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O vidro como essência

Jean-Michel Othoniel no MON
Jean-Michel Othoniel no MON

A exposição “O Olho da Noite”, de Jean-Michel Othoniel, com curadoria de Marc Pottier, celebra os 22 anos do Museu Oscar Niemeyer e fortalece o diálogo entre o Paraná e a França. O artista francês apresenta 25 obras, ocupando vários dos espaços expositivos: o Olho, o espelho d’agua e mais duas galerias.

Jean-Michel Othoniel realizou várias exposições internacionais desde sua participação na Documenta de Kassel, em 1992. Ele conta que, quando ainda era um jovem artista, conheceu pessoalmente Oscar Niemeyer, no Rio de Janeiro, e contemplou estrelas no céu com ele através de uma das grandes janelas de seu apartamento: “Foi nessa memória poética que minha primeira exposição individual no Brasil foi construída”.

No espaço curvo do Olho, foram pendurados colares de vidro gigantes representando os signos do Zodíaco e lotus que sobressaem no espelho d’água, provocando reflexos. 

Confira nossa conversa com o artista no dia da inauguração da mostra.

Arte!: Quando e por que você decidiu trabalhar com o vidro como sua matéria principal?

Jean-Michel Othoniel: Acho que o material não foi a primeira coisa que veio à minha mente quando comecei a trabalhar. Foi uma maneira de oferecer uma visão do mundo mais otimista, usando essa ideia de beleza e de trazer beleza para o mundo de hoje. Essa foi a minha ideia há 20, 25 anos. E, aos poucos, percebi essa ideia de que trazer beleza, levar esperança para as pessoas, era importante para mim como artista, quase como um ato político, trazer beleza para o mundo. 

E o vidro é um material que todo mundo conhece, faz parte da nossa intimidade e está em todo o mundo. Então, pessoas na Ásia, na África, na Europa, na América do Sul, todos têm uma experiência com vidro e uma espécie de poesia mágica na sua intimidade. Foi uma forma de usar um material capaz de dialogar com diferentes civilizações, diferentes formas de pensar, diferentes religiões. É um material que fala sobre fragilidade, sobre o fato de que você precisa aceitar sua própria fragilidade para enfrentar o mundo. E, ao aceitar isso, você se torna mais forte. Isso foi algo importante para mim quando decidi usar esse material. 

Depois dessa visão conceitual do material, sempre fui surpreendido por ele: sempre novas ideias, sempre novas cores, sempre novas pessoas para conhecer de diferentes países. Trabalhei com sopradores de vidro indianos, italianos, suíços. Trabalhei no México com sopradores mexicanos, no Japão com sopradores japoneses. E, a cada vez, é uma forma de descobrir o mundo e diferentes culturas.

Arte!: Qual foi teu primeiro contato com a arte?

Jean-Michel Othoniel: Tive a sorte, quando criança, de ir a um museu quando tinha 6 ou 7 anos. Isso porque eu vivia em uma cidade comunista no centro da França chamada Saint-Étienne. E lá não havia muita coisa. Era uma cidade muito pobre, com minas e pessoas trabalhando no carvão. Era uma cidade suja, mas nós tínhamos um museu de arte contemporânea com artistas contemporâneos indo para Saint-Étienne nos anos 1970, o que era algo completamente novo. E as pessoas vinham de toda a Europa só para ver exposições e trabalhar lá. E, como crianças das escolas, éramos obrigados a ir ao museu toda quarta-feira.

Foi mágico para mim, como uma janela que se abriu. Uma janela para a liberdade, para outra visão do mundo. E isso mudou a minha vida. Então, eu disse aos meus pais que queria ir para a escola de arte quando tinha 7 anos. E fui. Após a escola, toda quinta-feira à noite, eu passava três horas desenhando com os artistas na escola de arte.

Arte!: Então você fez escola de arte?

Jean-Michel Othoniel: Sim, comecei na escola de arte aos 7 anos. E fiquei totalmente fascinado por isso. A ideia de se expressar era uma forma de abrir sua mente e libertar sua alma. Eu gostava de ler sobre arte, ir a museus, desenhar. Eu era feliz fazendo isso. Mas decidir ser artista, acho que não é uma decisão que você toma. Acho que a vida escolhe por você. Em algum momento, isso se torna uma necessidade na sua vida. Você só consegue fazer isso e nada mais. Decidi trabalhar com arte com 22 ou 23 anos.

Arte!: Você já tinha estado no Brasil e se encontrado com Niemeyer no Rio de Janeiro, certo?

Jean-Michel Othoniel: Sim! Tive a oportunidade de ser convidado ao seu apartamento. Ficamos horas conversando e olhando um céu estrelado. Ele disse “quero mostrar para você onde eu faço meus desenhos”. Aí ele me levou numa sala muito pequena, talvez, não sei, 10m², talvez 25m², cheia de livros e no meio, uma mesa pequena, talvez 1m x 1m, uma mesa muito pequena. Quando eu vi isso, eu disse, meu Deus, esse gênio desenhou toda essa arquitetura em uma mesa tão pequena. Foi um choque para mim. Um presente. Um homem tão brilhante e famoso e tão humilde. 

Arte!: Aqui tem diferentes modulação de um mesmo material o que inspira cada um?

Jean-Michel Othoniel: Eu tenho dois modelos em minha obra, as contas [beads, contas de colares] e uma espécie de forma quadrada , de tijolo. E esses dois modelos são coisas que as pessoas conhecem em todo o mundo. A ideia do tijolo existe em tantas religiões e em todas as culturas. Os tijolos podem compor módulos que eu uso e com eles posso fazer tanto pequenas como grandes esculturas, que podem ir a 20 metros de altura.

Quando fui trabalhar na Índia fui para um lugar que se chama Firozabad, que é uma pequena vila.  Encontrei um jeito de entrar em uma família de sopradores de vidro, o que não era fácil, porque eles não falavam inglês. Era no meio do deserto, perto de Agra, perto do Taj Mahal, mas no meio do nada, sem hotel, sem onde ficar. 

Foi um grande desafio. Na estrada para chegar nesse lugar vi vários pedaços de tijolos no chão, feitos com terra para construírem suas casas. Para mim, foi uma mensagem maravilhosa, uma mensagem sobre o que as pessoas podem ter em mente, a expectativa de construir sua própria casa. Aí pensei: eu quero soprar tijolos.

Não foi fácil, porque era preciso soprar um quadrado em vez de soprar em uma forma esférica. Então trabalhei com eles. Fizemos algumas amostras soprando na areia, soprando no barro. Aos poucos fomos encontrando uma maneira de realizar esse projeto. Tínhamos instrumentos muito antigos como moldes. Foi como trabalhar no passado, era como trabalhar há 200 anos. 

Arte!: Cada cultura desenvolve diferentes experiências com o vidro?

Jean-Michel Othoniel: Cada país tem uma visão diferente do vidro. Por exemplo, na Índia, o vidro está muito ligado à arquitetura de joias, por causa dos pavilhões dos marajás feitos de vidro. Você tem móveis feitos de vidro para casamentos há 200 anos. O mundo do vidro indiano está muito conectado com contos de fadas. Para eles é algo mágico. 

Se você for à Itália, é mais sobre design. Eles querem criar formas bonitas, com cores incríveis, perfeitas. O vidro é totalmente transparente. Se você for ao Japão, é mais meditativo. É sobre a maneira de trabalhar. Você mistura o vidro com folhas de ouro e trabalha nos detalhes. As  pessoas veem o vidro como uma forma de meditação.

Cada país traz uma nova experiência e uma relação com o vidro que é ligada à sua própria cultura. E eu adoro descobrir isso, porque me traz novas ideias, novas conexões com o mundo.

As artes visuais vão ao front

SP Arte Rotas Brasileiras
SP Arte Rotas Brasileiras

Até a próxima quarta-feira, 11 de dezembro, o setor de artes visuais do país estará em alerta vermelho. O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, indicou que o projeto da Reforma Tributária volta ao Congresso na segunda-feira e, na quarta, já poderá ir ao plenário da casa, como prioridade de encerramento do ano. Mas o que o setor de artes tem a ver com a reforma? Basicamente, tudo. 

Quando um artista plástico vende uma obra de arte, a saída de uma peça (uma pintura, gravura, objeto conceitual, escultura etc) é realizada com isenção de ICMS, não há tributação do consumo (a tributação somente será aplicada ao artista na sua declaração de Imposto de Renda). Usualmente, durante as feiras de arte, quando essa operação é praticada por uma galeria, existe o benefício do crédito presumido do ICMS, que consiste no seguinte: a obra entra na galeria sem cobrança de ICMS, e, na venda, ainda tem o crédito presumido (também conhecido como crédito outorgado, um recurso utilizado pelos estados e Distrito Federal para dispensar o contribuinte da carga tributária que incidirá sobre as operações). Com a reforma tributária (Projeto de Lei 68/2024), esses benefícios para as artes visuais estarão extintos. 

A reforma prevê a exclusão da comercialização de obras de arte do Regime Diferenciado, mecanismo que reduz a alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em 60% para setores como eventos e audiovisual. É uma situação complexa: a nova lei cria regras que vão viabilizar o Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) dual, com a substituição de cinco tributos (ICMS, IPI, ISS, PIS e Cofins) por três: Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de nível federal; Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de nível estadual e municipal; e o Imposto Seletivo, de nível federal. O fato é que, como consequência, isso deverá aumentar a até 27% o preço de uma obra de arte no país. Para efeitos de comparação, outras nações, como França, Bélgica, Inglaterra e Alemanha, aplicam alíquotas entre 5% e 7% atualmente. As vendas diretas de obras de artistas pelas galerias têm um crédito presumido de 50% do imposto, apenas nas feiras é que têm isenção de 100%.

Galerias, marchands, feiras, exposições, artistas e ativistas do setor estão alarmados e buscando reverter a situação. Em uma mobilização inédita (e de rara envergadura), a primeira na história, as artes visuais criaram este ano o Coletivo 215, uma aliança entre a Associação Brasileira de Arte Contemporânea (ABACT, que representa cerca de 60 galerias de arte contemporânea no Brasil), ArtRio, SP-Arte e a Associação de Galerias de Arte do Brasil (AGAB). Seu ativismo pleiteia a defesa e o fortalecimento do setor, mas o foco principal é reivindicar o cumprimento rigoroso do artigo 215 da Constituição Federal, que dá nome ao grupo. O artigo é o que garante pleno exercício dos direitos culturais, a manifestação e difusão das manifestações culturais e o acesso à cultura. 

Conforme o coletivo, o mercado de artes visuais pode vir a sofrer um raro isolamento internacional caso seja aprovada a Reforma Tributária da forma que está, pelo encarecimento que provocará nas operações de comércio de obras. Segundo diagnóstico do Coletivo 215, as feiras de arte impulsionam fortemente a economia criativa brasileira. Elas reúnem anualmente cerca de 200 galerias, exibem mais de 2 mil artistas e recebem cerca de 100 mil visitantes, gerando mais de 10 mil empregos diretos e indiretos e permitindo a arrecadação de mais de R$ 20 milhões em impostos. 

As galerias estimam que, com sua exclusão do Regime Diferenciado de tributação, a situação poderá até conduzir ao fechamento de muitas delas, especialmente as menores. Também poderá afastar galerias internacionais que porventura queiram adquirir obras de artistas brasileiros, pelo encarecimento, e até impactar na produção artística, via estrangulamento. As artes visuais querem ter uma atenção em pé de igualdade com outros setores da cultura. 

O galerista Alexandre Roesler vê perigo real de um retrocesso na área da cultura. “O setor cultural sempre teve um tratamento diferenciado, não só aqui no Brasil, mas no mundo todo, pela capacidade que a cultura tem de definição da identidade nacional, sua característica de soft power, sua importância para a vida das pessoas”, pondera Roesler. “A reforma é muito bem-vinda, vai simplificar, traz menos burocracia para uma série de coisas”, ele afirma. Mas precisa garantir isonomia para as artes. 

