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Dória ignora um dos vértices do Hip-Hop

Grafite da dupla Os Gêmeos em homenagem ao álbum Hip-Hop Cultura de Rua, coletânea, lançada em 1988, que ajudou a difundir o movimento no País ao dar voz a pioneiros como Thaíde e DJ Hum, MC Jack e Código 13. Foto: Reprodução / Facebook

Na penúltima edição da Bienal Internacional Grafitti Fine Art, realizada em São Paulo, em janeiro de 2013, um dos convidados para a série de debates promovidos pelo evento foi Paulo Mendes da Rocha, arquiteto e urbanista brasileiro de prestígio internacional. Questionado sobre o que pensava sobre o grafite, Mendes da Rocha, na época com 84 anos, afirmou: “Me parece a voz mais candente, hoje, das artes gráficas em geral”.

Ao lembrar que há milhões de anos o homem já deixava nas cavernas evidências visuais de sua passagem pela Terra, o arquiteto concluiu: “A grande novidade foi a invasão do espaço público pelas camadas mais populares de todas as cidades do mundo. Portanto, para mim, salve o grafite!”.

A difusão global do grafite destacada por Mendes da Rocha é um fenômeno iniciado nos Estados Unidos na segunda metade dos anos 1970, graças ao surgimento, em cidades como Nova York e Los Angeles, de expressões artísticas que convergiram para estabelecer os três elementos do Hip-Hop: o rap (sigla para “música e poesia”), composto pelo DJ e o MC; os b-boys e b-girls, garotos e garotas que dançam ao som do rap; e o próprio grafite.

Respeitada mundialmente como porta-voz da juventude segregada em regiões periféricas das grandes urbes, a tríade de linguagens que consolidou o Hip-Hop como uma das mais importantes manifestações culturais do século XX encontra na São Paulo de 2017, no entanto, um ambiente hostil, graças à cruzada higienista decretada pelo recém-empossado prefeito João Dória Jr. (PSDB-SP).

Ao anunciar a criação do programa Cidade Linda, no dia 30 de dezembro, Dória antecipou que destinaria tolerância zero a pichadores, e informou também que pretende desenvolver um programa de formação de grafiteiros, chamado Arte Urbana, além de criar na cidade um “grafitódromo”.

Segundo Dória, o projeto será coordenado pelo muralista Eduardo Kobra. Conhecido, dentro e fora do País, pelos retratos multicoloridos de grandes personalidades sobrepostos por temas geométricos, Kobra, no entanto, afirmou que desconhecia a iniciativa e que, devido a uma demanda de 28 painéis que produzirá em Nova York até novembro deste ano, não vai colaborar com o programa da prefeitura.

Garoto propaganda do Cidade Linda, Dória foi flagrado, no último sábado (14), trajando um uniforme laranja e cobrindo um grafite na avenida 23 de Maio, no centro da cidade, com um jato de tinta cinza. Na operação anunciou também que determinará oito espaços reservados para o grafite naquela via pública e que extinguirá as pinturas que ilustram os chamados “Arcos do Jânio”, instalados no início da 23 de maio, avenida que liga as zonas norte e sul da cidade.

 

Em sua página pessoal no Twitter, João Dória Jr. divulga ação do programa Cidade Linda. Na imagem anexada, o prefeito de São Paulo apaga um grafite na avenida 23 de Maio. Foto: Reprodução / Twitter

Ao defender o grafite como alternativa artística ao picho, Dória, em contrapartida, ignora quatro décadas de importância histórica da expressão visual para o Hip-Hop. Apagar compulsoriamente muros e muros da cidade impregnando as paredes de cinza e querer determinar espaços exclusivos para a prática do grafite é também desconsiderar a autonomia de uma expressão que sempre foi livre e sempre possibilitou manifestações legítimas das camadas menos visíveis de sociedades desiguais, como a nossa.

A ausência de diálogo com a comunidade do Hip-Hop, presente em São Paulo desde o início dos anos 1980, evidencia, neste caso, um comportamento arbitrário da nova gestão municipal. Querer gerenciar a produção de grafite na cidade é como querer intervir na capoeira e tirar da roda o berimbau, não faz o menor sentido.

No comunicado oficial sobre o projeto Cidade Linda publicado no site da Prefeitura, chama atenção o trecho a seguir: “O principal objetivo é a melhora na zeladoria urbana e o resgate da autoestima do paulistano, em ação integrada entre poder público, iniciativa privada, ONGs e cidadãos”.

Parcerias a parte, como gestor da maior cidade da América Latina, João Dória devia saber o quanto o Hip-Hop elevou – e continuará a elevar – a autoestima da juventude periférica de São Paulo. Negar a livre manifestação dessa camada expressiva de nossa sociedade é também negar a cidade em sua essência.

Vale lembrar, por fim, que os mutirões de assepsia, bem-vindos no aspecto de manutenção dos espaços públicos, provavelmente terão efeito temporário com relação ao grafite. Afinal, a proliferação de muros cinzas em São Paulo é também um convite aberto a novas intervenções. Como diz uma provocação replicada em vários pontos da cidade: “Eu picho e você pinta / Vamos ver quem tem mais tinta”.

