “São inúmeras possibilidades de frases que podem ser formadas com apenas 14 advérbios”, Ana explica, mostrando o advérbio “ainda” tatuado em seu pulso. Ela conta que foi a partir dali, em meados de 2010, que começou a sua relação com essa classe de palavras: “Me interessou essa ideia de que podemos formar frases sem o verbo”.

Contornando as escadas que levam à sala de exposição e parte das paredes que a circundam está Linha de sonhos, que resulta de alguns depoimentos da performance Troco Sonhos, obra que também ilustra muito bem a questão do câmbio como ponto no trabalho da artista. Se engana quem pensa que a palavra é apenas uma forma de entrar em contato com algo ou alguém. O contato é, afinal, um meio para que uma troca ocorra.

Troco Sonhos, por sua vez, é intervenção que a artista monta na rua, onde distribui sonhos (o doce) solicitando em contrapartida que as pessoas que se aproximem confidenciem para ela algum sonho (os que estão à mente). Ao mesmo tempo que isso ocorre, outra troca acontece: em troca do interesse de quem se aproxima, Ana apresenta a percepção de que o dinheiro não é a única moeda.

 

Entramos nesse universo também na inédita Cala a boca já morreu. Uma outra versão desta obra foi apresentada na coletiva referente ao 7º Prêmio Indústria Nacional Marcantonio Vilaça — do qual a artista foi uma das 30 finalistas –, sediada no MAB-FAAP entre setembro e outubro do ano passado. Para a sua individual, ela passou dez dias desenhando mais de 40 mulheres em uma das paredes do espaço expositivo, mulheres essas que seguravam cartazes com falas como “Chega de padrões”, “Eu não sou louca, eu tenho opinião”e “Sua opinião sobre meu corpo é sua”.

As voluntárias que escolheram suas frases e posaram para a artistas ganharam, em troca, sua representação em desenho. Nesta obra, porém, o “escambo” também passa pela sororidade, o princípio feminista da união entre as mulheres que exige uma relação de identificação e retorno entre duas ou mais. Uma evidente partilha do sensível.

Os trabalhos Outra Identidade, que troca impressões digitais por um carteira de identidade fictícia com uma frase com qual a pessoa se identifica, e Empresto meus olhos aos seus, que troca uma lembrança por um registro visual do local onde ela ocorreu, — e mesmo Escuto histórias de amor, que troca um depoimento por um ombro amigo — também se desdobram por essa trilha.

Esse conjunto remete a uma percepção levantada por Lévi-Strauss (em cima da “dádiva” de Mauss) de que a palavra seria um caminho para compreender a sociedade, quando usada numa troca. É visível que nessa busca de Ana por uma forma de se comunicar e se relacionar através delas está presente o desejo de entender o outro.

“Não sou eu o foco, o foco é o outro. Me interessa o outro, a minha matéria prima é o outro”, ela diz. É desta forma, portanto, que é possível observar que o entendimento que ela busca não passa exatamente por um cultivo de erudição mesquinha, mas por um movimento fluido de empatia em relação ao outro, até quando o outro está dentro de si mesma.


Slam Cala a Boca Já Morreu e encerramento da exposição
2 de fevereiro, das 15h às 17h
Centro Universitário Maria Antonia – USP: R. Maria Antônia, 258/294 – Vila Buarque, São Paulo – SP
Mais infos: 11 3123-5202

Anita Schwartz Galeria realiza intensa programação de verão

A Anita Schwartz Galeria de Arte, no Rio de Janeiro, tem apresentado uma grande programação gratuita com arte, música, poesia, instalações sonoras, performances acrobáticas, teatrais, cinema, aula de modelo vivo e um bar temático.

Trata-se do Projeto Verão #1, com a presença de mais de 20 artistas, como Alexandre Vogler e Cadu, representados pela galeria, Botika, Paulo Tiefenthaler, Amora Pera, Guga Ferraz e outros artistas visuais, bailarinos, músicos, poetas e cineastas. O escritor Nilton Bonder fará uma conversa aberta após a exibição do documentário A Alma Imoral, de Silvio Tendler, e durante todas as noites do período funcionará no terraço o Bar Pinkontolgy, de Gabriela Davies, curadora da Vila Aymoré, com drinques criados especialmente para o Projeto Verão #1.

Semanalmente, às quartas-feiras, o “cubão branco” no térreo, com seus sete metros de altura, será ocupado por performances. No segundo andar do prédio no Baixo Gávea, zona sul carioca, estarão duas exposições: Bebendo Água no Saara, com trabalhos de Laís Amaral, e Milanesa, de Felipe Barsuglia.

Confira datas e horários dos eventos, que ocorrem entre janeiro e março, no site da galeria. Clique aqui.

A obra de Anna Bella Geiger e o colapso do autorretrato tradicional

Autorretrato, década de 1960. Impressão em papel de imagem computadorizada. 36x36 cm. Coleção da artista, Rio de Janeiro.

O mérito da mostra Brasil nativo, Brasil Alienígena, de Anna Bella Geiger, simultaneamente no MASP e no Sesc Avenida Paulista, é recolocar no debate público a obra de uma das mais importantes artistas brasileiras, explicitando a coerência e a pertinência de seu percurso voltado sempre para a questão identitária.

De fato, é a problemática identitária (em sua acepção mais alargada) o que, a meu ver, caracteriza melhor a obra da artista que, embora tenha sido vista por muitos como fragmentária, a mostra do MASP/Sesc acertadamente a configura (de forma consciente ou não) como um território único, mesmo que conflagrado. Nele, as questões ligadas à identidade se digladiam e se superam para ressurgirem mais tarde em novas batalhas, convulsionando o próprio território criado pela artista (as metáforas bélicas aqui usadas estão de acordo com parte da iconografia de Anna Bella).

Gostei da maneira sóbria com que as obras foram dispostas por salas, deixando claro para o público a permanência dessa questão em todos os encaminhamentos que a artista concedeu ao seu trabalho, mostrando, inclusive, momentos em que ela, de fato, marcou a arte brasileira, afirmando um caminho distante da herança concreta/neoconcreta — sem dúvida um norte, mas não o único — a ser considerado como legítimo. Anna Bella é uma das poucas artistas brasileiras com reconhecimento local e internacional, cuja poética não se constituiu como continuidade daquelas correntes e cujas características tão destacadas, dificultam mesmo aqueles que querem alinhar sua obra à “continuidade” do neoconcretismo durante a década de 1960.