Segundo o galerista, ao ser feita a emenda constitucional, houve um entendimento de que, sim, era necessário que o setor cultural continuasse tendo um tratamento diferenciado. “Então, eles colocaram lá que produções artísticas e culturais teriam a redução de 60% das alíquotas finais. Isso foi levado em consideração para alguns setores estratégicos, como educação, saúde e cultura. Aparentemente, estava tudo em ordem. Mas, quando foram escrever o PLP 68, na definição do que é produção artística cultural nacional, só incluíram serviços”. 

Assim, diversos segmentos da cultura foram plenamente contemplados, como o audiovisual, o setor de eventos, mas não as artes visuais. “O produto do artista visual não é um serviço. Os artistas produzem obras de arte que são objetos tangíveis, não se trata de uma prestação de serviços. O que pedimos é que seja incluída [no texto] também a transação com bens, porque, se não estiver contemplada, pintores, escultores, galeristas, toda a cadeia será muito prejudicada”. 

De fato, a Emenda Constitucional no 132, aprovada no fim de 2023, estabeleceu que as produções artísticas e culturais receberão tratamento diferenciado na reforma. Mas, para o Coletivo 215, ainda se faz necessário que a regulamentação por leis complementares defina os setores beneficiados dentro desse guarda-chuva de “produções culturais e artísticas”. Em maio deste ano, o grupo encaminhou uma Nota Técnica ao Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados que trata do tema (e ao Ministério da Fazenda), na qual consta a proposta da Emenda 477, que sugere que o regime especial para o setor abranja “operações com serviços e bens, tangíveis e intangíveis, envolvendo produção, feira, exposição, intermediação, importação, repatriação e comércio de obras intelectuais”. 

“A aprovação da Emenda 477 impactará positivamente essa esfera econômica gerando empregos, renda e promovendo a imagem do Brasil no cenário internacional”, afirma o coletivo, em nota. “O mercado de arte não somente se incorpora ao patrimônio cultural do país como também promove e financia artistas nacionais, cria oportunidades e inclusão social, democratiza o acesso à arte brasileira e estrangeira e movimenta a economia de forma direta e indireta, com impacto sobre negócios, turismo e a produção cultural”. 

Nos fóruns da internet que debatem o assunto, também aparecem observadores que defendem que o setor de artes visuais, por ser um dos mais prósperos da atividade cultural, deveria ser alvo de uma tributação mais pesada. “Senão, vai ficar como o absurdo da carne, que é incluída na cesta básica”, afirmou um deles. 

“A não inclusão das obras de artes no regime diferenciado, como parte da produção cultural nacional, parece ter sido fruto apenas de equívoco que incluiu serviços mas não bens”, diz Cris Olivieri ― advogada da Olivieri & Associados, especializada em arte, cultura e entretenimento e mestre em política cultural.

O relator do projeto da Reforma Tributária, senador Eduardo Braga (MDB-AM), e o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (União-AP), pretendem levar primeiro o texto à votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), único colegiado que analisará o projeto antes de ele ir ao Plenário. Já foram realizadas 13 audiências públicas, ouvidos quase 200 debatedores e o relator recebeu mais de 800 pessoas em seu gabinete. Outras 21 audiências públicas foram realizadas na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Ainda assim, o grupo das Artes Visuais atua ativamente em várias frentes, buscando envolver a classe política, os artistas, o Ministério da Cultura e o da Fazenda. “Esperamos conseguir porque isso é muito importante, inclusive por isonomia ao tratamento dado à cultura; não pode alguns setores estarem contemplados e outros não”, diz Alexandre Roesler. A reportagem de ARTE!Brasileiros procurou o Ministério da Cultura para saber se a pasta tem conhecimento do caso e qual sua postura a respeito, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. 

No Museu Paranaense, Luana Vitra expõe a metafísica metálica e poética que extrai do solo de sua imaginação

Obra da série 'Exaustão da terra (2024), de Luana Vitra
Obra da série 'Exaustão da terra (2024), de Luana Vitra

Em seu texto crítico para a exposição Aos espíritos minerais, de Luana Vitra, no Museu Paranaense, a cantora Anelis Assunção lembra que, “crescida sobre o ferro que constitui o solo mineiro de sua existência”, a artista está ancorada nessa materialidade. “Desde seu bisavô mineiro e toda uma família ligada a metais e minerais anteriores a seu corpo, até a mola do tempo atual lhe empurrar para essa excursão transformadora e metalinguística, Luana traz no sangue o ferro que lhe garante a saúde e o sustento”, escreve.

No MUPA, essa jornada transformadora e metalínguística de que Anelis fala se materializa em obras como desenhos e esculturas, algumas delas inéditas, em que Luana lança mão do ferro, do cobre, do chumbo e também do barro para, numa maquinação poética, devanear acerca de uma afetividade e uma transcendentalidade dos minerais.

O convite para expor no MUPA foi feito anteriormente à 35ª Bienal de São Paulo, de que Luana participou. Inaugurada em outubro, Aos espíritos minerais fica em cartaz até março do ano que vem, na sala Lange de Morretes. Para Gabriela Bettega, diretora do Museu Paranaense, um dos maiores desafios desta individual de Luana Vitra na instituição foi “traduzir a poética singular” da artista para o espaço expositivo do museu, preservando a complexidade simbólica e a intensidade sensorial de suas obras.

“Isso se refletiu na criação de uma expografia muito específica, incluindo a construção de um espaço oval para a fruição da obra Aos espíritos minerais, que dá título à exposição, assim como na colaboração frutífera com artesãos locais para a modelagem de peças em cobre, latão e aço”, afirma a diretora, à arte!brasileiros.

Gabriela ressalta ainda que a exposição dialoga de forma insólita com o MUPA “ao reimaginar as narrativas materiais e imateriais” presentes no museu. “Enquanto os acervos arqueológicos e históricos muitas vezes são compreendidos como vestígios humanos e minerais sob um viés científico e cronológico, o trabalho de Luana Vitra nos conduz a um campo de possibilidades poéticas, onde o tempo não é linear e os materiais carregam vozes e memórias que transcendem sua função utilitária”.

Ao discorrer sobre a obra Magma, por exemplo, Luana Vitra explica que o trabalho parte de uma pesquisa que já lhe interessava no passado. A artista afirma que o ferro existente no Brasil, assim como em parte do continente africano, surgiu a partir de um evento geológico, de “uma grandíssima erupção” que aconteceu há muito tempo. “Fico pensando num caráter afetivo dessa matéria, desse centro do planeta que inflama, e eu entendo esse ferro como o afeto da Terra que transborda”, diz Luana, à arte!brasileiros.

“A exposição então passa por aspectos físicos, químicos, espirituais e afetivos das matérias. A partir disso, eu escolho os elementos que vou usar e a maneira com que eles se relacionam. Tenho pensado sobre a ascensão da matéria, numa dimensão espiritual, e as dinâmicas afetivas, que atravessam a maior parte da exposição, como no caso de Abraçadeiras, série que está ligada à afetividade dos materiais”, prossegue.

Assim como Magma, Exaustão da Terra é uma das obras inéditas levadas ao MUPA. Mas a investigação de Luana se desloca para outro mineral, o chumbo, com que ela já havia trabalhado na série Até que alguma coisa me pense para dentro (2021), com o material na forma como ele é usado na pesca. Nas novas criações, a artista usou lençóis de chumbo, chapas do metal usadas como blindagem em salas de radiologia. Ela usa o material somente uma vez em sua carreira, na individual Viver e morrer pela boca, com curadoria de Germano Dushá, feita em 2023 na Galeria Bruno Múrias, em Lisboa.

“O chumbo é um dos meus metais favoritos. É mais macio, é possível dobrá-lo ou mesmo costurá-lo como se fosse um tecido um pouco mais rígido”, explica. Depois de cortadas as chapas, Luana as costurou com fio de cobre, no que sugere ser uma alusão a uma cicatriz, ou à memória de uma fenda que “permanecerá sempre ali, em alguma medida, mesmo após uma sutura.”

Luana pondera que pensa no ferro sempre como pele, por entender que ele é a matéria mais próxima de si mesma. “A maneira como eu reflito sobre o reino mineral está sempre ligada, em alguma medida, à forma que eu entendo meu próprio corpo”, diz. “E o meu entendimento do corpo mineral ecoa naquilo que eu entendo de mim. É uma relação que se espelha. Isso vem do caminho que eu tenho na dança, anterior às artes”.

Já o cobre, afirma a artista, traz-lhe a ideia do amor, por sua condutividade. “E, pelo mesmo motivo, por ser uma ponte, ele me leva à noção das dinâmicas espirituais da matéria. O cobre também é ponte quando a gente pensa na solda. Ele facilita essas relações de transmissão”, argumenta.

Luana faz questão de ressaltar que os desenhos apresentados no MUPA são “similares imageticamente a outros” que já fez, como no caso das cerâmicas apresentadas na instalação Giro (2023), montada no ano passado na Galeria Marcenaria, no Instituto Inhotim. Desta vez, no entanto, as intervenções são feitas sobre papel, com pasta de cobre. Mas, em ambos casos, ela conta, as obras têm “dinâmicas ligadas a uma ideia ascensão da matéria”.

“No Inhotim, eu estava pensando nessa ascensão que se dá a partir da rotação, a partir de uma gestualidade química, que pode entrar num processo de elevação”, explica. “Desta vez, fiquei fabulando a equação dessa movimentação, não baseada em fatos reais. Eu penso como isso poderia se dar, no campo da imaginação, sem dar as respostas, mas ampliando as perguntas”.

TRAJETÓRIA

Luana Vitra nasceu em 1995, Contagem, cidade industrial pertencente à Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG). Formou-se em 2018 como Bacharel em Artes Plásticas, na Escola Guignard (UEMG). Tem obras nos acervos da Pinacoteca de São Paulo e do Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte, entre outros. Em meados do ano passado, recebeu o Prêmio Pipa, o mais importante da área no Brasil. Seu currículo elenca, entre outras, uma mostra individual no Centro Cultural São Paulo (Três Guerras no Peito, 2020) e coletivas no MAM Rio (Atos de Revolta, 2022) e Sesc Belenzinho (Dos Brasis, 2023).

Luana explica que as escolhas feitas para a exposição no museu de Curitiba refletem também o desejo de fazer seu primeiro livro, que “se estende para fora da mostra, de modo A pensar outras relações do trabalho” ao longo de sua trajetória. “É como um gesto de olhar para trás, e ver um pouco tudo eu havia feito, puxar alguns pontos que ficaram meio soltos no tempo”, diz. A artista optou por não chamar um curador para conceber a exposição ou escrever o livro. Também preferiu convidar a cantora Anelis Assunção para assinar o texto crítico da mostra.

“Eu não queria que a exposição fosse pensada exatamente a partir de um olhar curatorial. Então não há curadoria, mas queria alguém que tivesse um olhar, uma maneira de imaginar a matéria junto comigo”, diz. “E a Anelis tem uma maneira de narrar que está entre a realidade e o delírio. E eu descubro, mesmo ancorada na realidade da matéria, outros caminhos que ela, a matéria, pode fazer no imaginário”. Prevista para ser lançado em fevereiro, a publicação trará também textos de Hélio Menezes e Diane Lima, que fizeram parte do quarteto curatorial da 35ª Bienal de São Paulo, da filósofa Denise Ferreira da Silva e de Valentine Umansky, curadora do Tate.