MAIS
Na tarde desta segunda-feira (16), o vereador Eduardo Suplicy (PT-SP) publicou em sua página oficial no Facebook a foto abaixo de seu gabinete, recém-grafitado pela artista Mari Mats. No post, também divulgou a seguinte mensagem: “O grafite é uma forma de arte original, de rua, inclusiva e democrática. Rejeita restrições e regras fixas, incentiva a participação popular. Transformou-se em uma cultura de resistência à segregação social e urbana. Eu estimulo essa importante manifestação cultural e artística, destinando uma das paredes de meu gabinete à obra da artista Mari Mats”.

O vereador Eduardo Suplicy (PT-SP) apresenta o grafite recém-pintado em seu gabinete. Foto: Reprodução / Facebook

CONTEÚDO!Brasileiros
– Leia entrevista com Paulo Mendes da Rocha, capa de nossa edição 108, de julho de 2016.
– Leia também a reportagem No Fio da Navalha, de Leonor Amarante, ex-editora da revista ARTE!Brasileiros, sobre a ascensão do grafite como expressão artística.

Fela made in Brasil

Do big beat ao hip-hop; do hip-hop ao soul-jazz e o funk; do funk aos ritmos africanos, com uma passagem obrigatória pela irrepreensível obra do nigeriano Fela Kuti: em resumo, a trajetória inicial do pesquisador musical Frédéric Thiphagne, pode ser, assim, reconstituída. Em 2008, o francês de Lyon, que viveu de 2009 a 2011 em Paris, deu início ao blog Les Mains Noires (em tradução livre As Mãos Negras: lesmainsnoires.blogspot.com). Nele, Thiphagne explora seus dois maiores interesses: compartilhar preciosidades de seu garimpo musical e publicar entrevistas de outros pesquisadores, quando tem a possibilidade de produzir retratos desses personagens em seus hábitats.

Ao chegar ao Brasil, no final de 2011, e se deparar com o elevado custo das reedições de históricos LPs e compactos importados, Thiphagne decidiu abrir um selo de distribuição, o Goma Gringa, para importar obras de gravadoras europeias e americanas. Ao lidar com os impasses burocráticos e tributários da alfândega brasileira, concluiu que, por mais nobre que fosse sua missão, ela seria enterrada na vala comum da inviabilidade comercial. “No Brasil, constatei que as reedições custavam três, quatro vezes o valor praticado na Europa. Algo que me deixou chocado, pois disco é cultura e o Brasil sempre soube disso, tanto é que havia essa frase estampada na contracapa dos álbuns lançados aqui. Para mim, produtos culturais têm de ter o preço mais acessível possível. Na Etiópia, penso eu, os discos deveriam ser gratuitos. É um povo que tem uma cultura musical das mais ricas, mas que, ironicamente, não pode consumir a própria cultura.”

Reprodução do LP “Sorrow, Tears and Blood”, de Fela Kuti
Reprodução do LP “Sorrow, Tears and Blood”, de Fela Kuti

Com o declínio dos planos de importação e a chegada de um novo sócio, o Goma Gringa começou a vislumbrar outros horizontes. Thiphagne juntou-se a seu primeiro cliente no País, o conterrâneo e músico Matthieu Hebrard, radicado no Brasil há 12 anos. Formado em violoncelo e contrabaixo acústico, em Paris, Hebrard consolidou parcerias com brasileiros e se prepara, agora, para lançar um álbum com o projeto Quebrante, no qual toca baixo, canta e divide composições com Thiago França, Marcelo Cabral e o DJ Will Robinson. A afinidade entre Thiphagne e Hebrard logo apontou caminhos mais longevos para o selo, com uma decisão aparentemente simples: se importar os discos elevariam tanto o custo, por que não produzi-los por aqui? E a concretização de tal ideia é um marco zero em grande estilo. Depois de negociar com a família do músico (morto em 1997), o Goma Gringa será o primeiro selo a produzir no Brasil um álbum do pai do afrobeat, Fela Kuti, o emblemático Sorrow, Tears and Blood, lançado originalmente em 1971, pelo selo Kalakuta Records (o disco pode ser comprado no portal www.gomagringa.com).

A reedição reproduz a arte original e traz duas boas surpresas: um pôster encartado e o registro da faixa que dá título ao disco, com um arranjo de 16 minutos (a original tem 10’16”). A gravação foi especialmente concedida pela família de Fela. Outra boa nova é que a Goma Gringa pretende estabelecer via de mão dupla e lançar artistas brasileiros pelos selos que aqui representa. É o caso do germânico Analog Africa, que encomendou a Thiphagne uma coletânea dupla em LP com o melhor da produção setentista do carimbó, gênero paraense eternizado por artistas como o patrono Mestre Verequete e Pinduca. Em tempo: apesar de o francês conhecer a gíria “goma” (que significa casa) o nome do selo é a soma de goma-laca, matéria-prima dos extintos compactos de 78 rpm, e a origem das obras que se propõe a lançar.