O interesse da obra de Anna Bella é que ela se desenvolve autônoma, dialogando aqui e ali com produções de alguns de seus colegas (sobretudo nos anos 1960), porém, mais a partir de influxos exteriores[1] do que locais. Com origem na abstração lírica (ou “expressiva”), a singularidade de sua obra se dá sobretudo por sua inadequação a grupos e mesmo a demandas de mercado.

 

Acima me utilizei de metáforas ligadas à localização (“um território”, “um norte”) e essa atitude não foi gratuita, pois se adequa ao aspecto peculiar da produção de Anna que marca, desde os anos 1970, um lugar específico de onde ela fala: ela é uma artista branca, descendente europeus, vivendo e trabalhando no Rio de Janeiro, Brasil.

Visitando a mostra, percebe-se a artista trabalhando com a sua localização e seu lugar de ação e, para isso, fazendo uso de uma série de meios, como a fotografia, a gravura, o vídeo, a instalação, entre outros e, como método, em grande parte dos trabalhos, a cartografia.

É desestruturando essa linguagem técnica e científica que Anna representará a si e a sua circunstância como instrumento para a sua própria localização no espaço (e no tempo) na busca contínua do entendimento sobre aquele lugar que pode ser (ou vir a ser) seu local de ação perante a realidade e a realidade da arte.

Mas não é apenas por meio da desestruturação da cartografia que Anna Bella desenvolve a afirmação de seu lugar no mundo, como artista e mulher latino-americana. Ela se vale também de determinados procedimentos para minar outros discursos também já firmados pela tradição, utilizando-os para dar continuidade ao trabalho de demarcar o seu lugar de luta.

Ante a abrangência de todos esses aspectos que a retrospectiva de Geiger nos traz, optei por me deter em alguns poucos trabalhos em que ela desestrutura o conceito tradicional do autorretrato a partir de procedimentos paródicos e/ou alegóricos. O interesse por esse setor de sua obra surgiu, por um lado, pela pertinência dessa sua produção que, a partir sobretudo dos anos 1970, dialoga com trabalhos de outras artistas que discutem a identidade da mulher a partir não mais, ou não mais apenas, de trabalhos voltados para a “expressão” de um sujeito autocentrado, mas de um ser que se forma a partir do embate com o mundo (como exemplo, a norte-americana Cindy Sherman que, naqueles anos apresentava a si mesma desdobrada em estereótipos de mulher vindos do cinema norte-americano). Por outro lado, os autorretratos de Anna Bella, junto daqueles de outros poucos artistas que também naquele período desenvolveram trabalhos do mesmo tipo no Brasil (refiro-me aqui a Carlos Zilio e Gabriel Borba, entre outros), darão início a um tipo de produção local, em que os artistas passarão a usar o próprio corpo não mais como marca de uma individualidade intransponível, mas como elemento para a discussão sobre a subjetividade contemporânea, marcada pelo embate com a sociedade, a tradição, a indústria cultural etc.

***

Foi uma ideia feliz a dos curadores da mostra apresentarem, junto a trabalhos mais conhecidos de Anna Bella, obras menos conhecidas, porém não menos importantes, dada sua significação no quadro da arte brasileira. Me detenho aqui em uma parede da exposição onde se encontram três autorretratos de Anna Bella, um de 1951 (Col. G.Chatteaubriand/MAM-Rio), os outros, respectivamente dos anos 1960 e  2003 (ambos da coleção da artista).

Na primeira, um grafite e carvão sobre papel, é notório o desejo da artista em adequar sua imagem à tradição do autorretrato: o tronco e o rosto são descritos de maneira sintética, com ênfase nos olhos, com as pupilas voltadas para a direita, meio inquietas e desconfortáveis. Essa adaptação do próprio corpo às estruturas da retratística tradicional, a ênfase à “expressividade” do olhar (olhos, as “janelas da alma”), atestam que, ainda em seu processo de formação, Anna Bella encarnava a visão que a sociedade ocidental construiu para a autoimagem do artista. Na obra, não se percebe apenas uma adequação, mas uma crença nesse constructo (apesar do desconforto aparente da modelo).

Anna Bella dá sinais de deslocar-se dessa tradição, quando, cerca de uma década depois, propõe um autorretrato que, na verdade, já se assume como um readymade modificado: originariamente uma fotografia analógica de seu rosto, agora processada via computador. Nada nessa peça exala a aura do artista: nada da expressividade do gesto autoral, do olhar denso. Esse autorretrato é manipulação e deslocamento puros.

Já em Monalisa, um backlight, a imagem da artista é apresentada como paródia e como alegoria. Simula, em termos jocosos, a Mona Lisa de Leonardo (e a paródia dessa obra, realizada por Marcel Duchamp no início do século passado) e, ao mesmo tempo, funciona como um complexo comentário sobre o sistema de arte no Brasil. Ao emparedar a própria imagem entre um cartaz (onde se lê, “Anna Bella Geiger” e mais abaixo, “Photo Rubber”) e, no último plano, uma foto da favela de Santo Amaro, no Rio de Janeiro[2], Anna Bella ironiza a si mesma, tomando-se como uma “photo rubber stamp” do circuito de arte, sobrepondo-se à realidade social de sua cidade natal.

Com o conjunto formado por essas três obras, o visitante é levado a entender o percurso de Anna Bella, tanto dentro da tradição dos autorretratos quanto da própria história da arte recente: o respeito inicial à tradição se abre para as novas tecnologias e a instrumentalização irônica da própria imagem para a produção de obras que desmentem aquele respeito inicial.

***

Brasil nativo/Brasil alienígena – obra de 1976/77 que empresta o título à exposição – é formado por nove pares de cartões-postais. Cada par, por sua vez, conta com um cartão-postal representando indígenas brasileiros em diversas ações, e por um segundo cartão em que a artista reproduz a cena presente no primeiro, usando a sua própria imagem e, em alguns casos, também figuras do seu convívio.

Não é à toa que essa obra marcou um ponto de desvio na arte brasileira. Em primeiro lugar, porque ela se configura como uma ação de apropriação, no caso, de cartões-postais industrializados representando indígenas em situações estereotipadas. Raras vezes, no país, um/a artista teria se apropriado de objetos reais como elemento constitutivo do trabalho[3].