À arte!brasileiros, Valentine afirma que se sente “impressionada com a qualidade elementar dos trabalhos de Luana Vitra, que muitas vezes parecem movidos por uma força energética fundamental”. E antecipa a primeira frase de seu texto no livro a ser lançado:

Caí no trabalho da Luana Vitra como quem cai numa armadilha. Até os joelhos. De cabeça baixa. Meu pé ficou preso na rede dela, e não consegui escapar. Não a conhecia. Mas não tive como resistir. Como o ferro nas pedras, ele penetrou no meu sangue e me ensinou a enferrujar.

LUANA E O MUPA

Gabriela Bettega destaca que os desenhos e as esculturas da exposição, feitos de ferro, cobre, chumbo, latão e aço, ressoam com os objetos do acervo, mas ao mesmo tempo subvertem suas leituras convencionais. “A interação entre a obra de Luana e o acervo do MUPA não apenas provoca novas formas de enxergar o território e seus vestígios, mas também questiona como o passado é narrado e quais vozes, humanas ou minerais, são silenciadas ou amplificadas, colocando o museu como um espaço vivo de ressignificação”.

Vale lembrar que, nos últimos anos, o MUPA tem abraçado propostas que estimulam o diálogo interdisciplinar e a articulação de diferentes campos do conhecimento. Nesse sentido, Richard Romanini, Diretor Artístico do MUPA, considera que trabalho de Luana amplia essas perspectivas ao propor novas formas de pensar a relação entre passado, presente e futuro, enriquecendo as possibilidades de engajamento com o público e de abordagem das questões que moldam o território e as práticas contemporâneas da instituição.

“A exposição de Luana Vitra dialoga com o percurso traçado pelo MUPA desde 2019 ao reforçar e expandir a proposta do museu como um espaço de reflexão crítica e interdisciplinar sobre as múltiplas narrativas históricas e culturais. Seu trabalho ressoa com essa abordagem ao explorar narrativas que atravessam tempos e espaços, promovendo reflexões sobre história, território e memória”, pondera.

Romanini também ressalta que Luana convida o público a enxergar o solo como “uma entidade viva”, carregada de vozes e camadas de significados. “Esse gesto dialoga diretamente com a prática do MUPA de revisitar continuamente seu acervo e memória, ao mesmo tempo em que propõe novas formas de contar histórias e integrar saberes contemporâneos e ancestrais.”

Luana conclui que é muito interessante observar quando as pessoas olham as suas criações e não necessariamente me perguntam o que elas são. “Elas começam a fabular o que aquilo poderia ser. Minha obra fica neste limite da abstração, um campo que se abre para a pessoa refletir e destrinchar o que ela poderia ser”, diz.

Zerbini no Museu Oscar Niemeyer: nostalgia do silêncio

Em novembro de 2024, na celebração do 22º aniversário do Museu Oscar Niemeyer (MON), foi inaugurada a exposição “Afinidades III – Cochicho”. Com curadoria de Marc Pottier, o artista Luiz Zerbini apresenta mais de 44 obras, entre pinturas, aquarelas e monotipias, dialogando com artistas paranaenses do acervo do MON, como Guido Viaro, Miguel Bakun, Bruno Lechowski, Guilherme William Michaud e Theodoro de Bona. Zerbini traz um olhar delicado e intimista sobre a natureza. Para ele, “cochicho é uma conversa ao pé do ouvido ao ar livre, entre artistas paisagistas que passaram muitas horas sozinhos. É uma oportunidade de dar voz ao silêncio”.

arte!: A sua última exposição no CCBB do Rio de Janeiro foi uma retrospectiva de quantos anos?

Zerbini: Foi a primeira retrospectiva que eu fiz. Tem um trabalho lá que eu fiz em 1976. Eu tinha 16 anos. É uma pinturinha. Eu não era nem artista naquela época. Então, cobre 40 anos.

arte!: Você era o quê?

Zerbini: Eu era talvez um estudante de arte ainda. A Clarissa [Diniz, curadora] botou que a exposição cobria 50 anos de carreira, mas eu não acho isso muito verdadeiro. Apesar de ser verdade, eu não me considerava artista naquela época.

arte!: Com 16 anos. E quando você decidiu que era artista?

Zerbini: Eu não decidi ainda. Não sei, não teve esse momento. Quando entrei para a FAAP nos anos 1980, foi um marco, mas fiz vestibular para Direito e História, e acabei seguindo Artes Plásticas. Naquela época, não era exatamente uma profissão ainda. Era muito difícil conseguir viver de arte. Então, eu fazia porque gostava. Aprendi a misturar tintas. Fazia aula de pintura com o Jose Antonio Van Acker, um pintor de São Paulo. Depois, frequentei a casa dele, ficamos amigos, e eu ficava olhando ele pintar, sabe? Antes de entrar na faculdade, onde entrei e saí várias vezes. A faculdade foi um lugar difícil para mim, difícil de me adaptar, sabe? Eu já fazia o que faço, e ninguém dava valor, porque tinha os abstratos, concretos, neoconcretos. Eu era figurativo já naquela época. Foi uma época de crise de identidade. Travei. Passei cinco anos sem fazer nada. Só em 85 fiz minha primeira exposição individual na galeria Subdistrito. 

Eu trabalhava com a Subdistrito Comercial de Arte, a galeria do João Satamini, em São Paulo. Muitos artistas trabalharam lá. Me lembro da Casa Sete, por exemplo. Era tudo muito confuso. Achei que poderia viver de arte. O valor era muito baixo e logo depois vi que não dava. Apesar de ter vendido todos os trabalhos dessa primeira exposição, logo depois já não tinha mais, quer dizer, não tinha produção para poder me sustentar. 

arte!: Em que momento você sentiu um diferencial no seu trabalho, um traço singular?

Zerbini: Eu nunca tive essa consciência, mas vejo que as pessoas percebem em um certo momento, em épocas diferentes, cada um me descobre em uma época.

Por exemplo, me reconheço nessas pinturas que têm aqui, aqui tem a essência do que eu faço, desde que eu comecei a pintar. Pintura pequenininha, pintando uma paisagem. Não tem galeria, não tem museu, não tem nenhuma outra preocupação que não seja o prazer de estar pintando. É a origem de tudo, sabe? 

É meio como se fosse o DNA do artista que depois vai se espalhando por várias outras técnicas, vai para as gravuras, pinturas grandes ou instalações, mas tudo começou nessas pinturinhas. Tudo começou no fato de eu gostar de pintar, de eu gostar de pintar natureza.

arte!: Hoje você se sente tolhido ou pressionado pelos galeristas, pelos prazos de exposições?

Zerbini: Não. Tive a sorte de trabalhar com três galerias muito boas: Fortes D’Aloia & Gabriel, Sikema Jenkins, em Nova York, e Stephen Friedman, em Londres. São galeristas que trabalham bem juntos, então dá certo. Não sinto essa pressão.

Luiz Zerbini, A primeira missa, 2014. Capa da edição #26 da arte!brasileiros, em 2014

arte!: E a sensação tua é de total liberdade? Eu vi uma essência no livro Sábado, Domingos e Feriados, publicado pela editora Cobogó, cujas pinturas estão aqui na exposição que me surpreendeu, porque eu tinha em mente a obra A primeira Missa, que foi capa da arte!brasileiros #26 em 2014.  

Zerbini: É porque tem uma coisa que acontece nas pinturas grandes, que elas estão sempre na escala de um para um. É quase que o tamanho real de cada coisa. E o meu ateliê antigo era pequeno, não tinha muito recuo. Então, eu ficava sempre muito perto da tela. Eu não podia ver lá de longe. Quase tudo que eu ia fazendo tinha seu tamanho original. Uma garrafa era do tamanho de uma garrafa. As coisas todas estavam no alcance da mão, sabe?

Então, quase todas as pinturas grandes, se você for ver, quase tudo tem a escala real, o que é uma coisa meio louca mas determinou um padrão para as pinturas grandes. Eu não consigo fazer menor, realmente não consigo. 

Vista da exposição do MON. Ao centro, vários objetos que Zerbini coleta em suas viagens

arte!: Mas isso acaba sendo uma necessidade da tua obra. Essa é a grande diferença, o lugar real do valor da obra do artista. Não tem isso de  “eu quero uma obra de 25cm x 80cm porque fica melhor sobre meu sofá”.

Zerbini: Ah, isso aí a gente nem discute, né? É uma outra questão, eu nem penso nisso!

arte!: Qual será o próximo passo, depois dessa retrospectiva?

Zerbini: Sinto que trabalhei a vida toda pra chegar neste momento. Agora eu tenho a possibilidade de fazer quase tudo que eu gostaria, entendeu? Até, por exemplo…

arte!: Ficar um ano sem fazer absolutamente nada?

Zerbini: Não, isso não consigo. Isso não dá. Não, porque a minha sobrevivência está ligada ao fato de eu trabalhar, senão eu acho que eu enlouqueço. A minha sanidade está ligada a uma rotina do ateliê. Agora estou morando no ateliê, o trabalho vai em paralelo a vida, não consigo parar para descansar, descansar de que? OK, estou cansado, estou trabalhando muito, mas o que move a minha vida é o trabalho, sabe?

arte!: Você pensou em alguma vez sair da pintura e fazer algum outro tipo de… 

Zerbini: Ah, então, você perguntou o que me motivava a fazer outras coisas, eu acho que é a curiosidade. Por exemplo, o negócio da monotipia me levava a pesquisar novas técnicas. Sou um cara curioso pelas técnicas, por entender cada técnica que aprendo e vou fundo nela. Essas monotipias, influenciaram a pintura.

Antes de eu fazer monotipia a pintura era diferente. Esse tipo de cor chapada que você vê aqui agora, foram aparecendo nas pinturas. As pinturas vieram depois. 

Existe uma contaminação, o tempo inteiro pego coisas que vou aprendendo nas outras técnicas e misturando e criando relações. Gosto de ficar criando relações, criando pensamentos que se completam. E usando tudo que tenho como material. O material é o mundo. Essas coisas que estão aqui no chão, por exemplo, que parecem lixo, é minha coleção pessoal. São coisas que catei na praia durante a vida toda. Está tudo catalogado lá no meu ateliê. Então, cada uma dessas coisas tem uma memória afetiva de onde eu estava quando peguei. Você vai meio que construindo um mundo, que é aquele seu mundo, assim, sei lá, onírico.

Gosto de observar as coisas, sabe? Eu presto atenção nas coisas, desde sempre eu gosto de ficar olhando como as coisas são, me reparando, gosto de ficar olhando e acompanhando as formigas. Ficar vendo insetos, ficar vendo as plantas. Desde pequeno.

De observar como a planta funciona, como a folha desenrola, como a raiz entra na terra. Observar as coisas e pensar sobre elas. Na exposição do CCBB tem o que a Clarissa chamava de “paisagens ruminadas”, que é meio essa ideia de ficar ruminando, repensando. É diferente de ter uma antropofagia que você engole e bota para fora. Eu não chego a engolir, eu fico só ruminando, aquele negócio que fica na boca, sem transformação. Ela não vai lá no fundo, se transforma em outra coisa e volta transformada, ela fica meio na superfície. Você fica meio pastando ali, né? 