Prelúdio da consagração mundial do compositor e arranjador Eumir Deodato

queles que desconhecem a dimensão da importância do carioca Eumir Deodato, alguns fatos: ele havia acabado de completar 18 anos quando um certo Antônio Carlos Jobim encomendou seus préstimos para orquestrar canções; precoce e solícito, também ajudou a formar outro grande arranjador, o pianista Cesar Camargo Mariano; antes de lançar Prelude (tema de hoje em Quintessência) a convite do manda-chuva da CTI, Creed Taylor (daí o nome do selo: as iniciais acrescidas do “incorported”), Deodato já havia escrito arranjos para dois de seus ídolos, o guitarrista Wes Montgomery e Frank “The Voice” Sinatra.

Mas Eumir Deodato de Almeida, nome de batismo do menino prodígio, é muito mais do que isso. De “catedrático” do samba-jazz, liderando o grupo de nome acadêmico, a “Embaixador do Funk”, epíteto atribuído a ele nos EUA, Deodato é dos talentos mais completos a surgir naquele inspirado Brasil do início dos anos 1960. Como compositor, arranjador, produtor e músico, conquistou o mundo. Vendeu mais de 25 milhões de álbuns e tornou-se artista dos mais requisitados na indústria fonográfica mundial. Até mesmo a cantora Bjork, de seara musical completamente adversa, requisitou os préstimos de arranjador de Deodato nos álbuns Homogenic, Post eTelegram.

Capa do álbum “Prelude”. Foto: Divulgação / CTI Records

O primeiro capítulo dessa consolidação global foi escrito com Prelude. Como o título sugere, o LP foi só a preliminar de uma carreira impecável. Impulsionado pelo arranjo de Deodato para Also Sprach ZarathustraPrelude vendeu milhões de cópias e chegou ao terceiro posto da parada Pop da Billboard. O segredo? A apropriação ímpar e funky do tema de Richard Strauss a partir da versão de Karl Bohm e Orquestra Filarmônica de Berlim que está presente na trilha sonora de 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick.

Produzido por Creed Taylor e gravado entre os dias 12 e 14 de setembro de 1972 no legendário estúdio do produtor Rudy Van Gelder, engenheiro de som do LP,  o LP foi lançado em janeiro de 1973. Se o produtor e o engenheiro de som eram mais que insuspeitos, o que dizer do time de músicos reunidos para as sessões de estúdio?

Tome fôlego, caro leitor: Ron Carter e Stanley Clarke (contrabaixo); Ray Barreto (congas); Billy Cobham (bateria); Hubert Laws. Phil Bodner,  Romeo Penque e George Marge (flautas); Jay Berliner e John Tropea (guitarras); Airto Moreira (percussão, leia post de Quintessência sobre o álbum Fingers); Charles McCracken, Seymour Barab e Harvey Shapiro (cellos); Peter Gordon e Jim Buffington (french horn); Garnett Brown, George Starkey, Paul Faulise e Wayne Andre (trombones); John Frosk, Mark Markowitz, Marvin Stamm e Joe Shepley (trompetes); Emanuel Vardi e Al Brown (violas); Elliot Rossoff, Emanuel Green, Gene Orloff, Harry Lookosfsy, Paul Gershman, Max Ellen e David Nadien (violinos).

Quanto a Deodato coube a ele pilotar dois instrumentos com sua usual maestria: piano acústico e piano elétrico, no caso deste último, o legendário Fender Rhodes Mark I. Os arranjos também são todos do carioca. E impressionam pela destreza em transformar tradições sem cometer heresias. Com a mesma reverência presente na releitura de Strauss, Deodato também subverteu a obra de um dos compositores mais influentes para a bossa nova, Claude Debussy, em Prelude To Afternoon of a Faun. E fez o mesmo com um standard da canção norte-americana, Baubles, Bangles and Beads, de George Forrest e Robert Wright, dupla que também deu ao o mundo o clássico Strangers in Paradise.

E o que dizer das composições do próprio Deodato? Carly & CaroleSpirit of Summer (tema que foi surrupiado na trilha do filme O Exorcista) e September 13 (escrita em parceria com o baterista Billy Cobham no segundo dia de registros do álbum, daí o nome) são irresistíveis, à primeira audição – a despeito dos outros temas, mais afeitos a arranjos eruditos, exigirem dedicação maior do ouvinte, na velha e saudável lógica do álbum que cresce a cada nova escuta.

Prelude foi seguido por outra obra-prima, Deodato 2, e abriu caminho para uma série de álbuns norte-americanos, todos impregnados da sofisticada arte de criação e reinterpretação de Eumir Deodato. Àqueles que desconhecem sua discografia, sobretudo os álbuns feitos anteriormente por ele, no Brasil, bom conselho é: corra já atrás deles!