Por sua vez, os cartões produzidos pela artista para acompanharem aqueles apropriados representavam Anna Bella tentando canhestramente se adequar aos estereótipos dos indígenas, construídos há décadas, e reforçados pela indústria cultural local, alinhada à ditadura civil-militar que então governava o país. Ou seja, Anna Bella não se apresentava mais como um sujeito que cria a realidade, no sentido romântico do artista como demiurgo, mas como um indivíduo que edita o próprio real existente, conferindo-lhe outros significados. E, para tanto, não se vexa em usar a própria imagem para alcançar seus propósitos que estão longe de buscar a expressão de seu “eu profundo”.

Daí, então, a ressonância de sentidos possíveis de Brasil nativo/Brasil alienígena: o que significa ser brasileira ou brasileiro? Como se adequar às simulações de brasilidade, tendo como parâmetros as figuras idealizadas dos indígenas que, naquele tempo (como hoje) sofrem as agruras do extermínio? Por outro lado, o conceito de autorretrato que, se por ventura, ainda pudesse existir naqueles cartões-postais produzidos por Anna Bella apresenta-se totalmente corrompido ou colapsado, dado que ela, criticamente, simulava se adequar a um conjunto iconográfico (e comportamental) que não fazia parte de sua experiência imediata.

***

A dimensão crítica de Brasil nativo/Brasil alienígena, ao ironizar os estereótipos de brasilidade muito divulgados naquele período pesado da história do país, funcionava como uma pá de cal jogada sobre eles. A partir de Brasil nativo/Brasil alienígena, pensar a questão identitária no Brasil ganhava outra complexidade, ao mesmo tempo em que o próprio conceito de autorretrato dava sinais de que deveria ser repensado e refeito.

Ao mesmo tempo, é interessante sublinhar como Brasil nativo/Brasil alienígena pode ser entendida como a busca de Anna Bella por uma localização física e simbólica, a partir da constatação do que a artista não era, em relação à sociedade em que estava inserida.

***

Ainda naquela década, mas pouco antes da obra tratada acima, entre vídeos, gravuras e fotografias expostas no MASP, encontram-se duas séries de fotomontagens em xerox, ambas de 1975. Em Diário de um artista brasileiro[4], Anna Bella atesta sua inadaptabilidade como mulher e artista dentro de um determinado segmento, o circuito de arte dominado por homens brancos. Ela insere retratos seus em fotos de artistas plásticos célebres, apropriadas de revistas.

Diário de um artista brasileiro, 1975.

Registre-se como a inadequação simbólica de uma artista latino-americana àquele universo, explicita-se na própria inadequação proposital de seus retratos inseridos nas fotos protagonizadas por Matisse e outros, numa conjugação perfeita (diga-se) entre a formalização dos trabalhos da série e a intenção que a motivou[5].

Na série Arte e decoração, retratos recortados de Anna Bella, sempre vestida de preto (apenas suas sandálias eram brancas, em contrastes com as meias, também pretas), foram colados em fotos retratando ambientes glamurosos, em que as obras de arte eram apresentadas como símbolos de prestígio, como mercadorias de luxo. Esta série enfatiza também a inadequação da artista àquele tipo de lugar proposto para a arte pelos meios de comunicação de massa, lugar que ela demonstrava também não querer pertencer.

***

O visitante que se dispuser a percorrer a exposição com certeza encontrará vários outros trabalhos de Anna Bella, em que ela demonstra ser a desestruturação do conceito tradicional de autorretrato, uma de suas estratégias principais para a constituição de sua obra que, como mencionado no início desses comentários, configura-se como um território de conflagração de temas identitários.

A exposição traz outros segmentos desse mesmo território, também fundamentais para a compreensão geral da obra dessa artista? É claro que traz. Para satisfazer a curiosidade, é preciso visitá-la, entrando em contato direto com a obra dessa que é uma das mais importantes artistas brasileiras.


[1] – A pop art, o happening, a performance, a arte conceitual etc.

[2] – Sobre o assunto, ler “Anna Bella Geiger: vísceras, mapas e retratos”, de Tomás Toledo. In Museu de Arte de São Paulo e Serviço Social do Comércio. Anna Bella Geiger: Brasil nativo/Brasil alienígena. São Paulo: MASP, Edições Sesc, 2019, pág. 26.

[3] – Na mesma época, outros artistas no Brasil também realizavam operações ligadas à apropriação, ao deslocamento de imagens e à construção de cenas. Além de Anna Bella e dos já citados Carlos Zilio e Gabriel Borba, seria interessante ter em mente também algumas das produções de Aloísio Magalhães, Regina Silveira e Nelson Leirner.

[4] – Interessante Anna Bella nomear a série reforçando o gênero masculino da palavra “artista”. Uma alusão irônica ao fato de que ser artista naquela época significava ser homem, ou um ato falho? Uma questão a ser analisada em outra oportunidade.

[5] – As fotocolagens que deram origens às fotomontagens foram produzidas em uma máquina reprogrática cujos resultados eram muito discutíveis do ponto de vista técnico, fazendo com que as imagens resultantes não primassem pela boa visualização. Junte-se a este fato, aquele da proposital inadequação dos retratos da artista inseridos nas fotografias dos artistas célebres.

My Name Is IVALD GRANATO Eu Sou — Sesc Belenzinho

Finalizada no Sesc Belenzinho e rumo ao Sesc Guarulhos, a exposição My Name Is IVALD GRANATO Eu Sou, uma individual com centenas de obras do artista Ivald Granato reúne pinturas, objetos, desenhos, cadernos e recursos multimídia que mostram os 50 anos da trajetória do artista.

Assista aqui vídeo com entrevista com o curador da mostra, Daniel Rangel.

Aproveite para ler em nosso site texto de Leonor Amarante sobre a exposição. Clique aqui.

Noite das Ideias promove debates e encontros artísticos em três capitais

Foto de Ricardo Stuckert, que participa do evento. Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação

Parceria da Embaixada da França no Brasil com o Institut Français na França, a primeira Noite das Ideias no Brasil acontecerá simultaneamente em Brasília (na Aliança Francesa), São Paulo (Casa das Rosas) e Rio de Janeiro (Parque Lage) nesta quinta-feira, dia 30 de janeiro, sob o tema “ser vivo e floresta”.