Luiz Zerbini, Massacre de Haximu
Luiz Zerbini, Massacre de Haximu

Naquela exposição que eu fiz no MASP tinha um trabalho que chamava Massacre de Haximu. Você lembra desse? O Massacre de Haximu foi um massacre que aconteceu em 1993, quando os mineradores invadiram a terra Yanomami e mataram a aldeia toda. Mataram todas as mulheres e crianças. Até hoje, dizem que foram 16 pessoas. Uns dizem 16, outros dizem que foram 80 pessoas. Então, o número é meio controverso. E eu fiz a primeira missa que é essa que tem a indígena na capa da arte!brasileiros, comissionado pelo Adriano Pedrosa [curador do MASP]. Eu não queria fazer porque eu não me interessava pela primeira missa, não tinha interesse nenhum pela primeira missa. Mas aí eu vislumbrei a possibilidade de fazer sob o ponto de vista das pessoas que moravam aqui. E depois resolvi fazer essa sobre o massacre de Haximu. Só que o massacre dos Yanomamis, esse povo maravilhoso e incrível, a gente depende hoje em dia deles, entendeu? Eles têm a solução, eles têm o caminho das pedras e a gente poderia aprender muito com eles, né? E aprendemos ainda, mas poucas pessoas prestam atenção nisso. Quando fiz essa pintura, eu não gostaria de ter feito uma pintura sobre os Yanomamis que fosse o massacre de Haximu. Onde você os coloca em uma situação de vítima, quando eles são o oposto, não são vítimas, ao contrário eles são o povo, os homens, os Yanomami. O homem, o ser humano, uma coisa maravilhosa. E a cultura toda é riquíssima, então, eu não faria isso. Mas era 30 anos da TI Yanomami, da terra indígena Yanomami, e eram 200 anos da Independência e 100 anos da Semana de 22. Então era uma data… Aí eu falei com o Bruce Albert, que foi quem escreveu A Queda do Céu com o Davi Kopenagua. Falei, Bruce, eu não quero fazer essa pintura, entendeu? Eu estava com a ideia de fazer, mas fiquei na dúvida. Aí ele falou com o Davi e eles chegaram à conclusão que era para ser feita. “Você tem que fazer porque tem o aniversário, é importante, os garimpeiros estão voltando para lá agora e você tem que fazer”.

E aí eu fiz. Enquanto eu estava fazendo, eu estava tratando esse tema como uma coisa que tinha acontecido em 1993. E aí, durante a feitura da pintura, eu vi no jornal que a pessoa que tinha feito o massacre, que tinha um facão, que tinha matado todo mundo no facão, e que foi condenado a 18 anos de prisão tinha saído da cadeia, ninguém sabe como, e ele tinha voltado durante esse tempo à Terra Yanomami, fazendo a mesma coisa, só que agora com balsas grandes.

Então, eu estava tratando aquele crime como um crime do passado, só que o crime estava se repetindo de novo o tempo inteiro. Então, meu compromisso é com… Ah, sei lá.

arte!: Tudo é político, mas nesse trabalho você conseguiu exprimir algo que te impactou. 

Zerbini: Sim, e que estava acontecendo de novo, eles estão garimpando no rio de novo. Todo mundo passando fome e as águas todas contaminadas. 

Naquela parede lá, tem quatro pinturas de araucária. A menorzinha é a minha. Eu fiz aquela pintura sem saber que eu ia expor aqui. Aquilo é um exemplo de que são pintores que gostam de pintar a natureza e que gostam da floresta, que gostam da vida. É uma celebração, tudo é sobre a natureza. Igual o Michaud, as aquarelas do Michaud ali, tem dois desenhos ali.

Uma delas é a casinha onde ele morava. Ele morava na praia, então é meio sobre esse universo, tem uma certa nostalgia nesses trabalhos. 

arte!: Nostalgia do quê? 

zerbini: Nostalgia do tempo em que as coisas pareciam esperança, né? Ou que a gente não estava vivendo o que a gente tá vivendo agora. A gente tá vivendo o fim do mundo. O fim do mundo não, o fim da existência humana. Aquelas pessoas, os pintores dos anos 1950, eles não tinham essa preocupação. Não tinha emergência climática, não tinha aquecimento global, não se pensava nisso. Até já se pensava, mas não era uma coisa iminente.

arte!: Uma coisa que eu senti é um certo silêncio. 

Zerbini: Ah, sim, é. A ideia de Cochicho, o nome da exposição, vem disso. É como que não é um diálogo para você falar abertamente ou fazer. Não é panfletário, entendeu? É uma conversa entre dois pintores. Eu me coloco do lado do Bacum, por exemplo, ele está pintando uma araucária e eu estou aqui.

E a gente está conversando sobre a pintura, sabe? Sobre as cores, sobre a natureza, sobre, sei lá, temperatura. “Tá frio”, entendeu? “Vamos tomar um cafezinho”, sabe? Uma coisa muito íntima, muito cotidiana, né? E é isso. Eu acho que é meio saudosista, talvez. Saudosista não, qual foi a palavra que eu usei mesmo?

pat: Você usou nostalgia. Eu te perguntei do que, porque eu tenho um pouco dessa sensação, perante o acúmulo absurdo de imagens, informações e falas permanentes. E isso aqui é como se a gente pudesse dizer não. 

Zerbini: O silêncio fala. O silêncio provoca o raciocínio e o pensamento. Eu acho que é o caminho mais sensível para você conseguir alcançar alguma coisa que você quer. Tem que ir por um caminho sensível, tem que sensibilizar as pessoas. E as pessoas se sensibilizam nessa nostalgia, sabe? Numa beleza, né? Tem uma beleza da natureza que é outra, que não é necessariamente

arte!: Da forma. 

zerbini: Sim,  exatamente. E tem uma memória também da época, do lugar onde eu estava e da época, e com quem eu estava. Então, por exemplo, essa pinturinha aqui com rosa, é aquele galho ali, tá vendo? Então, aquele galho ali, eu estava passeando de canoa no mar e numa pedra vi cores, tinha uns plásticos pendurados e tal. Fui com a canoa, parei, desci e fiquei arrancando. Achei lindo, botei na canoa e levei para casa. Quando cheguei em casa, coloquei na mesa e pintei. Tenho uma relação afetiva com esse negócio íntimo. Uma memória  que você escolheu. Então, eu lembro dessas coisas. 

arte!: Você fez análise alguma vez?

Zerbini: Como ferramenta. Sim, fundamental. Me salvou e me salva até hoje.

arte!: Muito bom. Do quê? 

Zerbini: Me salva do quê? De mim mesmo. Do que seria.

  • As pinturas apresentadas na exposição foram publicadas no livro Luiz Zerbini, sábados, domingos e feriados. Org. pelo Tiago Mesquita. Editora de Livros Cobogó, 2023, 

Novo MASP: projeto corajoso, acerta o caminho sobre um fio de navalha entre o adequado e o equivocado

Novo MASP
Dumont-Adams
Em cima: Edifício Dumont-Adams antes da modernização. Embaixo: Edifício Pietro Maria Bardi atualmente.
Por Pedro Mendes da Rocha 

Pensando sobre o Anexo do MASP

Soube de algumas críticas ao projeto e quero dizer que gostei muito dele. Em primeiro lugar, porque assume seu caráter de coadjuvante do edifício original, referência internacional que dispensa comentários, sem, contudo, exprimir nenhuma intenção de desenho, identidade e personalidade. Pelo contrário, nesse sentido é muito corajoso, acerta o caminho sobre um fio de navalha entre o adequado e o equivocado.

Em segundo, porque alguns levantaram a bandeira de que o anexo deveria ter sido construído por dentro da fachada do Dumont-Adams. Ora, aceitar essa atitude é defender a ideia de que este programa não é bem-vindo a se apresentar, com sua cara exposta, no Olimpo da Avenida Paulista, espigão da cidade, e então precisa de uma máscara!

Como se não fosse digno de se perfilar entre uma variedade de joias e equívocos. Como se disséssemos que a arquitetura adequada de estar na Avenida Paulista fosse um prédio maneirista residencial. Ou como se colocássemos uma burca/um xador sobre a expressão de um programa quase inédito na Avenida, irmanado com seu correlato, o Instituto Moreira Salles. Lembrando um teatro infantil em que as mãos estão cobertas pela luva da chapeuzinho vermelho. Talvez, saudosos dos palacetes, agora se agarrem ao neoclássico.

Esses edifícios que enfrentam o tema do museu/centro cultural vertical se instalam na Paulista expressando sua personalidade em que afirmam, de forma contundente, que não são um prédio residencial, um hotel, a sede de um banco ou um edifício de escritórios.

Uma vez, na FAUUSP, ouvi uma linda aula do professor Artigas. Ele indagava se a fachada era uma simples extroversão da planta ou um desenho que se impunha à expressão dela. Essa indagação punha em discussão um tema candente da arquitetura sem estabelecer uma hierarquia ou apontar o correto caminho entre as duas alternativas a seguir, ou seja, vai da liberdade (e competência) do arquiteto enfrentar o tema e avaliar se houve sucesso em seu intento.

Vejo esse edifício como a expressão de um fluído aprisionado dentro do prédio original que contém, como uma espécie de sangue, a energia e nutrientes das demandas reprimidas do programa (atividades didáticas, reserva técnica, ateliê de restauro etc.) e, agora, pode se comprimir no túnel de ligação e explodir (como aqueles hidrantes dos filmes americanos explodem ou como um vulcão) e ocupar um paralelepípedo virtual determinado pela memória do Dumont-Adams.

Portanto, juntamente com o SESC Paulista, um dínamo por sua programação e, também, uma bela e exitosa reconversão de prédio de escritórios de arquitetura sem valor à cidade e, principalmente, como o edifício administrativo da Estação da Luz, espaço frequentado por uma pequena população e, que às 18:30 se esvazia e apaga sua luzes e, por fim, mas não menos importante, o pioneiro Itaucultural, assim, como o Instituto Moreira Salles, um edifício construído do zero, vão desenhando a Avenida Paulista do futuro, com referências marcantes como o Conjunto Nacional (David Libeskind), a sede do Itaú (Rino Levi), a Paulicéia (Jacques Pilon e Gian Carlo Gasperini), a 5ª Avenida (Pedro Paulo Saraiva e equipe) e outros que estarão sempre ali. Enquanto alguns Dumont-Adams poderão dar lugar a soluções mais adequadas, de uma arquitetura mais comprometida com a expressão de seu tempo, como o quê o anexo enfrenta e se sai vitorioso.

Numa conversa com Paulo Mendes da Rocha, na IX BIAU/Bienal Iberoamericana de Arquitetura e Urbanismo, Eduardo Souto de Moura comentou que as pessoas lhe perguntavam que arquitetura deveriam fazer e sua resposta foi muito tranquila: “eu, por acaso, não sei!”. Qualquer demanda de arquitetura, eu penso, é um enorme desafio, pelo menos para mim. E relembro que Paulo Mendes da Rocha, na data de seu aniversário, dizia: “antes de mais nada, devemos saber aquilo que não devemos fazer!”. Que bom que a Avenida Paulista ganhou esse presente que só a faz mais bela e intrigante! Parabéns aos talentosos e competentes colegas arquitetos Martin Corullon, Gustavo Cedroni e Miriam Elwing, à calculista Heloísa Maringoni e ao MASP.

Thomaz Farkas: apaixonado pelo Brasil e pelos brasileiros

curadores da exposição “Thomaz Farkas - A beleza diante dos olhos”.
Simonetta Persichetti e Rubens Fernandes Junior, curadores da exposição “Thomaz Farkas - A beleza diante dos olhos”. Foto por Deivyson Teixeira
Por: Simonetta Persichetti e Rubens Fernandes Junior

Conhecer o Brasil através dos olhos de Thomaz Farkas (1924-2011) é uma experiência sempre enriquecedora. Um olhar atento, imagens que nos aparecem demonstrando o que nossos olhos sozinhos, ou desacostumados a ver, seriam incapazes de perceber.

O que mais fascina em suas fotografias é a sensação do divertimento, como se a descoberta do invisível fosse uma grande brincadeira para Farkas, como se ele ficasse feliz em poder nos ofertar a cada imagem um detalhe que seja inesperado e surpreendente.

Sua linguagem, que fica na fronteira entre a fotografia considerada clássica e a fotografia moderna, que busca novas formas de visualidade, terminou por criar seu próprio modo de fotografar.

Neste ano em que comemoramos o centenário de Thomaz Farkas, fomos convidados, para sermos os curadores de uma exposição em sua homenagem no MIS-CE.