MAIS 

Ouça o álbum Prelude na íntegra

Veja Eumir Deodato e orquestra em apresentação na TV italiana RAI

Renato Costa – O artista de rua

Paulistano do Jd. Iporanga, zona sul da capital, Renato trabalha desde os 8 anos de idade para ajudar na renda familiar. Mas, foi aos 18, pelas festas raves, que teve o primeiro contato com o circo e os malabares. A partir daí, passou a fabricar suas próprias claves e a comercializar algumas para os amigos. Viajou para o Chile e Argentina três vezes, na missão de vender materiais circenses, até que assaltaram sua oficina. Renato foi para as ruas, encontrou um bom ponto no farol da Rua Estados Unidos com a Av. 9 de Julho, no Jardim América, e lá está há mais de 7 anos. De cima de um monociclo de 3 metros de altura que ele próprio fez, Renato cria seus números e performances de farol inspirados em temas do cotidiano. No vermelho que consegue arranjar o seu ganha pão. Em dias ruins, tira em torno de 50 reais. Em bons, chega a tirar até 200, mas tudo depende do trabalho que apresenta, do tempo em que permanece no farol e da sua vibração do dia. É um misto de ator, diretor, produtor e circense. Ele ainda sobrevive do circo e sonha, um dia, chegar nas ruas da Europa para propagar sua arte.

Andressa Faiad – A estilista sustentável

Ela nasceu em Brasília, em uma família árabe tradicional, viveu entre o concreto modernista da cidade e as cachoeiras místicas da Chapada dos Veadeiros. Passou no curso de moda da Faculdade Santa Marcelina em São Paulo, mas sua mãe, por medo da cidade, não deixou que ela fosse viver lá. Então, como na época ainda não existia curso superior de moda na capital federal, Andressa foi cursar comunicação em publicidade. Há 6 anos, ainda na universidade, criou sua oficina Callicore. Escolheu o nome por ser uma espécie de borboleta com diversas variações de cores. Depois de desenvolver um pouco de seu trabalho de estilista artesanal em Brasília, ela foi tentar, há um ano, a vida em São Paulo. Com suas oficinas, tenta capacitar pessoas de comunidades carentes a produzir e reciclar a própria moda. E, aos poucos, em sua casa/ateliê, na Vila Mariana, ela desenvolve sozinha suas coleções com peças únicas e retalhos reaproveitados das sobras têxteis de grandes indústrias.

Naaliel Garzola – O taxista aprendiz

Naaliel é taxista por profissão e curioso por vocação. Sempre teve muito interesse pelos mais variados assuntos. Costuma ler de tudo e nem a agitada rotina impede sua fome por conhecimento. No intervalo entre uma corrida e outra, sempre arranja um tempo para bisbilhotar um livro. Em seus 48 anos de vida já fez um pouco de tudo, porém não lembra de ter sido tão feliz profissionalmente como quando ingressou na UTI de um hospital como atendente de enfermagem. Em uma rasteira da vida, seu cargo foi extinto e Naaliel viu se agravar um problema que sempre lhe atormentou: o alcoolismo. Em dois anos perdeu tudo, até sua esposa. Felizmente, venceu a doença e tem orgulho em dizer que não bebe há seis anos. Para dar um descanso ao pai, assumiu a função de taxista há pouco tempo em um ponto próximo a PUC-SP, onde tem prazer redobrado em trabalhar, já que frequentemente bate papos acadêmicos com os alunos. Com dois filhos já casados, pensa em retomar os estudos em breve e, quem sabe, retornar à área da saúde.

Fávio Zarza – O afinador de pianos

Há mais de 10 anos, o grafiteiro e ativista Mundano colocou no centro de seu trabalho a vida dos catadores de material reciclável. Pintando carroças e amplificando as vozes dos principais responsáveis pela reciclagem de produtos no Brasil, o artista se tornou referência na defesa dos catadores. Hoje ele atua na ONG Pimp My Carroça, que produz atividades ao lado de carroçeiros de todo o país.

Georges Henry – Multimaestro

A música na vida de George Henry sempre teve idas e vindas, mas nunca deixou de fazer parte. Nascido em Paris na década de 1920, estudou música desde muito cedo. Na juventude, George encantou-se pelo jazz e começou a tocar trompete inspirado por Louis Armstrong, seu ídolo e que mais tarde se tornaria um amigo. Durante a Segunda Guerra mundial, Henry saiu da França contratado pela Orquestra Cubana. Viveu em Buenos Aires, foi amigo do músico e compositor Henry Salvador, mas foi no Brasil que se fixou, primeiro como cantor no Cassino Copacabana e depois, com a sua própria orquestra, ficou em São Paulo como diretor musical da antiga TV Tupi. Foi quem levou, pela primeira vez, a música clássica para a televisão brasileira. Hoje, George, aos 89 anos, pode ter perdido o fôlego para o trompete e as cantorias, mas não para viver. Hoje dá aulas de espanhol, francês e inglês entre Amparo e São Paulo, indo e voltando semanalmente.

Renata Sbrighi – A sanfoneira

Renata Naccarato Sbrighi Oggiam carrega o extenso nome de família italiana. Seus avós foram dos primeiros a imigrarem para o bairro da Lapa, zona oeste de São Paulo. O avô fundou o primeiro posto de gasolina e a primeira pizzaria do bairro. O pai, jogador de futebol, fez parte do primeiro time do Palestra Itália e deixou a ela o gosto pelo esporte. Renata já foi da Seleção Paulista de Vôlei. Sob influência da mãe acordeonista, Renata começou a tocar piano aos 6 anos. Fundou o Conservatório Musical da Lapa, que funcionou até 1986 e depois se tornou Escola Livre de Música, hoje localizada em sua casa, no coração da Lapa. Em meio aos animais, à sanfona cor-de-rosa e aos muitos alunos, músicos, filhos e parentes, Renata dá aulas de piano, acordeom e teclado para crianças, adultos e senhoras. Em paralelo, mantém a Orquestra Sanfônica de São Paulo. Há dois anos, a acordeonista fez suas primeiras tatuagens, uma clave de Sol e uma de Fá. A música está em todos os detalhes de sua alegre casa.