O evento – que deve ser realizado em 70 países em diferentes momentos – propõe em sua primeira edição brasileira um momento de reflexão criativa sobre a floresta, seus desafios, suas concepções e sua variedade: da floresta tropical à mata atlântica, do cerrado aos maquis mediterrâneos. Este tema será pensado e vivenciado seguindo diferentes abordagens: filosóficas, científicas, antropológicas, ecológicas, técnicas e sociais. A programação também contará com momentos artísticos como projeções e performances.

A programação será baseada em dois eixos principais: “A floresta como ser vivo”, relativo às descobertas e técnicas científicas mais recentes, filosofias de vida e abordagens alternativas sobre a floresta presentes em práticas espirituais e locais; “a floresta como local de seres vivos”, relativo à discussão sobre os seres vivos que não apenas vivem, mas que também administram e moldam as florestas.

Entre os nomes que participarão do evento nas três cidades (veja a programação completa aqui) estão artistas, líderes indígenas, poetas, curadores, botânicos, antropólogos, jornalistas e pesquisadores, entre eles Ernesto Neto, Jean-Paul Ganem, Santídio Pereira, Ricardo Stuckert, Alvaro Tukano, Ailton Krenak, Luiz Zerbini, Bernardo Esteves e Ricardo Abramovay.

Grande Cortejo Modernista agita o aniversário de São Paulo

O aniversário de 466 anos de São Paulo, que acontece neste sábado (25), terá mais de 300 atividades em 150 pontos espalhados por todas as regiões da cidade. Entre as atividades estarão shows, palestras, cinema, dança, circo, teatro, programação infantil, debates e roteiros de memória.

O destaque da região central fica por conta de uma grande ação que evoca o modernismo. Trata-se do espetáculo itinerante Grande Cortejo Modernista, que terá início com dez horas de duração, começando no Pateo do Collegio e terminando na Praça da República. Apresentam-se artistas como Elba Ramalho, Karol Conka, Rashid e Ney Matogrosso; os grupos Bixiga 70, Skank, Demônios da Garoa, Aerogroove, Coral Indígena Guarani Amba Vera, Orquestra Sinfônica Municipal, Coro Lírico, Coral Paulistano, Balé da Cidade, bonecos da Cia. PiA FraUs, além dos Blocos Pagu e Baixo Augusta.

O cortejo promove uma verdadeira viagem pela história do Modernismo e suas manifestações na capital paulista. Atores e atrizes foram convidados para dar vida a personagens históricos. Marcos Palmeira será Heitor Villa-Lobos, Rosi Campos será Tarsila do Amaral, José Rubens Chachá será Oswald de Andrade, Pascoal da Conceição será Mário de Andrade, Marcelo Airoldi será Di Cavalcanti e Virginia Cavendish será Anita Malfatti.

Confira todo o percurso do Grande Cortejo Modernista e a programação completa do aniversário de São Paulo no site da Secretaria Municipal de Cultura.

Escola itinerante de arte estabelece fluxos culturais entre centro e periferia

Integrantes da ali: leste na Cidade Tiradentes. Foto: Ding Musa

Desde sua gestação, há cerca de um ano e meio, até este início de 2020, a ali (arte livre itinerante) poucas vezes trabalhou dentro de algo que seus integrantes possam chamar de “zona de conforto”. Pelo contrário, esta espécie de escola de arte nômade, concebida e coordenada por nove artistas visuais e um cientista social, parece já ter surgido para lidar com adversidades – “na ressaca das eleições de 2018” – e tem buscado nas dificuldades do dia a dia as respostas para as muitas questões que surgem em sua atuação.

Ainda assim, seja ao lidar com as dificuldades nas tomadas de decisões coletivas – em um grupo de artistas consolidados e acostumados a trabalhar individualmente –, ao tentar articular caminhos para captar recursos financeiros ou, principalmente, ao tentar estabelecer vínculos genuínos com moradores e coletivos da periférica Cidade Tiradentes – primeira região escolhida pelo grupo para atuar –, a ali já colhe importantes frutos de seu trabalho. E consegue, também, entender melhor o território em que está pisando para planejar seus próximos passos.

A ideia de criar uma escola livre de arte com presença em zonas menos abastadas da cidade, estimulando fluxos culturais e econômicos entre centro e periferia, se consolidou após a derrota eleitoral do petista Fernando Haddad para o atual presidente Jair Bolsonaro, em novembro de 2018. “Nós já estávamos mobilizados por causa das eleições, já vislumbrávamos o desmonte de muita coisa na área cultural e, no processo de militância, já tínhamos pensado bastante sobre essa falta de integração entre as realidades sociais. Ou seja, entre nós de classe média e média alta com a galera da periferia”, conta o artista Bruno Dunley.

Parte dos membros da ali na Cidade Tiradentes. Foto: Ding Musa

Ao seu lado, também integram a ali os artistas Ana Prata, André Komatsu, Ding Musa, Lucia Koch, Renata Lucas, Rodrigo Andrade, Sara Ramo e Wagner Morales, além do cientista social Gustavo Vidigal. “Começamos a nos reunir quando vimos todo esse cenário obscuro se instaurando, ainda antes das eleições, mas quando já havia começado o desmanche após o golpe de 2016”, conta Komatsu. Naquele momento, dentre os 10 integrantes da ali alguns já militavam no grupo político Jararaca, enquanto outros estavam envolvidos com a Ocupação 9 de Julho.

“E a ali surge realmente porque a gente tem esse entendimento de que a arte é uma manifestação política. E não estou falando de uma arte panfletária, mas em relação à criação, ao pensamento”, completa Komatsu. Com a ideia de formar uma escola de arte aberta e itinerante, os membros passaram a manter encontros semanais para discutir os possíveis formatos. Desde o início, definiram duas diretrizes principais para o projeto: ele estaria relacionada à formação – seja prática ou teórica –, ligada não só à arte, mas à filosofia, história do Brasil e à construção coletiva de conhecimento; e estaria focado também na formação de redes culturais, com um trabalho que buscasse o diálogo e a troca com outros grupos.