Uma exposição que teve como mote principal a afetividade que transparece em todas as imagens que o Thomaz coletou e produziu desde quando tinha 18 anos. Um olhar atento, acolhedor e que nos surpreende a cada instante.

Ele utilizou a imagem – fotografia e cinema – para conhecer o Brasil profundo. Começou a viajar e a filmar este país, não só para conhecê-lo, mas também para apresentá-lo aos brasileiros. Seu sonho era que o Sudeste conhecesse o Nordeste; o Norte, o Sul; e assim palmilhar este nosso território tão rico.

E foi a partir deste seu olhar, atento e politizado, técnico e esteticamente diferenciado, que organizamos a mostra que ocupou os três andares do MIS-CE. A pesquisa iniciou na biblioteca. Foi nos livros, nos romances, nos textos teóricos, nos guias de viagens, nos livros dos seus fotógrafos preferidos que Thomaz Farkas viajou, sonhou, articulou e elaborou seu imaginário fotográfico e de mundo. Além de seu universo imagético criou uma narrativa literária. Referências que criaram seu ambiente simbólico.

A Biblioteca Marly Mariano e Thomaz Farkas chegou há pouco tempo no MIS-CE, mas durante sua catalogação, foram aparecendo as dedicatórias, os bilhetes, recortes de jornais, fotografias, cartões postais e anotações diversas. Objetos improváveis, que dentro dos livros adquiriram um valor afetivo incomensurável. A descoberta de todo esse material, saltou à vista dos curadores, ativou a curiosidade, e deu mais nitidez e credibilidade à formação e ao percurso afetivo do artista.

A exposição foi dividida ao longo dos três andares do museu e estabeleceu um caminho para desvendar o olhar e os interesses de Thomaz Farkas.

Na sala expositiva apresentamos as imagens de uma coleção de fotografias de sua autoria, a partir dos diferentes ensaios que produziu no seu período áureo de criação – ensaio modernista, ensaio surrealista com os amigos a Escola Politécnica, ensaio sobre Brasília, antes e durante sua inauguração, ensaio sobre dança, ensaio sobre o Nordeste brasileiro. 

Na biblioteca selecionamos para as vitrines alguns dos livros mais emblemáticos e seus objetos agregados, que saíram da obscuridade e do silêncio, para adquirir uma ritualização luminosa. Tentar entender as possíveis conexões entre o livro e os seus objetos, somados às dedicatórias, torna-se um exercício de criação.

Mas é na sala imersiva que o deslumbre acontece pelas mãos, olhos e sensibilidade do Wellington Gadelha e sua equipe. Lá Thomaz Farkas aparece misturado em todas as suas imagens, falas e sons. Uma verdadeira e potente homenagem audiovisual.

Conhecer o Brasil pelos olhos de Thomaz Farkas é ter acesso a uma nova possibilidade de entender a infinita diversidade de olhar. De conhecer e compreender que a fotografia é sim uma forma de conhecimento e de reflexão.

A exposição “Thomaz Farkas – A beleza diante dos olhos” permanecerá em cartaz até 21 de novembro. Confira os horários de visitação: 
Quartas e quintas: 10h às 17h30
Sexta a domingo: 13h às 19h30
Entrada gratuita

Curitiba ganhará uma extensão do Museu de Arte Contemporânea (MAC) em 2025

Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Curitiba
Projeto de extensão do MAC do Paraná

Um novo espaço museológico deve chegar a Curitiba (PR) em 2025, na esteira de um projeto inédito de inovação urbanística: o complexo da Fábrica de Ideias. O cenário são as centenárias instalações da antiga fábrica de cervejas da Ambev, no bairro Rebouças (zona central de Curitiba), desativada desde 2016, que vão abrigar uma extensão do Museu de Arte Contemporânea (MAC) em uma simbiose ousada com um gigantesco hub de tecnologia e inovação de 35 mil m2 (cujo investimento, anunciado pela Audi do Brasil, é da ordem de 300 milhões de reais), um projeto integrante do programa estadual Paraná Competitivo.

A Fábrica de Ideias é definida como um polo que reunirá, além de empresas de tecnologia, startups, centros de pesquisa e instituições governamentais, espaços para aceleração de negócios, economia criativa, qualificação profissional, pesquisa tecnológica e coworking. O espaço também prevê um novo centro cultural e gastronômico, além do apêndice museológico do MAC. O futuro centro de inovação também irá respirar cultura, promovendo a revitalização de um espaço sem uso há anos. A extensão do Museu de Arte Contemporânea (MAC) do Paraná terá 6.492,86 m² e abrigará mostras temporárias. Inaugurado em 1970, o MAC funciona em um prédio na rua Cândido Lopes, tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico do Estado. Possui 1,8 mil obras de artistas contemporâneos. Em 2019, o governo estadual iniciou uma reforma no edifício-sede do museu, que estava em péssimo estado. Fontes informaram que uma empreiteira que perdeu a licitação para revitalizar o prédio entrou com uma ação judicial e paralisou a obra. A reforma, que deveria durar 18 meses, está até hoje em compasso de espera. Nesse período, o acervo foi abrigado no Museu Oscar Niemeyer (MON), onde se encontra atualmente.

Também está sendo anunciada a criação de um novo equipamento cultural no complexo, o Museu da Comunicação e Inovação, com 1.577,36 m². A Fábrica de Ideias contará com auditório para 250 pessoas, uma praça integrativa entre os espaços que se propõe a aproximar arte, comunicação e inteligência artificial, com uma área voltada especificamente para tecnologia, segundo material de divulgação do projeto.

O projeto arquitetônico que permitirá essa integração entre diferentes atividades e ações urbanas é do escritório Ricardo Amaral Arquitetos Associados e as obras terão início já no começo de 2025. “Cada linha desenhada, cada escolha de material é uma celebração da inovação e do futuro”, afirmou o arquiteto do projeto, Ricardo Amaral. A antiga fábrica vai ser objeto de um projeto de retrofit, com as estruturas existentes sendo renovadas e adaptadas para os novos fins, além de o terreno abrigar novos edifícios. A antiga fábrica da Ambev foi, originalmente, sede das cervejarias Gloria e Atlântica, adquiridas posteriormente pela Brahma, e é cadastrada como Unidade de Interesse de Preservação (UIP) pelo município de Curitiba.

A intervenção da Fábrica de Ideias, com a preservação da paisagem industrial típica da região, pretende justapor passado e futuro em um projeto de desenvolvimento tecnológico. A primeira etapa do projeto, que envolve o retrofit do espaço existente, está prevista para começar já no início de 2025. Retrofit é uma técnica de revitalização de construções antigas, adaptando-as às necessidades atuais.O imóvel, localizado na superquadra entre as avenidas Getúlio Vargas e Iguaçu, será inicialmente revitalizado (o terreno possui mais de 50 mil metros quadrados no total, com 34 mil metros quadrados de área construída).

O escritório Ricardo Amaral Arquitetos Associados atua desde 1976, em Curitiba, e desenvolve projetos também em outros Estados do Brasil e no exterior, com ênfase no planejamento, gerenciamento e fiscalização de obras. Seu portfólio inclui planejamento estratégico para o setor de incorporação, arquitetura de interiores, projetos urbanísticos, hoteleiros, aeroportuários, industriais, comerciais, residenciais e esportivos, sempre utilizando o que há de melhor na inovação e tecnologia.

Os muros da Fábrica de Ideias serão pintados com imagens de figuras que marcaram a história do Paraná, entre eles os irmãos André e Antônio Rebouças, que dão nome ao bairro e foram os engenheiros responsáveis pela construção da linha férrea ligando Curitiba ao Litoral; o físico e cientista curitibano César Lattes e o precursor da aviação Alberto Santos Dumont, que foi um dos responsáveis pela criação do Parque Nacional do Iguaçu. O centro gastronômico do complexo se chamará Alfred Agache, homenagem ao arquiteto que criou o plano de urbanização de Curitiba.

Aprender a rebobinar

Nesta edição da arte!brasileiros, damos a conhecer no Brasil, em língua portuguesa, dois capítulos de um texto do curador e crítico de arte espanhol Agustin Pérez Rubio, ex-diretor do MALBA (Argentina) e cocurador da 11ª Bienal de Berlim, realizada em 2020. Fizemos esta escolha a partir do trabalho excepcional que ele e a artista Sandra Gamarra realizaram como representantes do Pavilhão da Espanha na Bienal de Veneza de 2025, Estrangeiros por toda parte, que se encerra em 24 de novembro deste ano.

O trabalho da peruana Gamarra, residente na Espanha, traduz de maneira contundente o debate sobre a colonização e o seu papel na América, onde milhares de indígenas, aqui nascidos, e afrodescendentes, trazidos sob regime escravo da África, de Portugal e outras colônias, foram mortos ao longo dos séculos de presença europeia.

Este editorial leva o título de um dos capítulos do livro de Ariella Aïsha Azoulay, História Potencial, que Fabio Cypriano resenha, e no qual ela propõe, entre outras coisas, a importância de  “desaprender a violência original do imperialismo”. Repensando o olhar, os vocabulários e conceitos utilizados para entender o que efetivamente conseguiram as revoluções, como a Americana e a Francesa, responsáveis por uma época, em comparação, por exemplo, com o que foi logrado com a revolução haitiana anti-imperialista.

Tudo o que se diga, hoje, sobre povos originários, racismo estrutural e dominação econômica cultural será pouco para entender a dificuldade de traçar um novo caminho para nossos países, carentes de uma revolução sequer burguesa, e onde a desigualdade econômica e social atingiu raças, culturas e religiões.

Cypriano também faz uma crítica do 38º Panorama do MAM, hoje albergado no MAC USP devido a reformas no Parque Ibirapuera. A exposição reflete um excelente trabalho de jovens curadores e artistas, que trazem para os museus a voz das ruas.

Não por acaso, há mais de dez anos a arte!brasileiros escolheu uma estética e didática interdisciplinar para falar de arte. Impossível falar de arte sem estar a par da atualidade. A arte não escapou nem escaparia às tradições escravocratas, nem à sua denúncia. A arte, como às vezes digo, é um pretexto.

As bienais, exposições e os simpósios, nascidos no começo do século XX, estão, cada vez mais, buscando novos formatos para abrigar movimentos culturais que possam dar conta das novas narrativas contra hegemônicas por um lado, assim como das manifestações sociais em constante movimento.

Maria Hirszman visitou e compilou quatro exposições em cartaz, que propõem, a partir de diferentes perspectivas, preencher apagamentos da história sobre a importância da presença africana no Brasil.

Eduardo Simões esteve presente no seminário Ensaios para o Museu das Origens: políticas da memória, organizado pelo Instituto Tomie Ohtake, e escreve sobre a conferência Museo del Barro e Museu das Origens: crítica instituinte e políticas da memória na América Latina, com Ana Roman, Izabela Pucu, Lia Colombino e Paulo Miyada, e de que também participaram Gleyce Kelly Heitor e José Eduardo Ferreira Santos, como debatedores.

Uma experiência muito animadora deste segundo semestre foi o Sertão Negro Ateliê e Escola de Artes, iniciativa idealizada pelo artista Dalton Paula e pela pesquisadora Ceiça Ferreira, em Goiânia, no ano de 2021. Ceiça, Luciara Ribeiro e Vitória Soares, integrantes do espaço artístico e cultural, escrevem sobre as propostas do lugar, que envolvem “diálogos entre as artes visuais, sertões e o cerrado a partir dos saberes tradicionais de base afro-brasileira e africana”.

Com pesquisa e olhar atento buscamos colaborar com a reflexão e divulgar um cotidiano da arte e da cultura – nacional e internacional – sempre preocupados em pensar seu tempo e seu entorno. Os que prezamos pela civilização estamos sempre à procura de novas equações de convivência e, fundamentalmente, novas derivas e possibilidades de intervenção. Boa leitura!