Henrique Meirelles e o Consenso de Washington

  1. O programa econômico do Senhor Henrique Meirelles, atual ministro da Fazenda; ex-presidente do BankBoston entre 1996 e 1999 e do FleetBoston Financial; ex-presidente do Banco Central de 2003 a 2010, e, entre 2012 e 2016, presidente do Conselho de Administração da holding J&F, de Joesley Batista, é o Programa do Mercado.
  2. É o programa desejado com ardor (e promovido com recursos) pelos banqueiros, rentistas, grandes empresários comerciais e industriais, grandes proprietários rurais, donos de grandes órgãos de comunicação, gestores de grandes fortunas, executivos de grandes empresas e seus representantes no Congresso.
  3. O Mercado pode ser definido como sendo integrado por cerca de 200 mil pessoas que declaram, espontaneamente, ao preencher suas declarações anuais de Imposto de Renda, terem rendimentos mensais superiores a 80 salários mínimos (cerca de 80 mil reais por mês).
  4. Os integrantes dessa entidade, criada e chamada pela mídia e pela academia de Mercado, são em número inferior a 0,2% da população adulta brasileira (cerca de 120 milhões de indivíduos) e se defrontam com os demais 207 milhões de indivíduos, que são mais de 99% do povo brasileiro. Entre os 26 milhões de brasileiros que devem, de acordo com a legislação, apresentar declaração de rendimentos e de bens são eles menos de 1% dos declarantes do imposto de renda.
  5. O Programa de Reformas de Meirelles, as quais são contrareformas que promovem um retrocesso econômico e social ao período anterior a 1930. Essas contrarreformas, que a esmagadora maioria do povo rejeita, são um programa imposto de forma implacável ao Brasil, sendo, em realidade, a execução (anacrônica) das políticas recomendadas pelo Consenso de Washington.
  6. O Consenso de Washington é uma lista de dez políticas elaborada por técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial, do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e por acadêmicos norte-americanos, como sendo as políticas mais adequadas e (até as únicas) capazes de promover o desenvolvimento dos países atrasados, subdesenvolvidos, como o Brasil.
  7. Este Consenso, que data de 1989, retoma os princípios da teoria e da política econômica clássica dos tempos do padrão-ouro e anteriores a J.M.Keynes, em um momento da política econômica americana caracterizado pelo sucesso de seus esforços de abertura de mercados, de desregulamentação financeira e de apoteose da globalização; e da política externa, devido a sua vitória contra o Iraque na primeira guerra do Golfo e à derrocada da União Soviética, a maior vitória política e militar em que não houve o dispêndio de uma bala.
  8.  A aplicação das políticas do Consenso de Washington, exigida pelas “condicionalidades” do FMI e do Banco Mundial para a concessão de empréstimos e pelos dispositivos dos acordos de livre comércio, versão dos “acordos desiguais” do Século XIX, não levaram ao desenvolvimento dos países da América Latina e da África.
  9.  A distância, em termos de renda per capita, de participação no Produto Mundial e no comércio mundial, de número de patentes registradas etc. entre os países altamente desenvolvidos e os países subdesenvolvidos (entre os quais não se deve incluir a China) não se reduziu entre 1989, data do Consenso, e os dias de hoje.
  10.  Do ponto de vista estrutural, estes países continuaram a se caracterizar como produtores/exportadores de matérias primas e importadores de produtos industriais, exibindo graves disparidades e pobreza, e baixo ou nenhum dinamismo tecnológico.
  11. Aqueles países que se desenvolveram e cresceram rapidamente depois de 1989 foram aqueles que não seguiram estas políticas do Consenso (sempre advogadas pelos Estados Unidos, organismos econômicos e países desenvolvidos) com especial destaque para a China, e em parte pela Índia.
  12. A execução do Programa do Senhor Henrique Meirelles se faz com a colaboração dos Senhores Ilan Goldfajn e Dyogo Oliveira, e dos técnicos que trabalham na Fazenda, no Banco Central e no Ministério do Planejamento, que são apresentados sob a expressão “equipe econômica”.
  13. O Programa de Reformas executado por Henrique Meirelles e seus auxiliares, com a ajuda do Congresso Nacional, é a implementação, no Brasil, do Consenso de Washington.
  14. As políticas do Consenso de Washington e do Programa de H. Meirelles são dez:
  • disciplina fiscal;
  • redução dos gastos públicos;
  • reforma tributária;
  • juros de mercado;
  • câmbio de mercado;
  • abertura comercial;
  • eliminação das restrições ao investimento direto estrangeiro;
  • privatização de empresas estatais;
  • desregulamentação ;
  • direito à propriedade intelectual.
  1. disciplina fiscal, primeiro princípio do Consenso, que significa um esforço de promover um rigoroso equilíbrio entre receitas e despesas públicas, elimina a possibilidade de endividamento do Estado para realizar políticas anticíclicas, para enfrentar o desemprego e o subemprego, e realizar os investimentos estruturantes e indispensáveis ao desenvolvimento sustentado de um país.
  2. A disciplina fiscal, ponto central do Programa de Meirelles, é imposta pela Emenda Constitucional 95, que congela as despesas “primárias” por 20 anos, sem tocar nas despesas do Estado com a dívida pública, que chegam a quase 50% do total do orçamento e dos gastos públicos, sem permitir o aumento de receitas, rejeitando o combate à sonegação de impostos e à evasão de divisas, e, implicitamente, negando a possibilidade de aumento de impostos e de reforma tributária.