“Nesse sentido, sempre pensamos o projeto como uma ponte que pudesse viabilizar a circulação e a mobilidade. Uma ponte que pudesse ir do centro para a periferia e da periferia para o centro”, diz Dunley, que explica que os planos de itinerância da ali ainda podem abranger, ao longo dos anos, as cinco zonas da cidade. A proposta de iniciar o trabalho na Cidade Tiradentes (CT) partiu de Sara Ramo, que já havia trabalhado no local (na produção do curta-metragem “Lança”) e conhecia coletivos e jovens da região.

Aula de Renata Lucas no Bar do Tiê. Foto. Lua Porto

“Porque a ideia era criar um projeto que saísse aqui da nossa bolha, do centro comercial, e fosse para lugares mais distantes”, conta Komatsu. Neste caso, foi escolhido um lugar onde inclusive o candidato da extrema-direita saiu vencedor nas eleições, apesar do histórico de lutas progressistas na região. Como ressalta o artista, a formação da ali partiu, também, de uma tentativa de compreensão e atuação neste novo contexto político brasileiro.

Localizada no extremo Leste de São Paulo e com quase 300 mil habitantes, a CT é um distrito da capital que foi ocupado principalmente após os anos 1980 e que reúne o maior complexo de conjuntos habitacionais da América Latina. Neste universo vasto e diverso, apesar da notável ausência do Estado, estão organizados dezenas de grupos e coletivos de poesia, slam, grafite, teatro, música e outras áreas artísticas – como Pombas Urbanas, Red7, Luau Raiz Quadrado, Aliança Negra, Filhas da Dita e Instituto du Gueto –, com atuações dentro e por vezes fora do próprio território.

“Eles sabem que têm uma grande potência lá. Assim como nós sabemos que a cultura brasileira descentralizada, surgida nas periferias de modo geral, talvez seja hoje o que há de mais forte no país”, afirma Dunley. “E essa riqueza cultural que não precisa de nós, eles não dependem de a gente chegar lá e dizer que quer trocar uma ideia. Então pensamos muito sobre isso ao longo dos meses, de como poderíamos atuar. Porque, ao mesmo tempo, achamos que temos algo para oferecer. Então queremos ensinar e aprender, trocar, fazer juntos.”

Via de mão dupla

Sabendo também do longo histórico de promessas não cumpridas que acompanha a vida nas periferias urbanas – seja por parte de políticos, do poder público, de organizações privadas ou indivíduos –, os membros da ali entenderam que o maior desafio do grupo estaria no estabelecimento de um diálogo orgânico e profícuo com moradores e coletivos da CT, buscando se afastar de um modelo colonizador de atuação. “Somos brancos, de classe mais alta e moramos no centro. E são muitos os projetos que chegam nas periferias ditando regras, com uma suposta superioridade de quem tem informação e dinheiro”, afirma Komatsu. “Nossa ideia sempre foi outra.”

Intervenção de Rodrigo Andrade na Cidade Tiradentes. Foto: Samantha Lucas

Após longo período de reuniões e um intenso processo de aproximação com a CT – facilitado pelo trabalho de Antonio Guerra –, os primeiros cursos da ali : leste começaram a ser oferecidos em meados de 2019 em diferentes espaços do bairro, de bares e praças até o Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes (vinculado à Prefeitura e com o qual a ali estabelece parcerias pontuais). Um curso voltado para questões urbanísticas e de uso do espaço público foi ministrado por Renata Lucas, enquanto outro de história da arte, desenho e pintura foi comandado por Dunley, Rodrigo Andrade e Ana Prata.

Foi mais ou menos neste período, a partir de agosto, que a ali passou a captar seus primeiros recursos através da venda de pequenas caixas com obras de arte – nove múltiplos em cada, um produzido por cada artista –, através de uma parceria feita com a galeria Carbono, que segue comercializando os trabalhos. Os R$ 180 mil reais arrecadados até agora possibilitaram a contratação de alguns serviços de apoio, o pagamento de ajudas de custo para artistas e parceiros, a oferta de lanches aos alunos dos cursos e a realização de um “encontrinho” e um “encontrão”, como ficaram intituladas as atividades semestrais que reúnem coletivos e moradores para debates, conversas, shows e outras apresentações.

Para 2020, além de novos cursos e dos encontros, o projeto “sábado ali” vai levar à CT, semanalmente, convidados para ministrarem aulas e participarem de conversas com formatos e temas variados – os participantes foram pensados pela ali a partir de demandas da própria comunidade. Nomes como Lenora de Barros, Noemi Jaffe, João Bandeira e Tiago Mesquita participarão destes eventos que serão realizados aos sábados no Centro de Formação.

Artistas cozinham durante o “encontrinho” na Boteco da Sinuca, na CT. Foto: Samantha Lucas

Entres os cursos, estão programados um de poesia visual, um ateliê aberto, um sobre história e produção de videoclipes de Rap, um de história da arte e desenho, um na intersecção entre fotografia e arquitetura e um sobre formatos da arte contemporânea. Alguns deles serão ministrados não só pelos membros da ali, mas em parceria com professores convidados, de fora ou locais – como Evandro César, Lucas Lins e o grafiteiro Link (aka MUSEU), do Luau dos Loucos. A ali : leste iniciará também um programa de concessão de bolsas a ser financiado por apoiadores e futuros associados.

Se os resultados deste mais de um ano de existência da ali ainda podem soar tímidos numericamente, no que se refere à quantidade de frequentadores dos cursos e encontros (segundo os próprios artistas), eles têm se mostrado notáveis nas redes criadas para a consolidação e continuidade do projeto. Isso ficou claro, por exemplo, quando o grupo passou a ser chamado para as reuniões de coletivos da região: “Sentimos que eles estão confiando, vendo que o trabalho é consistente e que estamos lá de verdade. Foi uma vitória do projeto”, diz Dunley.

A trajetória já deixou claro, também, que o plano inicial de permanecer dois anos na CT e depois seguir para outra região deve ser repensado. “Serão pelo menos quatro anos, até para criar bases para que o projeto siga funcionando depois”. Outra constatação, reforçada pelos recentes acontecimentos no país, é de que um projeto como a ali vai seguir existindo como resistência, fora de qualquer “zona de conforto”, como conclui Komatsu: “A gente está em um cenário em que o governo vê todo movimento social e cultural como inimigo e tenta impedir qualquer manifestação de reflexão. A ideia é criar soldados, criar uma unidade básica, estabelecer a ordem, e não criar diversidade, reflexões, divergências, problemáticas. E a gente, na direção contrária, acredita que a arte é um caminho de refletir e de estar crítico ao entorno”.