Pinacoteca Migrante

O autor e curador Agustin Pérez Rubio na Sala V - Dying Life Altarpiece, Pavilhão da Espanha em Veneza, 2024
Por Agustín Pérez-Rubio

Prefácio

Boicote à entrada triunfal:
A pintura como transmissora da colonialidade

Por Agustin Pérez Rubio “Cuando los museos olvidaron ser Jardines”. En: “Pinacoteca Migrante”. Sandra Gamarra Heshiki. 60ª esposizione internazionale D’arte. La Biennale di Venezia. Aecid, Madrid – Walther Und Franz König, Köln. (excerto do texto pp. 11-31). Tradução do original em espanhol para o português: Hélio Campos Mello

Em 25 de abril de 1716, o vice-rei interino do Peru, arcebispo Dom Diego Morcillo y Auñón fez sua entrada triunfal na cidade de Potosí, cidade onde os espanhóis extraíram a prata de seu morro durante mais de um século. A data da referida entrada é de mais de dois séculos depois da chegada de Cristóvão Colombo às costas do continente e a consequente conquista dos territórios de Abya Yala, deixando um rastro de exploração de recursos, degradação da paisagem, escravização da população local e da afrodescendente trazida pelo comércio ultramarino, além da consequente imposição cultural e religiosa. Ao chegar, o vice-rei certamente foi recebido com toda pompa pela população crioula, especialmente pelos azogueros (os capatazes da extração da prata), que queriam recuperar o pacto com a Coroa espanhola que lhes permitia empregar até 20 mil índios na exploração mineira, número que havia sido reduzido anteriormente e que desejavam aumentá-lo novamente¹.

Tudo isso se refletiu na pintura que hoje está guardada no Museu da América, em Madri², e que tem uma particularidade, por ser a história tão confiável, que mostra como os vizinhos usaram pinturas, tecidos e tapeçarias  para enfeitar as varandas e celebrar a passagem da referida figura política e religiosa. Se observarmos a iconografia das pinturas que estão penduradas no exterior, são personagens mitológicos em cenas pagãs: de Eros a Hermes, passando à fábula de Endimião, o colosso de Rodes, a Eneias e Anquises fugindo de Tróia. Esta galeria de arte suspensa, em vez de destacar os méritos do vice-rei interino, o que fez foi aconselhá-lo e colocá-lo em alerta, pois neste complexo aparato discursivo se vislumbrava toda uma série de críticas e advertências ao vice-rei que assumem um novo significado nas mãos do pintor, já que não conseguiram obter seu propósito, pois apenas seis meses depois de sua chegada o vice-rei morreu de causas naturais.

Três séculos separam esta pintura da pintura Pinacoteca Migrante (Quando as ruas falam), 2024, que serve de introdução ao projeto Pinacoteca Migrante de Sandra Gamarra Heshiki – a primeira artista migrante a representar a Espanha na Bienal de Veneza – esta última é apresentada como forma de compreender a perpetuidade do discurso colonial vigente sob a cronologia do tempo linear ocidental. Além disso, podemos transferir o seu conteúdo e imaginá-lo na contemporaneidade deste momento, protagonizado por políticos com agendas extrativistas, negociadores do extermínio natural, corretores de almas acorrentadas ao capitalismo juntamente com vendedores da supremacia branca ou colonos bombardeando impiedosamente territórios que não pertencem a eles: Trump, Putin, Bolsonaro, Netanyahu ou Musk, mas também a Monsanto, a First Quantum Minerals, o extrativismo verde da União Europeia, a HP Enterprise e o seu patrocínio ao genocídio palestino.

Desta vez as criadas, indígenas e negras, ou os serviçais homens, que hoje, como faziam há mais de três séculos, seguem a mesma trilha de expropriação e desigualdade, não saem à varanda em silêncio, porque não podem mais ficar calados. Suas vozes e suas histórias – de resistência e resiliência – são aquelas que ficam penduradas nas varandas que Sandra Gamarra Heshiki pinta. Ela captura o empoderamento de uma sociedade que tira as garras da colonialidade – perpetuada nas formas e meios de transmitir, educar, narrar, até pintar e exibir –, que grita e vaia os políticos, que processa Estados criminosos, que impede a construção de barragens e a derrubada de florestas, diz não ao racismo estrutural e se recusa a dar sementes às empresas transgênicas, expulsa garimpeiros³ dos territórios da Amazônia e até boicota as indústrias mais poderosas do planeta, que se recusam a ter seu gênero binarizado ou quem diz stop com a aporofobia, o ódio em relação aos despossuídos, do novo capitalismo das it girls e sua compulsão por fazer compras.

Sandra Gamarra Heshiki questiona o mundo, o seu mundo. Como migrante peruana que chegou à Espanha, como mulher que condensa na própria pele três culturas diferentes, como mãe que quer deixar um mundo mais justo, solidário e sustentável para seu filho, e como artista que questiona as formas hegemônicas de representação no capital simbólico não só da Europa, mas das antigas colônias a que ela mesmo pertence. É por isso que a sua prática torna visível a domesticação do nosso olhar colonial eurocêntrico, o que implica estruturas de racismo estrutural, machismo implícito e que põe em causa os nossos privilégios de classe e o acesso aos mal chamados “recursos”. Tudo isto aliado à forma como a hegemonia histórica e artística moldou os modelos de representação, tanto na pintura como posteriormente na fotografia, incluindo as formas de classificação e domesticação das culturas baseadas em esquemas e práticas como a museografia, a museologia ou a edição de repertórios de representação. Não em vão, a entrada do pavilhão, e por sua vez todo o projeto, leva aquela ideia de encenação herdada dos teatros do Renascimento europeu, já que os arquitetos viram as salas e galerias como um teatro pensado para a contemplação fixa, regulando rigorosamente o leque de movimentos do espectador e do objeto de atenção. A Pinacoteca Migrante, ao contrário, põe em xeque o tempo de unidade curatorial que se estabelece nos museus, onde as obras são penduradas de acordo com as normas, iluminação e umidade do ar e atendem aos requisitos de conservação. Os visitantes – ao entrar – aceitam sem hesitação este ambiente guardado, que fixa e regula a sua percepção. Nesse sentido, parte dessa direcionalidade do espaço é transmitida na forma como Gamarra Heshiki nos leva, como um trompe l’oeil barroco, numa espécie de mise-en-scène para que possamos desempenhar o nosso papel como público turístico na arte ocidental. Observaremos que as próprias pinturas revelam essa mesma lógica ou conformidade, aquelas paisagens idílicas, aquelas visões romantizadas da natureza, aqueles corpos exotizados, objetificados e sexualizados, mas rebelam-se em serem oferendas como naturezas mortas. Não são os frutos à disposição de todos, como algo que era para servir aos cavaleiros que chegavam, ou a serviço de…, da mesma forma que a pompa, o desperdício e a ostentação que se ofereceu em Potosí ao referido vice-rei Morcillo.

A apresentação de Sandra Gamarra Heshiki, Pinacoteca Migrante, é a sequência natural de um trabalho de fundo que a artista vem desenvolvendo ao longo de mais de 15 anos de pesquisa e implementação. Quanto mais caminhos percorre, mais coerência tem seu trabalho, desde os seus primórdios até o atual projeto para a Bienal de Veneza. Embora por vezes a artista tenha se colocado no interstício de outras instituições que estão à margem ou que pertencem a outros contextos – refiro-me ao LiMac, entre outros – Pinacoteca Migrante tem muita consciência do território e lugar que lhe corresponde. Posto que a apresentação deste pavilhão, que não deixa de ser “nacional”, é imediatamente deslocado pela presença híbrida da artista, que nacionalmente pertence a dois lugares. Por sua vez, a proposta mergulha nas referências da construção nacional de um país como a Espanha – não sem uma certa autocrítica – ao pensar como os modos de re/apresentação herdados na formação do imaginário da nossa sociedade em vários níveis, sendo agravada e comprometida pelo ressurgimento de certos postulados conservadores, com tintas fascistas em alguns dos outros países europeus, incluindo Espanha, além das crises derivadas dos processos de hiperprodução e superexploração do planeta e os consequentes ecocídios resultantes.

Embora acreditássemos que a pandemia serviria como autocrítica ou como um abrandamento, infelizmente temos experimentado ao longo destes quatro longos anos que os países europeus continuaram a inventar esta chamada colonialidade extractiva. Se não, vejamos quantas empresas europeias, juntamente com americanas, canadenses, etc., circulam livremente nas “ex-colônias” através da compra de políticos e financistas, realizando projetos de elevado risco ambiental e humano – que em seus países de origem não seriam permitidos – abrigadas atrás de palavras como apoio ou solidariedade, quando a realidade se baseia na simples e flagrante exploração dos “recursos” humanos e materiais dos territórios em desvantagem relativamente à sua soberania.

Mas hoje a Europa e as suas noções de hegemonia sucumbem à miragem narcisista do eurocentrismo. Não sem o esforço e a potência que vem de fora das suas fronteiras, também pela reivindicação de forças internas.Talvez porque alguns de nós na Europa começamos a compreender esse reflexo e essa influência do “continente da neurose monoteísta”. O continente do controle e do julgamento moral do mundo”, como o chama a antropóloga argentina Rita Segato. No meio desta neurose observamos, mais do que nunca, como as noções hegemônicas criaram o museu no qual se baseia o nosso patrimônio. Não apenas com um desejo de extrativismo cultural mas, em muitos casos, como dispositivos que normalizam culturalmente a violência destas pilhagens de identidade.

Pinacoteca Migrante quer evidenciar esta violência e ao mesmo tempo procurar formas de reparação histórica. Esta nova instituição criada pela artista transforma o Pavilhão Espanhol numa galeria histórica de arte ocidental, onde a noção de “migração”, nas suas múltiplas facetas, também é protagonista. O conceito ocidental de pinacoteca, que também foi exportado para as ex-colônias, é invertido ao expor uma série de narrativas que foram historicamente silenciadas. Dessa forma, a Pinacoteca Migrante revê os protocolos de acessibilidade, diversidade e sustentabilidade, para atualizar um quadro institucional que assuma contextos contemporâneos em relação ao racismo, à migração ou ao extrativismo nos museus. Os protagonistas são os migrantes, humanos e não humanos: organismos vivos, plantas e matérias-primas que muitas vezes faziam a viagem de ida e volta à força. No seu título, a nova instituição mostra como a migração, tal como a colonialidade, não é apenas um fenómeno humano e ambas continuam a ser extirpadas dos seus ecossistemas em benefício de poucos.

A extensa investigação realizada por Gamarra Heshiki reflete-se em mais de uma centena de novas pinturas que têm como ponto de partida pinturas pertencentes ao patrimônio de coleções de arte e museus de toda a Espanha, desde a época do Império até o Iluminismo. Cada obra interfere na falta de narrativas decoloniais nos museus e analisa as representações tendenciosas entre colonizadores e oprimidos. Entrelaça sociologia, política, história da arte e biologia para fornecer uma reinterpretação na qual as consequências históricas frequentemente ignoradas estão ligadas ao nosso contexto contemporâneo.

Embora o eixo central desta Pinacoteca Migrante assuma o museu como narrador de grandes histórias em forma de galeria de pintura, ela tem suas raízes nas formas de representar diversos gêneros pictóricos dentro de nossas coleções em museus e galerias de arte na Espanha. A construção monolítica dos Estados Nação baseou-se na destruição de outras formas de organização social. Para isso, foram criadas histórias de civilização e de evangelização, numa troca injusta em que a dívida por esse “progresso inicial” cresce incessantemente. Paradoxalmente, são os bens do chamado terceiro mundo que mantêm o progresso do primeiro, que mais tarde serão devolvidos, seja como mercadoria ou como desperdício.