  3. O segundo princípio do Consenso, que é a redução dos gastos públicos, significa a redução das despesas primárias com as atividades do Estado em segurança pública, justiça, defesa; em programas sociais como educação e saúde pública; com a Assistência e Previdência Pública; com investimentos de infraestrutura etc.
  4. Não cogita H. Meirelles de reduzir os gastos do Estado com o serviço e amortização da dívida pública, correspondentes a mais de 50% do orçamento, que decorre dos níveis extraordinários, em termos internacionais, da taxa de juros de referência estabelecida pelo Banco Central (a SELIC) nem de controlar as receitas que o setor financeiro aufere com a prática de juros elevadíssimos que inibem o consumo da população e o investimento empresarial.
  5. A politica de redução dos gastos do Estado é procurada através da mesma Emenda Constitucional 95 que congelou as despesas primárias ao nível das despesas realizadas no ano de 2017, por vinte anos, isto é, até 2037.
  6. Algumas consequências da redução de gastos públicos (ou de privatização dos programas públicos) são as seguintes:
  • redução do Bolsa Família, que atende hoje a 25% da população, o que redundará em aumento da pobreza absoluta;
  • redução do atendimento às crianças na primeira infância;
  • redução do SUS e agravamento da situação da saúde da massa de cidadãos pobres, sem capacidade de pagar por remédios e assistência médica;
  • redução dos investimentos em educação e sua privatização o que excluirá os pobres do acesso à educação;
  • redução dos investimentos em defesa, necessários a uma política de dissuasão, imprescindível a um país com as dimensões geográficas, populacionais e econômicas do Brasil.
  • redução dos investimentos em ciência e tecnologia.
  1. O terceiro princípio, a reforma tributária,  propugnado pelo Consenso de Washington  não significa uma reforma do sistema tributário para torná-lo menos regressivo, isto é, menos incidente sobre os mais pobres, mas sim reduzir impostos sobre o capital e as contribuições previdenciárias das empresas para, com o aumento da perspectiva de lucro das empresas, atingir o objetivo de estimular os investimentos privados.
  2. É o que parece pretender o Ministério da Fazenda e Meirelles, articulador principal da política econômica do Governo Temer, como se pode entrever das discretas manifestações do Governo sobre o tema.
  3. A pouca disposição de Henrique Meirelles de rever as desonerações fiscais e de cobrar a dívida ativa da União, que supera o montante de 1,8 trilhões de reais, e as dívidas das empresas privadas para com a Previdência, que chegam a mais de 400 bilhões de reais; os programas de refinanciamento de dívidas (REFIS) que são, em realidade, programas de perdão de dívidas; a tolerância com as decisões do Conselho Administrativo da Receita Federal-CARF em favor das grandes empresas e contra o Estado; a tolerância com a evasão de divisas para o exterior, revelam, em seu conjunto, a natureza da reforma tributária que Meirelles está, na prática, realizando em benefício do capital e contra o trabalho.
  4. A prática de juros de mercado, a quarta recomendação do Consenso de Washington, significa que o Estado não deve executar políticas de juros subsidiados para estimular e fortalecer as empresas de capital nacional em sua competição, interna e internacional, com as megaempresas multinacionais que, além dos recursos de suas tesourarias, tem fácil acesso a financiamento de bancos públicos de seus Estados e de megabancos privados multinacionais.
  5. A política de Meirelles de substituir a TJLP-taxa de juros de longo prazo, cobrada pelo BNDES nos empréstimos às empresas (não somente nacionais, mas também estrangeiras) pela TLP-Taxa de Longo Prazo, que fará com que os juros cobrados pelo BNDES se aproximem dos juros de mercado, taxa que será flutuante, é um dos instrumentos da política de privatização dos bancos públicos brasileiros, no caso do BNDES, visa também beneficiar as empresas estrangeiras que atuam no Brasil e forçar as empresas brasileiras a se financiarem junto a bancos privados que praticam taxas de juros (a empresas) que superam 30% ao ano, taxas que tornam inviável qualquer investimento produtivo.
  6. O Consenso de Washington recomenda, em quinto lugar, aos países subdesenvolvidos que adotem uma política de câmbio de mercado, isto é, que o Estado não interfira de nenhuma forma no mercado cambial e que não controle de nenhuma forma os fluxos de ingresso e de saída de capitais da economia e, portanto, permita a intensa especulação que existe no mercado mundial de divisas.
  7. O Ministério da Fazenda e o Banco Central realizam uma politica de câmbio valorizado, isto é, o real tem um valor em relação ao dólar muito superior ao que seria conveniente para promover o desenvolvimento industrial e os investimentos privados necessários, política que dificulta as exportações brasileiras, inunda o mercado doméstico com importações de produtos industriais baratos (provenientes em especial da China, mas não somente da China), estimula as despesas com turismo etc. e desnacionaliza a indústria brasileira que, cada vez mais enfraquecida, é gradualmente vendida a preços “muito bons”, segundo os especialistas em vender o Brasil.