Bienal de São Paulo divulga programação em 25 instituições pela cidade

A imagem mostra a cidade de São Paulo mapeada com os pontos que simbolizam as instituições culturais participantes da 34ª Bienal de São Paulo
Mapa dos locais que compõem a 34ª Bienal de São Paulo

A edição 34 da Bienal de São Paulo, que tem curadoria-geral de Jacopo Crivelli Visconti, terá início em fevereiro. Foram convidados também para compor a equipe curatorial da mostra o brasileiro Paulo Miyada (como curador-adjunto), a argentina Carla Zaccagnini, o italiano Francesco Stocchi e a espanhola Ruth Estévez, como curadores convidados. De forma já informada anteriormente em nosso site, este ano o evento conta com exposições paralelas no pavilhão do Ibirapuera e em instituições parceiras do evento. O projeto atual faz um movimento para inserir a Bienal no fluxo da cidade, criando ações que não se encerram apenas na mostra principal, que ocorre em setembro.

As exposições individuais que tomarão o Pavilhão ao longo do ano já tinham sido divulgadas em novembro do ano passado. Agora, a Bienal divulga a programação que será distribuída por 25 instituições parceiras ao longo da cidade de São Paulo. Mostras de nomes como Morandi, Alfredo Jaar e Alex Katz, respectivamente no Centro Cultural Banco do Brasil, Sesc Pompeia e no Instituto Tomie Ohtake, fazem parte da lista.

Em entrevista à ARTE!Brasileiros em maio de 2019, o presidente da Bienal de São Paulo, José Olympio Pereira disse que a iniciativa de fazer essas parcerias convida as pessoas e as instituições a  “se relacionar sem necessariamente ter que compartilhar das mesmas ideias”. Isso vai de encontro ao “mote metodológico” proposto pelo curador-geral, que explora a ideia de “relações” como forma de fomentar diálogos: “Todos esses diferentes níveis do projeto tentam lidar com essa questão da polarização, mostrar como é possível criar diálogos com instituições diferentes, obras de arte diferentes, públicos diferentes, etc. Então é uma Bienal que de uma maneira não literal, mas muito mais poética e simbólica, está claramente pensada a partir do momento que estamos vivendo”.

Confira abaixo a lista completa da programação paralela da 34ª Bienal de São Paulo:

  • Noa Eshkol, na Casa do Povo, curadoria: Benjamin Seroussi e Marília Loureiro, de agosto a outubro.
  • Giorgio Morandi, no Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo, com Alberto Salvadori e Gianfranco Maraniello, de 25 de agosto a 23 de novembro.
  • Jota Mombaça, no Centro Cultural São Paulo, de 29 de agosto a 31 de outubro.
  • Marinella Senatore, no Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes, de setembro a outubro
  • Antonio Dias – Arquivos de Trabalho, no IAC – Instituto de Arte Contemporânea, de agosto a novembro.
  • Trajal Harrell, no Instituto Bardi / Casa de Vidro, em setembro.
  • Carolina Maria de Jesus (título provisório), no IMS Paulista, com curadoria de Hélio Menezes e Raquel Barreto, a partir de agosto.
  • Alex Katz, no Instituto Tomie Ohtake, com curadoria de Robert Storr, de agosto a outubro.
  • Lygia Pape: Gestos de encantação, no Itaú Cultural, com curadoria Luis Camillo Osorio, em parceria com Projeto Lygia Pape e projeto expográfico de Daniela Thomas e Felipe Tassara, de 22 de agosto a 8 de novembro.
  • Yuko Mohri, na Japan House São Paulo, com curadoria de Natasha Barzaghi Geenen, de agosto a dezembro.
  • Frida Orupabo, no Museu Afro Brasil, de setembro a dezembro.
  • Juraci Dórea, no Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (MuBE), com curadoria de Cauê Alves, de setembro a outubro.
  • Adrián Balseca, no Museu da Cidade de São Paulo: Capela do Morumbi, com curadoria de Gabriela Rios, de 25 de julho a 15 de novembro.
  • Regina Silveira, no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), com curadoria de Ana Magalhães e Helouise Costa de 29 de agosto de 2020 a 2 de agosto de 2021
  • Trajal Harrell em Histórias da dança, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), com curadoria de Adriano Pedrosa, Julia Bryan-Wilson e Olivia Ardui, de 26 de junho a 5 de novembro
  • Jaider Esbell, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM São Paulo), de setembro a dezembro.
  • Lasar Segall: o eterno caminhante, Museu Lasar Segall, com curadoria de Giancarlo Hannud, exposição permanente
  • Joan Jonas, na Pinacoteca de São Paulo / Estação, com curadoria de Berta Sichel, de 9 de maio a 12 de outubro.
  • Beatriz Santiago Muñoz, no Pivô, com curadoria de Fernanda Brenner, de 29 de agosto a 24 de outubro
  • Alfredo Jaar, no Sesc Pompeia, com curadoria de Moacir dos Anjos, de 2 de setembro de 2010 a 21 de janeiro de 2021
  • Eleonora Fabião, no Sesc Carmo, de 2 de setembro a 30 de dezembro
  • Abel Rodriguez, no Sesc Interlagos, com curadoria de José Roca, de 29 de agosto a 29 de novembro.
  • Acervo Histórico Videobrasil em diálogo, no Videobrasil, de 5 de setembro a 6 de dezembro
  • Conversas públicas, na Oficina Cultural Oswald de Andrade, de outubro de 2019 a julho de 2020.
  • Seminário Internacional de Arte Contemporânea 2020, no Paço das Artes, entre 18 e 19 de setembro.

Trabalhar com memória é trabalhar com o presente

João Fernandes fala no V Seminário Internacional ARTE!Brasileiros, intitulado "Arte além da arte". Foto: Marina Malheiros

Destruição da Amazônia, guerra contra as artes. Apesar do clima de catástrofe, o curador João Fernandes chega otimista. “O Brasil no meio de toda dimensão trágica de sua história, sempre conseguiu criar formas de superar esses traumas”, observa de sua nova sala, na avenida Paulista, exatamente do outro lado da sede do Instituto Moreira Salles.