Estas histórias de civilização foram escritas e imaginadas, criando modelos reconhecíveis daquilo que se aspira e, a este nível, a pintura tem sido uma das mais fortes criadoras de histórias, não só por se impor a outras formas de visualidade, mas também por criar um passado único, um lugar fixo ao qual se pode retornar para projetar o futuro toda vez que o presente sacode essas construções. Todo o capital simbólico que a representação pictórica destila é capturado a nível nacional naquilo que representam as galerias de arte europeias, também à escala regional ou local, todas elas devedoras do mesmo roteiro hegemónico.

Podemos rastrear esses mecanismos nos gêneros de pintura – paisagem, retrato, natureza morta – que naturalizamos como verdadeiros e que carregam consigo critérios de superioridade e individualidade ligados à nossa forma de organizar o mundo. Os processos de colonização importaram e impuseram essas formas de “ver”, e nesses outros territórios essas imagens foram retrabalhadas e voltam ao seu lugar de origem, criando agora interferências e lugares críticos de onde podemos sair dessa “normalidade” para compreendermos como uma peculiaridade.

I

Terra Virgem/Paraíso Perdido

Tierra Virgen é o título da primeira sala que esta pinacoteca, esta galeria de arte, apresenta. Ao entrar, parece que este início foi conectado pela artista com o espaço com que encerrou sua exposição Buen  Gobierno, em Madri, em 2021. Naquela ocasião, depois de percorrer os corredores superiores do espaço encarnado pelo Gabinete de Incomodidades Coloniales, se mostravam imagens pintadas de fragmentos de huacos pré-colombianos, cerâmicas que dormem nos depósitos do Museo de América, em Madri, de onde raramente saem à luz. A exposição terminava com a inclusão de uma nova pintura da artista que restituía a primeira da série das chamadas pinturas de castas do vice-rei Amat, já que esta nunca é mostrada publicamente devido ao seu mau estado de conservação. Nesta pintura intitulada Yndios infieles de Montaña, um missionário com uma longa barba, uma bengala na mão e um hábito  estende a mão a um casal com um filho. Junto a estes protagonistas, a artista acrescentou na parede o texto que acompanhava os fac-símiles das placas de Flora de la Real Expedición Botánica del Nuevo Reino de Granada (1783-1816), publicados no mesmo ano da inauguração do Museo de América, 1954, auge da era ditatorial do General Franco, com o título de Paraíso perdido. Podemos nos perguntar: perdido? Para quem? O regime fascista, através da defesa do passado imperial das colônias, sempre se interessou em suscitar esta ideia de perda, retomando inclusive aquela horrível expressão quando se quer manifestar resignação ou minimizar a importância de um problema ou retrocesso: “mas se perdeu em Cuba”. A verdade é que o casal parece que vai entrar nesta sala da Tierra Virgen para defender a sua terra, aquela que os conquistadores fizeram parecer que não pertencia a ninguém. Aquela terra nullius da qual parecia que poderiam extrair, liquidar sem limites ou nela empreender o que o imperialismo, o eurocentrismo e o capitalismo levaram a cabo até hoje. Apenas uma informação para ser mais objetivo: dos estimados 61 milhões de habitantes que estavam na América antes da chegada de Colombo, cerca de 55 milhões morreram durante as primeiras décadas da colonização européia. Isto produziu uma regeneração geral das florestas americanas, à medida que os ameríndios deixaram de cultivá-las, reduzindo assim a presença de carbono na atmosfera. O ano de 1610 é, portanto, a referência como limite inferior de concentração de carbono, marco zero do Antropoceno¹⁰. Por isso, a homogeneização das culturas e, portanto, dos ecossistemas, modificação que a colônia impôs à paisagem americana, em muitos lugares é, nem mais nem menos, a causa da quebra da biodiversidade do local.

Tierra Virgen mostra uma série de pinturas realizadas por Gamarra Heshiki e fazem referência ao atual território espanhol retomando uma série de obras pictóricas de paisagens que pertencem a diferentes museus espanhóis e remetem ao território espanhol atual, bem como as antigas colônias da América Latina, das Filipinas e do norte da África. Da mesma forma que acontecerá nas próximas quatro salas desta pinacoteca, a narrativa deste projeto elabora um ciclo contínuo entre a construção e a deterioração. Por isso, muitas das pinturas são apresentadas como esboços, poucas como obras acabadas e algumas em estado de permanente restauro. A História continua a ser construída, ela não é uma entidade fechada, e os processos de investigação, visibilização e reparação ajudam a modificar as noções monolíticas de uma história. A materialidade de cada uma das obras é uma metáfora das responsabilidades institucionais, que na história do Ocidente são inseparáveis da ferida colonial. Em cada pintura a artista combina diferentes temporalidades, passando do passado para o presente e vice-versa, inclusive aponta para uma certa futuridade ficcional que impulsiona uma mudança de consciência no espectador, em busca da sustentabilidade que nos impele na vivência contemporânea sob o prisma da ecologia.

Em todas estas pinturas observaremos como a colonização europeia das Américas produziu uma forma violenta de habitar a terra que rejeita a possibilidade de um mundo com um outro não europeu, em definitivo, um habitar colonial como altericídio, adotando a tese de Malcom Ferdinand que também afirma: “Longe de ter como único objetivo a ‘manutenção da vida humana’, o habitar colonial tinha como finalidade a exploração comercial da terra. Foi a possibilidade de extrair produtos para fins de enriquecimento que ‘deu origem à ideia’ de ‘habitar’. Pressupõe esta relação de exploração intensiva da natureza e dos não-humanos”¹¹.

É por isso que Gamarra Heshiki retira estas visões romantizadas de pintores como Frans Janszoon Post, o primeiro artista europeu a pintar as paisagens das Américas durante a colônia holandesa no Brasil. Ou as cenas idílicas como Paisage Tropical ou Paisage sudamericano (1855 e 1856) – ambas no acervo do Museu Nacional Thyssen-Bornemisza – do estadunidense Frederic Edwin Church, que também idealizou essas paisagens através da tradição das cenas pastorais como herdeira do Romantismo. Em alguns destes casos as imagens são repetidas, espelhadas, até triplicadas, para mostrar o próprio artifício da criação e exotização destas paisagens, muitas delas não pintadas in situ.

Para contemporanizar estas visões e trazê-las criticamente para o presente, a artista sobrepõe a estas pinturas citações de escritores, pensadoras ecofeministas ou intelectuais de diversas latitudes que, defendendo a Mãe Terra, nos convidam a destacar os matricídios da sociedade capitalista, para percebermos as consequências atuais relacionadas com a gestão dos recursos primários, a crise ecológica e o cuidado indígena da terra. Do filósofo indígena e ativista ecológico Ailton Krenak às acadêmicas que se interessaram pela saúde e ecologia da América Latina como Nancy Leys Stepan. O contraste dessas imagens idealizadas e o conteúdo desses textos nos faz imediatamente vê-los com outros olhos. Afasta-nos dos óculos do romanticismo e do academicismo pictórico como se fossem símbolos da verdade e inevitavelmente nos deixa nos rastros erosivos que o homem deixou desde a colônia até os dias de hoje, maltratando de uma forma ou de outra esta paisagem e seus mal chamados de “recursos”, na tentativa de engolir vorazmente a realidade e o contexto de diversas comunidades e habitats humanos e não-humanos, como evidenciado pelo texto de Krenak na tela, ao expor o estado de orfandade em que nos está deixando a terra devido aos resíduos da atividade industrial e extrativista¹².

Noutras ocasiões, a artista mostra a perpetuidade da deterioração colonial não com palavras, mas através da sobreposição de imagens ou da sua ocultação, e convida-nos a confrontar as causas da destruição acelerada pelas mãos da modernidade. Como acontece tanto na El Marco del Paisaje IV (Vista de um aterro de plástico na costa de Almería) como em El Marco del Paisaje V (Vista de um aterro de roupas usadas no deserto do Atacama), ambas de 2024, onde pratica uma mise en abisme do que aconteceu.  Nestas pinturas a artista cria uma espécie de abismo – algo que nos intriga e ao mesmo tempo nos assusta. Para isso, utiliza camadas sobrepostas de imagens de outras pinturas, entre as quais uma paisagem de Church, um desenho de um sepultamento nas Ilhas Vanuatu – atribuído a Fernando Brambila, que faz parte dos desenhos da expedição Malaspina realizada em finais do século XVIII –, uma imagem do famoso Códice de Trujillo sobre a província homónima do sul da Espanha, e uma paisagem norte-africana de Fortuny do século XIX. Termina na superfície com uma imagem contemporânea tirada dos meios de comunicação em que os plásticos das plantações de Almeria, na Espanha, inundam e contaminam a paisagem. Serão necessários séculos para que esta massa de lixo fotografado seja absorvida pela terra, com o consequente veneno que produz para os alimentos que mais tarde crescerão. Estas imagens sobrepostas apresentam-se como extratos de colonialidade, camadas de erosão e representação, em muitas vezes como modo de apropriação, uma forma de apropriar-se infinitamente daquele território, até chegar ao resultado, que em muitas ocasiões, como em El Marco del Paisaje V, retorna após a imagem distópica da imprensa do Deserto do Atacama à imagem da La Villa Imperial de Potosí, de 1755, pertencente à grande tela que se encontra no Museu do Exército de Toledo (sintomático que se encontre uma imagem deste tipo num museu militar), o que mais uma vez levanta a questão da pilhagem, do abuso que desde os tempos coloniais permaneceu entre o ambiente europeu e o contexto latino-americano. Uma imagem que se repete nesta sala, pois a importância da mesma demonstra toda a própria continuidade extrativista.

Em Tierra Virgen VII (Sequía y saqueo, mina de Potosí), 2024, a artista pinta novamente este mapa, mas desta vez para destacar os problemas da extração de lítio na mineração contemporânea por estar ligado ao urânio em sua extração, além de ser material radioativo, o método de evaporação utilizado implica uma enorme perda de água e um risco de salinização do solo, o que ameaça as frágeis zonas húmidas da Puna e dos Altos Andes. Assim é como as pinturas de Gamarra Heshiki condensam o sentimento coletivo em defesa do território; já que a artista relaciona a riqueza da prata extraída com o que a água significa hoje. Além disso, o Cerro de Potosí – perfil da cidade que está a seus pés – é coroado por uma representação dos pontos cardeais da pintura original, mas agora está coberto por uma espécie de manto de fios de prata, navegando entre a ideia fantasmagórica do que foi projetado e do que foi esta cidade e a proteção da Virgen del Cerro como representação da pachamama que os primeiros pintores da escola cuzquenha representaram de forma sincrética entre as duas crenças e cosmogonias (cristã e indígena). Mas o mais interessante desta nova pintura é que ela inclui as proclamações das manifestações contra a extração de recursos naturais nos Andes, nas quais o escudo da cidade é substituído pelo slogan “Lítio para hoje”. Fome para amanhã” e no qual podemos observar as atrocidades que a sociedade capitalista tem cometido em relação ao direito à água e às reivindicações de ativistas e manifestantes, que aqui se refletem nos lagos ou espaços aquíferos que a pintura original possui. Todas essas reivindicações estão diretamente relacionadas com o que Félix Guattari chama em sua ecosofia de “Capitalismo Mundial Integrado”¹³, que revela os processos pelos quais os interesses financeiros de algumas empresas – da Monsanto à Bayer, passando por muitas empresas mineradoras ou petrolíferas – ditam ao resto do mundo as formas violentas e desiguais de habitar a terra¹⁴. ✱

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¹Número restringido por Decreto Real de 1697 devido aos danos que a sua utilização nas minas causou à atividade agrícola na zona de Charcas. Ver Mariana C. Zinni (2021), “Poder y representación en las fiestas efímeras:  la entrada triunfal en Potosí del Virrey – Arzobispo Morcillo”, Revista Razón Crítica, n0 10. 