  8. A política cambial é pró-valorização do real com o objetivo de usar a política de juros altos para atrair capitais estrangeiros em investimentos especulativos.
  9. abertura comercial, sexta política recomendada pelo Consenso de Washington, que consagra a divisão internacional do trabalho entre países primários e países industriais. É objetivo de Henrique Meirelles na medida em que este pratica uma política de plena liberdade de ingresso no Brasil de produtos industriais estrangeiros, mesmo quando há situações de dumping.
  10. As consequências desta política de abertura se pode verificar pelos déficits na balança comercial de produtos industriais com os países altamente industrializados e com a China; por não haver regulamentação da exportação de produtos agrícolas, altamente favorecida pela política de crédito do Governo (o que beneficia os países que importam produtos primários brasileiros); pela decisão de extinguir o acesso a crédito favorecido às empresas instaladas no Brasil que era concedido pelo BNDES; pela eliminação da política de conteúdo nacional; pela fraca defesa das políticas brasileiras denunciadas na Organização Mundial do Comércio-OMC pelos países exportadores industriais que procuram impedir a emergência de competidores enquanto, no Brasil, se repete sem cessar o mantra da competitividade e da produtividade, na realidade, argumentos para promover a redução de salários e de benefícios aos trabalhadores.
  11. Henrique Meirelles pretende consolidar o seu programa neoliberal através da adesão do Brasil à Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE, que reúne os países mais desenvolvidos do mundo para articular posições comuns em negociações e em organismos internacionais, sem ouvir a sociedade ou o Congresso Nacional, aferrolhando (lock in) toda sua política ultra neoliberal e tornando sua eventual revisão, ainda que venha a se verificar indispensável pelas necessidades de desenvolvimento de um país com as características do Brasil, mais difícil, pois sua revisão contrariaria “compromissos Internacionais”.
  12. Pretende também Henrique Meirelles promover, a qualquer custo, um acordo de livre comércio com a União Européia, que levará à celebração de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, com a China, com o Japão e outros países e eliminará toda possibilidade de desenvolvimento industrial no Brasil devido à eliminação de seu principal instrumento que é a política tarifária.
  13. Estes acordos significarão o fim da tarifa externa comum do Mercosul e, portanto, o fim de toda política de integração regional e de formação de um bloco sul americano.
  14. O sétimo princípio do Consenso de Washington, que determina a eliminação das restrições ao investimento direto estrangeiro, vem sendo posto em prática em especial pela política de câmbio de mercado; pela privatização e desnacionalização das empresas estatais, sem qualquer precaução de natureza estratégica, como ocorre em países desenvolvidos em relação a setores como eletricidade, portos e meios de comunicação; pela abertura da exploração das reservas do pré-sal às megaempresas petrolíferas estrangeiras; pela política de fragmentação e venda a multinacionais petroleiras de empresas do complexo da Petrobrás; pelo fim da política de conteúdo nacional.
  15.  Outras políticas do Governo de favorecimento ao capital estrangeiro são a abertura de setores de serviços como a saúde e educação; a venda de terras a estrangeiros; a desregulamentação ambiental e a abertura de reservas florestais à exploração econômica, em especial à mineração.
  16. A Operação Lava Jato contribuiu de forma importante para criar na opinião pública uma imagem da Petrobrás como empresa corrupta e ineficiente, a partir da divulgação permanente para a imprensa de delações premiadas envolvendo dirigentes da empresa e políticos, apesar de sua capacidade de produção e de sua liderança tecnológica no setor de petróleo.
  17. Em realidade, o objetivo da política de Meirelles é reduzir o Estado ao mínimo, eliminando sua competência e função reguladora e fiscalizadora da atividade econômica (inclusive no sistema tributário) e de investidor e transferir toda atividade econômica para a empresa privada, mas em especial para a empresa estrangeira, promovendo um amplo processo de desnacionalização da economia que ocorre, inclusive, em paralelo à eliminação de qualquer apoio às empresas de capital nacional.
  18. A execução do oitavo princípio do Consenso de Washington, que recomenda a privatização das empresas estatais, estava anunciado no Programa de Parcerias de Investimento-PPI desde o início do Governo Temer e agora se acelerou com a crise política e com o desequilíbrio fiscal agravado pelas necessidades de articulação de apoio político no Congresso para impedir a aprovação da abertura do processo de investigação contra o presidente Michel Temer e para compensar a  queda constante de receita tributária, devido à recessão econômica causada pela própria política recessiva que Henrique Meirelles provoca ao  executar, com rigor, as políticas recomendadas pelo Consenso de Washington e pelo Mercado.