Respeitado no circuito internacional, Fernandes esteve à frente da Fundação Serralves, no Porto, entre 1996 e 2012, hoje uma das mais renomadas em arte contemporânea, e atuou seis anos como diretor artístico do Reina Sofia, em Madri, instituição essencial para a criação de novas narrativas na história da arte.

Conhecedor da arte brasileira em profundidade, visitante regular do país desde 1998, quando indicou a representação portuguesa na bienal que tratou da Antropofagia, Fernandes conta seus novos planos em sua nova função:

ARTE!Brasileiros – Como é chegar em um momento tão dramático no Brasil, que até a noite chega no meio da tarde?
João Fernandes – Eu fiquei admirado, não sabia o que estava passando, imaginei que no inverno São Paulo escurece às 15h da tarde (risos), como ocorre na Alemanha.

Pois é, mas chegar em meio a tudo isso não carrega uma certa urgência, apesar de o IMS ter tido mostras muito relevantes sobre a história e o momento brasileiro como Corpo a Corpo, Conflitos ou mesmo da Claudia Andujar, A luta Yanomami, nos últimos dois anos?
Eu vim para o Brasil porque achei que era importante estar no Brasil. Reconheço que o convite me surpreendeu, estava longe de minha expectativa sair do Reina Sofia tão cedo. Mas quando João [Moreira Salles] e Flávio [Pinheiro] me pediram para pensar na possibilidade de assumir a diretoria artística do instituto, há um ano, confesso que fiquei muito fascinado. Isso porque conhecia uma parte dos acervos do instituto e da sua programação e, ao mesmo tempo, acho que o instituto tem uma condição ideal em sua autonomia com seus acervos e suas práticas para poder trabalhar no Brasil. Sei que não é fácil construir uma instituição no Brasil, mas tampouco é em Portugal, meu país. O museu que trabalhei em Portugal foi o primeiro museu de arte contemporânea do país e foi criado só no final do século 20. Apesar de aqui os museus terem começado antes, sei que a institucionalidade não é fácil.

Por tudo isso, acho que o instituto é uma das instituições mais possíveis para se relacionar com a memória e o presente, porque a memória não pode ser indistinta do presente, como o presente não pode ser indistinto da memória. Isso foi o que me levou ao Reina Sofia, pois me interessava muito como o Manolo [Manuel Borja-Villel] constrói um ponto de vista sobre a história a partir da história da arte e a história da arte a partir da história, o que faz o Guernica não ser apenas uma obra-prima da história da arte, mas também um documento importante de um momento de conflito que revela uma história a partir do ponto de vista dos vencidos e não dos vencedores, que é quem em geral condiciona as narrativas históricas nos museus e nas instituições. Então, trabalhar com os acervos do Moreira Salles é poder trabalhar com o melhor de uma cultura que sempre me fascinou, e na língua que eu falo.

O que também me interessou no convite para meu trabalho curatorial foi não ficar confinado em um tipo de especialização, de uma arte que se constitui por certos estereótipos para se chamar de arte contemporânea, o que é paradoxal com a história da arte no século 20, que sempre teve formas híbridas. Então poder trabalhar com acervos e uma programação que permite cruzar literatura, fotografia, artes visuais, cinema é para mim um desafio fascinante.

Sede do IMS em São Pauloo. Foto: Pedro Vannucchi/Divulgação

Mas e chegar nesse momento tão difícil?
Aí confesso que acho que o Brasil nunca vai deixar morrer a esperança. O país já passou por situações muito difíceis, como todos os países que viveram o mundo colonial. No caso do Brasil, essa experiência bárbara e atroz, que perdura para além do próprio período da escravatura, deixa feridas abertas pelas marcas, traumas e cicatrizes. Mas o Brasil, no meio de toda dimensão trágica de sua história, sempre conseguiu criar formas de superar esses traumas.

O Hélio Oiticica criou a famosa frase…
Da adversidade viemos! E na adversidade encontrar a alegria em meia a tristeza mais profunda. O Brasil sobreviveu a ditaduras terríveis, houve momentos em que a condição humana foi fragilizada em termos das condições políticas e econômicas, das marcas do colonialismo. Em meio a tudo isso, o Brasil constrói uma cultura inacreditável. E me interessa particularmente a forma como a cultura brasileira subverte a distinção entre cultura erudita e popular. Isso acontece na música, nas artes visuais, no cinema. Isso sempre me fascinou muito.

Quando comecei a trabalhar com arte isso se tornou muito claro, porque não havia textos brasileiros lidos em Portugal, seja de Mário Pedrosa, seja de Ferreira Gullar ou mesmo de Hélio Oiticica, nenhum deles era conhecido. Quando descobri que o MoMA pensava em publicar os textos do Mário Pedrosa, disse para eles que quando esses textos fossem traduzidos para inglês os cânones da História da Arte iriam mudar. E de fato, eles traduziram e passaram a dar importância a ele. Precisam ainda descobrir como Walter Zanini constrói um conceito de museu, que é outro capítulo na história dos museus no século 20.

Há tanta coisa por aqui que abre caminhos, que critica os caminhos dominantes nos centros clássicos da construção da modernidade, das vanguardas, da geopolítica do mundo, que fazem a minha presença aqui um grande desafio e uma grande possibilidade de trabalho. Por isso tudo, confesso que nada abala minha crença que o Brasil irá sobreviver e creio que a cultura tem um papel nisso.

E essa é uma das razões que trabalho com arte, que é essa coisa maravilhosa de ninguém pensar ou sentir uma obra de arte da mesma maneira. Todos nós temos impressões distintas diante de uma sinfonia, ninguém vê um quadro da mesma maneira e quando vê da segunda vez já vê de forma diferente. E essa característica da arte, que permite radicalizar sem ao mesmo tempo fragilizar o sentimento de comunidade, é o que eu acredito ser o papel dos museus, das instituições culturais, das salas de concerto e teatro, ou mesmo da rua. A experiência da diferença, de estar juntos sendo diferentes, é muito importante. E a arte é das atividades humanas que estimulam isso, que ensina a construir comunidade e estar juntos a partir das diferenças de sentir e de pensar, mesmo em um país tão crispado como o Brasil é. Afinal, a estruturação desse país se deu com tanto ódio, que se manifestou em formas de ameaça à condição humana — a escravatura tem papel central nisso, é dos holocaustos mais hediondos da história da humanidade. Tudo isso se manifesta ainda, infelizmente, presente na falta de respeito às questões raciais, às culturas ancestrais, à natureza. Mas por isso mesmo a arte e a cultura têm sobrevivido e criado novas formas, erudita ou popular, que fazem do Brasil uma situação única, isso afirmo talvez por ser minha língua, mas tudo isso se tornou um convite irrecusável.