²Não esqueçamos que o Museu da América, de Madri, foi fundado em 1954 sob a ditadura do General Franco, que através da sua criação tentou combinar o seu regime nacional fascista com o esplendor do imperialismo espanhol como parte de uma enriquecedora missão cultural, econômica e evangelizadora imposta que, infelizmente, continua até hoje.

³No contexto brasileiro, os garimpeiros são garimpeiros ilegais que utilizam máquinas como monitores hidráulicos em busca de aluvião e mercúrio como substância para amalgamar ouro. Ambos os usos prejudicam gravemente o meio ambiente e a saúde de muitas comunidades indígenas. Às vezes, grandes empresas transnacionais esperam isso. eles conseguem uma grande veia para comprar ações em concessões mineiras de legalidade duvidosa, como as concedidas em áreas protegidas. O impacto ambiental do desmatamento e dos movimentos de terra que provoca são imensos: uma tonelada de terra e sedimentos removidos chega a cinco gramas de ouro. Se usam cianeto em vez de mercúrio, a situação agrava-se ainda mais. 

⁴Agustín Pérez Rubio (2021), Copiar a história sem véus. Notas sobre a decolonialidade no Buen Gobierno, de Sandra Gamarra Heshiki, em Agustín Pérez Rubio, Buen Gobierno, Madrid, Comunidade de Madrid. Serviço de Documentação e Publicações.

⁵Diana Fuss e Joel Sanders (2012), An Aesthetic Headache: Notes from the Museum Bench, em Johanna Burton, Lynne Cooke e Josiah McElheny (eds), Interiors, Nova York/Berlim, Center for Curatorial Studies, Bard College/Sternberg Imprensa.

⁶Clémentine Deliss (2023), O museu metabólico, Bilbao, Caniche Editorial, p. 17.

⁷Refiro-me tanto ao LiMac como a algumas de suas instalações, como Chakana, 2015-2021, como museu arqueológico andino simulando uma huaca, conforme realizado na exposição Buen Gobierno. Para mais informações sobre o LiMac, consulte o site: li-mac.org/es/about-2/about-limac/ e a entrevista com o artista nesta publicação. 

⁸Rita Laura Segato (2005), Santos e Daimones. O politeísmo afro-brasileiro e a tradição arquetípica, Brasília, Editora UnB. 

⁹Série de vinte pinturas encomendadas pelo vice-rei Manuel Amat y Junyent (1761-1776) para dar a conhecer na Europa as misturas raciais existentes no Vice-Reino do Peru; representação formal e patente do racismo estrutural que o Império Espanhol promoveu nas colônias, pois, dependendo da cor da pele e da pureza do sangue, os indivíduos tinham maiores benefícios, tanto sociais quanto econômicos, na escala piramidal, no que o sangue cristão e a pele branca estavam à frente. Este conjunto de pinturas integrou inicialmente as coleções do Real Gabinete de História Natural (1776) e posteriormente do Museu Nacional de Ciências Naturais, até que a sua secção de Antropologia, Etnologia e Pré-história foi desmembrada para formar o atual Museu Nacional. de Antropologia em Madri.

¹⁰Simon L. Lewis, Mark A. Maslin (2018), O Planeta Humano: Como Criamos o Antropoceno, New Haven, Yale University Press, pp. 147-187.¹¹Malcom Ferdinand (2022), Uma ecologia decolonial: pensando a partir do mundo caribenho, São Paulo, Ubu Editora, p. 50.

¹²Palavras extraídas da citação de Ailton Krenak encontrada na pintura Terra Virgem IV (Reverso do Rio Magdalena), 2024.

¹³Félix Guattari (1990), Las tres ecologías, Valencia, PRE-TEXTOS.

¹⁴Parafraseando o já acima citado no (11), Malcom Ferdinand.

Políticas da memória a gênese do Museo del Barro

Museu del Barro
Sala de cerâmica popular Paraguai

Na penúltima semana de setembro, o Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, abrigou o seminário Ensaios para o Museu das Origens: políticas da memória, iniciativa que dialogou com a Proposta para a Fundação do Museu das Origens, documento redigido pelo crítico de arte e professor Mario Pedrosa (1900-1981), por sua vez ponto de partida para a exposição Ensaios para o Museu das Origens, que a instituição realizou entre setembro de 2023 e janeiro de 2024, em parceria com o Itaú Cultural. 

Na conferência Museo del Barro e Museu das Origens: crítica instituinte e políticas da memória na América Latina, a crítica de arte e curadora Lia Colombino ressaltou que a criação da instituição foi um gesto de resistência política. O museu foi criado em 1979 pela artista visual Olga Blinder e por Carlos Colombino, pai de Lia, no Paraguai, que à época ainda vivia sob o regime da ditadura militar imposta em 1954, pelo general Alfredo Stroessner, que só viria a ser deposto em 1989. 

Museo del Barro
Sala de arte indígena

Hoje diretora da instituição, – de caráter privado, e que abriga uma vasta coleção de cerâmica indígena, como indica seu nome –, Lia iniciou sua fala citando três frases. A primeira, de  Carlos Colombino: “O Paraguai não é o sonho de ninguém”. A segunda, do crítico, curador e professor Ticio Escobar, ex-ministro da Cultura do país: “O Paraguai é um país difícil de se viver, mas tem como contrapartida, como compensação às vezes, a força de suas diversas culturas”. A última, do antropólogo espanhol Bartomeu Melià: “Não há como viver no Paraguai se você não o inventar todos os dias”. 

Após as citações, Lia descreveu o cenário das instituições artísticas durante o regime miltar: “Algumas delas eram um reflexo fiel da situação política: a ditadura stroessnerista; outras, eram ultraconservadoras ou não assumiam uma posição. Assunção carecia de espaços alternativos; e os grupos, movimentos ou tendências eram geralmente representados por uma única pessoa ou por algumas dela”.

O Museo del Barro, contou Lia, é composto de três coleções que nasceram separadamente, tornando sua história fragmentada: coleções de arte popular e a arte dos grupos indígenas, e diferentes expressões de arte na tradição ocidental. A proposta da instituição, disse, é que o tratamento das obras seja feito de forma que a arte popular e indígena seja colocada em pé de igualdade com a arte de tradição ocidental. 

“O projeto tem como objetivo também refutar o mito oficial que reduz a produção simbólica popular e indígena ao ‘folclórico’, ‘autóctone’ e ‘vernacular’; ao ‘nosso’, como se esse ‘nós’ fosse a mesma coisa”, ressaltou.

Em entrevista à arte!brasileiros, Lia também salientou que o Museo del Barro não é um museu de arte ou etnográfico. A perspectiva é a perspectiva da arte, afirmou, mas o seu objetivo é extra-artístico, tem a ver com o direito à diferença. 

“Este museu, que também contém todas essas questões vai além da própria ideia do que é um museu, porque inicia um relacionamento com essas comunidades [rurais e indígenas], e busca, mesmo que em pequena parte, melhorar suas condições de vida”.

Lia Colombino também ponderou que, embora o museu seja uma entidade privada, que não tem impacto direto nas políticas públicas, ainda assim a instituição sempre discutiu a questão decolonial, mesmo quando a palavra não existia. 

“Os estudos que o museu começou a desenvolver já na década de 1980, com livros de Ticio Escobar, como O mito da arte, o mito do povo, (0:31) ou, um pouco mais tarde, com A beleza dos outros, já eram visões decoloniais daquela ideia de arte, que tentavam romper um pouco com um certo cânone ocidental, eurocêntrico”, argumentou. “Embora o museu não influencie diretamente, ele o faz de forma tangencial e talvez, mais lentamente, essas questões estejam se normalizando um pouco mais.”

Em seguida à preleção de Lia Colombino, os organizadores do seminário – Ana Roman, Izabela Pucu, Lia Colombino e Paulo Miyada – fizeram considerações acerca da instituição do Museo del Barro à luz das proposiçõses para a criação do Museu das Origens, feitas em 1978 por Mario Pedrosa, quando o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro havia sido sofrido um incêndio. 

Isabela Pucu iniciou sua participação lembrando que as propostas de Pedrosa estavam amplamente enraizadas “nos processo de luta pela redemocratização” do Brasil, que à época estava também sob o regime ditatorial militar. Ou seja, num cenário sociopolítico similar àquele em que surgiu o Museo del Barro. Segundo Isabela, por um lado, a iniciativa também engendrava “uma crítica às narrativas instituídas sobre as matrizes constitutivas das origens do Brasil”, e, por outro, cogitou “uma alternativa concreta instituinte ao sistem cultural vigente, às formas de fazer museu e memória, com uma proposta pautada pela colaboração e o sentido de comunidade”. 

Na sequência, Paulo Miyada propôs refletir sobre a estrutura e política do projeto de Pedrosa, e ponderou que ambas iniciativas – Museo del Barro e Museu das Origens, nunca concretizado – nasceram em contextos em que não há nenhuma garantia de vida democrática, de uma ideia de nação que não seja uma ideia de sistema totalitário de poder”.

Curador do Instituto Tomie Ohtake, Miyada também fez uma reflexão acerca da instituição: “A gente não está propriamente num museu, a nossa obrigação de memória é de honrar o nome de uma grande artista brasileira, nascida no Japão. Não temos um acervo, mas somos um espaço de cruzamento e troca de experiências e repertórios”, afirmou. 

O curador também observou que o instituto passou a se questionar como ele se insere “neste mundo, de maneira renovada, conforme o espaço ao redor, o tecido social, os pactos sociais que sustentam nosso cotidiano foram se mostrando cada vez mais frágeis”, nos últimos dez anos. 

Miyada lembrou da mostra Osso: Exposição-apelo ao amplo direito de defesa de Rafael Braga, realizada em 2017 no ITO, e em referência a Rafael Braga, um catador de latas jovem e negro, detido nas manifestações de junho de 2013 por portar frascos contendo desinfetante e água sanitária. Em seguida, o Instituto realizou a exposição AI-5 50 ANOS – Ainda não terminou de acabar, na virada de 2017 para 2018, um momento em que diversas mostras pelo país estavam sendo censuradas ou sofrendo tentativas de fechamento.

“A gente achou que um monte de museus e espaços culturais de São Paulo poderiam se unir para falar como, nos 50 anos de acirramento da ditadura militar, as coisas não estavam bem resolvidas”, disse. “Ninguém quis, mas os artistas e pesquisadores somaram forças, e esse projeto aconteceu”. 

Com a eleição de Bolsonaro, argumentou Miyada, a ideia de “ainda não terminou de acabar” que estava no racismo estrutural e nas atualizações dos esquadrões da morte e das milícias “ganhou um avatar mais literal” na figura do então presidente. Reflexões assim, sugeriu Miyada, também devem ter estado em jogo quando Pedrosa pensou no Museu das Origens. 

Ao fim da conferência, da esquerda para a direita: Lia Colombino, José Eduardo Ferreira Santos, Paulo Miyada, Gleyce Kelly Heitor e Isabela Pucu

Em sua apresentação, Ana Roman destacou o aspecto coletivo do processo de construção da exposição Ensaios para o Museu das Origens, realizada de setembro de 2023 a janeiro de 2024 no ITO. Segundo Ana, foi uma grande oportunidade de aprender a fazer museus, algo que se dá maneira muito distinta Brasil afora. No seminário, em participações como a de Lia Colombino, foi possível entender como a proposta de Mario Pedrosa ecoa outras iniciativas ocorridas na América Latina. 

“Nos interessa olhar esses outros projetos latino-americanos que estão pensando cultura, política e comunidade. Entender de que maneira eles têm intersecções ou se distanciam”, explicou Ana à arte!brasileiros.