  19. Agora foi anunciada a privatização de 57 empresas, entre elas a Eletrobrás, a Casa da Moeda e grandes aeroportos, e prossegue, de forma discreta, o programa de desinvestimento da Petrobras, executado por Pedro Parente, que transformará a Petrobras, uma grande empresa de petróleo integrada e altamente competitiva no cenário internacional, em uma pequena empresa exportadora de petróleo, em especial para os Estados Unidos.
  20. Henrique Meirelles está empenhado em privatizar os bancos públicos, como revelou Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central, ao dizer, em entrevista à imprensa, que os “juros altos” (ou o spread) no mercado brasileiro decorriam da falta de competição no setor financeiro, que deveria ser aberto aos bancos estrangeiros.
  21. A política de desregulamentação é a nona política patrocinada pelo Consenso de Washington que significa, no mínimo, o afrouxamento da legislação econômica e trabalhista.
  22. O Programa econômico do Mercado, executado por Henrique Meirelles, segue à risca essa recomendação do Consenso em todos os setores de atividade econômica a começar pela reforma trabalhista, com a redução das atribuições dos sindicatos; o enfraquecimento da Justiça do Trabalho e da fiscalização; a prevalência do negociado sobre o legislado; a terceirização em todas atividades das empresas; os horários intermitentes  de trabalho; a possibilidade de demissão em massa de trabalhadores; fim do imposto sindical, mantendo o sistema S das entidades patronais; ampliação dos contratos temporários; fim da carteira de trabalho.
  23. A reforma da Previdência Pública significará, devido à migração dos contribuintes mais ricos e mesmo dos mais pobres, que perceberão a inutilidade de contribuir devido aos novos prazos e exigências de aposentadoria, a privatização e o fim da Previdência no Brasil para os mais pobres, cujo rendimento não permitirá que paguem planos privados de previdência.
  24. Na área ambiental, a flexibilização se faz pela transferência da União para os Estados da competência para a determinação de reservas ambientais; pela redução das exigências dos relatórios de impacto ambiental; pela flexibilização no uso de agrotóxicos.
  25. Todo o programa de privatização (e desnacionalização) de empresas estatais corresponde também a uma ampla desregulamentação da atividade econômica em benefício das empresas privadas, mas não dos trabalhadores.
  26. O enfraquecimento da regulamentação econômica se agravará com a redução das atividades de fiscalização do Estado que decorrerá da atrofia dos organismos de fiscalização devido a cortes de recursos e de pessoal.
  27. A décima recomendação do Consenso de Washington diz respeito a proteção da propriedade intelectualatravés de uma legislação mais favorável aos detentores de patentes e marcas  que são, em geral, megaempresas multinacionais.
  28. Há um esforço permanente do Governo, através do Instituto Nacional de Propriedade Industrial-INPI, de reduzir os prazos para exame das solicitações de concessão de patentes, sem estabelecer nenhuma obrigação de fabricação no Brasil, o que se torna a patente um monopólio de importação, e redução das exigências de novidade, ao que se soma nenhuma fiscalização e remessas significativas e crescentes de pagamentos ao exterior por tecnologias, muitas vezes obsoletas e pelo uso de marcas, o que é absurdo.Consequências do Programa de Henrique Meirelles
  29. O elevado grau de urbanização da sociedade brasileira torna necessária a existência e a expansão da indústria, que é o setor dinâmico de qualquer economia desenvolvida de grandes dimensões.
  30.  A mecanização da agricultura de larga escala voltada para a exportação não gera empregos suficientes  e expulsa mão de obra do campo para as cidades o que agrava a situação da população urbana em termos de emprego, habitação, saúde, educação etc.
  31.  A tendência à automação e à robotização no setor industrial, sem nenhuma política para enfrentar este desafio, faz com que, ainda que haja aumento da produção,  se reduza a geração de empregos industriais.
  32. A inexistência de uma politica de exportação de produtos industriais, que inclua a participação ativa das empresas estrangeiras, e o permanente ingresso de capitais estrangeiros necessários para equilibrar o balanço de pagamentos, devido ao déficit estrutural nas contas correntes, gera uma perspectiva de crise cambial futura, apesar das reservas significativas atuais.
  33.  A concentração de renda e de riqueza tenderá a se aprofundar continuamente assim como as demais disparidades internas e vulnerabilidades externas. A violência urbana e rural tenderá a se agravar de forma significativa.
  34. Os detentores de grandes fortunas tenderão a se tornar absenteístas, isto é, passarão a residir no exterior como já ocorre em relação a muitas de suas famílias e herdeiros.
  35. O Programa econômico do Mercado executado por Henrique Meirelles consolidará a situação do Brasil como produtor e exportador de produtos primários agrícolas e minerais, em especial de petróleo, e como território de exploração de mão de obra com a instalação de megaempresas multinacionais para explorar um mercado interno de tamanho médio, cerca de trinta milhões de consumidores, mas que é maior que o mercado interno de muitos países europeus (em número de consumidores), cercados estes 30 milhões por 170 milhões de uma massa anômica de desempregados, subempregados e miseráveis.