De fato, apesar de tudo que está ocorrendo há a percepção de que as instituições culturais têm tido um crescimento de público.
Eu cheguei há uma semana e vi acontecimentos maravilhosos. A energia que existe nesse momento no Brasil é muito única. O Panorama da Arte Brasileira é uma exposição notável, que foge aos estereótipos da arte contemporânea que se vê nas bienais de arte, não falo aqui de nenhuma em específico, que começam a parecer feiras de arte. Já no Panorama, encontra-se uma brasilidade que não é nacionalista, mas de conexão com as culturas populares, com os temas do presente, com culturas vistas como marginais, e tudo isso conflui de maneira muito original. Tive ainda a felicidade de ver uma mostra do Flávio de Carvalho onde o Teatro Oficina apresentou O Bailado do Deus Morto, feita na década de 1930, um texto que liga diretamente uma experiência pós-colonial com uma cultura universal, de matriz neoclássica e europeia – aquelas máscaras são gregas, de certa forma, conseguem ser gregas e brasileiras. Também assisti à estreia do Bacurau, do Kleber Mendonça, que é um momento único na história do cinema: além de ser o western mais antifascista já feito, é também a possibilidade de um western popular e que reinventa um gênero, sem cair em estereótipos. Tudo isso em uma semana de Brasil.

Sede do IMS. Foto Pedro Vannucchi/Divulgação

E como você pretende trabalhar no Instituto Moreira Salles?
Confesso que por um lado vou aprender muito mais do que até agora conheço, em relação a tudo que aconteceu na arte e na cultura brasileira, e quero aprofundar toda uma série de possibilidades que os acervos do instituto oferecem e mesmo o cruzamento destas áreas, que é uma coisa que sempre gostei de fazer, aproximar artes performativas de artes visuais, da literatura. Há sincronias no tempo de obras de Lygia Clark com Clarice Lispector, e muitas interrogações podem surgir dessas sincronias, desses universos paralelos. Mas também tenho consciência que o Brasil é tão longe de outros lugares do mundo e muita coisa não passou por aqui e pode ser conhecida. Ao mesmo tempo acho importante que esses acervos magníficos do instituto e sua relação com a memória e o conceito de documento sejam levados ao mundo.

Isso é uma missão, eles pediram que você trabalhasse esses acervos no exterior?
Não. Mas conhecendo esses acervos e como são desconhecidos no mundo, não há como não pensar nessa urgência. É preciso conhecer as coisas maravilhosas que existem aqui, até porque o Brasil tem sido visto em muitos estereótipos que foram criados. Se eu puder contribuir para isso é importante. É fantástico compreender como Claudia Andujar, que nem nasceu aqui mas ela chega aqui e percebe que uma das riquezas do Brasil, se encontra nesse tesouro maravilhoso que são as culturas indígenas. E ela vai lá, vive com eles e passa a ser como uma embaixadora. E ela ainda é pouco conhecida. Semelhante a ela tem o Lothar Baumgarten, que a partir da Alemanha e de Humboldt vem também para o Brasil e uma de suas primeiras obras na Europa é Eldorado, prefiro estar lá do que no norte da Westphalia, que é uma frase do Voltaire, até ele já tinha essa consciência. Enfim, estes dois nomes mostram como há uma universalidade no Brasil que é muito fascinante e pode se desdobrar em programações, em momentos.

Então você pretende mostrar o Lothar? Dá para falar sobre algo do que você pretende trazer para a programação?
Eu não estou ainda em condições de apresentar um programa, acabei de chegar, estou a conversar com as equipes. Primeiro quero ouvir muito. E fico feliz em chegar e ter uma ótima programação definida para o primeiro ano, é uma felicidade chegar e ter uma mostra abrindo do Harun Farocki, com quem nunca trabalhei, mas respeito muito. É uma das obras que mais motivam o pensamento entre cinema e sociedade, história política e novas formas de narração.

Minha primeira atitude, então,  é conhecer como trabalha o instituto, como trabalham suas equipes, seus programadores e, pouco a pouco, constituir com eles uma identidade na programação.

Acho que uma instituição tem que ter uma identidade na programação, o instituto tem possibilidades únicas para a interação dos seus arquivos e por uma ação muito particular na integração com o conceito de memória. Quem tem arquivos como o instituto tem uma obrigação, que é de propor preservar uma memória, mas preservar memória é também construir um ponto de vista sobre essa memória e um ponto de vista que se ponha em discussão. Memória é sempre algo coletivo, algo para ser discutido, porque quem trabalha com memória trabalha com o presente. Então, voltando à sua questão inicial, se o instituto fez exposições como Corpo a Corpo e Conflitos, não há como não continuar fazendo exposições assim.

 

CCSP recebe exposição de cartazes retirados da Ancine

O Festival Verão Sem Censura, realizado pela Secretaria Municipal de Cultura de SP, expõe no Centro Cultural São Paulo (CCSP) os cartazes retirados pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), pela nova gestão do órgão, indicada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Em dezembro, a ANCINE retirou de suas paredes, em sua sede no Rio de Janeiro, cartazes de filmes brasileiros que estavam expostos desde 2002. Os cartazes retirados estampavam obras nacionais que discutiam temas urgentes e provocadores. A realização da exposição tem o intuito de reafirmar a visibilidade de produções com temáticas LGBTQIA+ e apoiar a liberdade de expressão e a diversidade do cinema brasileiro.

Outros aparelhos da cidade de São Paulo recebem atividades ligadas ao festival, que tem a intenção de acolher manifestações culturais que sofreram algum tipo de censura nos últimos anos, de exposições a peças de teatro. Na programação de mostras, a Biblioteca Mário de Andrade tem, a partir de 17 de janeiro, a exposição Banidos, que apresenta um acervo de livros raros censuradas na história da literatura.


Exposição com cartazes de filmes censurado
de 17 a 31 de janeiro
Centro Cultural São Paulo: Rua Vergueiro, 1000 – Paraíso, São Paulo
Mais infos: (11) 3397-4002