O diretor e ator Nelson Baskerville em seu apartamento na Aclimação, em São Paulo. Foto: Diego Rousseaux

*Por Gustavo Fioratti

Quando tinha 11 anos, Nelson Baskerville tomou uma surra de seu pai por ter quebrado uma cadeira, e a aparente gratuidade da violência contida na situação rondou, como uma incógnita, a memória do ator e diretor, inclusive durante a vida adulta. Com o passar do tempo, ele foi ressignificando esse dado biográfico até chegar à beira de uma conclusão.

Para entender a razão da surra é preciso saber que a mãe de Baskerville morreu durante seu parto e que o pai teria represado o ódio até aquele momento. “Aos poucos, entendi que ele não engoliu o fato de que sua mulher tivesse sido substituída por aquela coisa torta e sem jeito que era eu”, diz o diretor, um homem grande, de cabelos grisalhos e bagunçados. Eram 17 horas, e ele estava almoçando em um café no bairro paulistano do Bom Retiro, vizinho à Casa do Povo, centro cultural onde ensaia A Vida, espetáculo no qual falará sobre este episódio doloroso.

Não se trata de um exercício solitário de autobiografia. Em cena, outros seis atores expõem traumas novos ou antigos que determinaram rumos em suas trajetórias. Felipe Schermann fala sobre uma doença que acometeu seu pai; Camila Rafantti, sobre o parto da filha; Nuno Carvalho performa sobre a perda de 40 quilos após uma separação; Hercules Morais descreve a situação em que foi proibido de usar a piscina de um condomínio em São Paulo, onde seu pai trabalhava como zelador; e Tamirys Ohanna nos coloca diante de uma mulher negra que se muda da cidade paulista de Cubatão para São Paulo, com todas as situações políticas que a mudança implica.

Tampouco é um tipo de experiência isolado de um contexto artístico mais amplo. A ação de performar a exposição das próprias feridas consolidou-se no cenário teatral mais recente praticamente como um gênero. De 2010 para cá, grupos como a Cia Brasileira, a Kunyn e a mineira Luna Lunera abriram espaço a espetáculos criados com depoimentos. Em São Paulo, a atriz Janaina Leite também apostou em criações decalcadas na exposição da memória. Acompanhado com interesse pela crítica e dentro do próprio cenário teatral, os espetáculos autobiográficos, diz Baskerville, desatam dramaturgicamente um nó de natureza temporal. Para ele, esse tipo de criação evidencia a capacidade do presente de ressignificar o que já passou. “A cada instante, nosso passado se torna diferente”, ele sintetiza. A ideia é que, quando pensamos em algo, a lembrança resgatada se torna automaticamente diferente.

Não será a primeira vez que Baskerville traz para a cena a memória do episódio da cadeira, que já havia sido representado em Luis Antonio – Gabriela (2011), seu espetáculo mais longevo e, como ele reconhece, o de maior sucesso – a peça foi premiada com um Shell por sua direção. Voltar à questão, diz o diretor, reforça o sentido performático do teatro, de reelaborar continuamente o que está guardado e que, apenas aparentemente, se aquietou.

Haverá, na peça, outro dado biográfico importante e de impacto: a memória da figura do irmão (bem como sua impermanência diante da  passagem do tempo). Com estrutura que busca a relação do teatro épico, distanciado do drama convencional, Luis Antonio – Gabriela colocou o público em contato com a personalidade complexa de Luis Antonio, primogênito de seis irmãos, que abusou de Nelson quando ele era criança. Depois, na passagem para a vida adulta, Luis Antonio torna-se travesti e, abandonado pela própria família, parte para a Espanha, onde se distancia por definitivo de todos. Houve, em 2002, a falsa notícia de que Gabriela (agora com o nome escolhido para a vida artística) havia morrido, o que levou uma de suas irmãs a buscar informações. Ela estava viva. Não houve uma reaproximação entre Baskerville e Gabriela, porém, e ela morreu em 2006. “A última vez que eu o vi foi quando nós precisamos que ele assinasse um formal de partilha do meu pai, logo depois que ele morreu, em 1984. Foi quando percebi que ele não sabia que meu pai tinha morrido”, diz Baskerville, usando o gênero masculino (outra impressão relacionada ao tempo). “Depois nunca mais o vi. Quando ele saiu de casa, nós ficamos com essa coisa de que ele nos fazia mal, porque abusou de mim ou porque em Santos éramos conhecidos como a família da bicha. A princípio, foi um alívio quando ele se foi, e é aí que reside toda a coisa triste dessa história”, resume o diretor.

Integrantes da companhia Mungunzá em cena de Luis Antonio – Gabriela. Foto: Divulgação

Há uma diferença estrutural entre Luis Antonio – Gabriela e A Vida. O novo espetáculo é todo composto de módulos. As cenas funcionam com certa autonomia, mas se conjugam de formas diversas, conforme os resultados de um sorteio realizado a cada sessão. “Parti da ideia de Schopenhauer sobre uma aparente aleatoriedade da vida; não estamos falando exatamente de destino aqui, porque não é como se as coisas já estivessem traçadas, mas sim como se tudo fosse traçado a cada momento conforme as coisas acontecessem”, diz o diretor. “Queria criar um espetáculo que pudesse ser aleatório e ao mesmo tempo ensaiado, partindo de experiências biográficas minhas e dos atores (de sua companhia Antikatártika). A questão da biografia é que sempre consigo ver a vida e entendê-la por meio dessas experiências”, diz.

Reestruturar suas memórias em ce­na levou Baskerville a procurar por um analista também. Com a decisão, o diretor destitui a arte de um papel totalmente terapêutico. “Achava que a arte me salvaria dos meus problemas existenciais e da minha depressão. Percebi, porém, que eu estava empurrando com a barriga um monte de coisa”, conclui o diretor.

Psicanálise em cena

Há uma questão de relevância para o público que vê em cena um ator ou um autor tendo de lidar com os próprios traumas. Se há traços de psicanálise em trabalhos do gênero, de que forma os desenlaces ou mesmo essa percepção de que o presente ressignifica o passado podem ser compartilhados com espectadores que, frequentemente, assistem a apenas uma das sessões e não seus desdobramentos, seus efeitos e curas? Um espetáculo em transformação não dependeria de um acompanhamento mais contínuo por parte da plateia?

Baskerville acha que o espectador capta “alguma coisa sem saber exatamente o que é”. “Nunca fui textocêntrico, nunca transferi a responsabilidade total do espetáculo às palavras. A tentativa é de se atingir alguma coisa além do racional”, justifica. “A gente não tem controle sobre a absorção da plateia. O que acho que podemos estabelecer é a comunicação ‘celular’, nem que seja através de um arrepio, de imagens, sensações e situações que vêm à tona depois que o público vai para casa. Acho que a sensação primária da plateia é a de que estamos nos expondo e expondo as nossas vidas. De que não se trata de ficção ou algo meramente baseado em fatos reais. Acredito que a ficção, na maioria dos eventos artísticos, se afastou do humano.”

Do encontro entre todas as histórias do novo espetáculo também surgiram contextos políticos como pano de fundo, dos quais sobressai o debate sobre a cultura da opressão à mulher. Segundo Baskerville, nos ensaios em que os atores expuseram suas memórias, detectou-se a reincidência de histórias de abuso moral ou sexual sofrido pelas atrizes que participam da composição da peça. Entre essas histórias também está a de Taís Medeiros. “Ela descreve como as mães das amigas proibiram suas filhas de brincar com ela porque a sua mãe era separada do marido. Hoje, ela tem 36 anos. A gente está falando dos anos 1980”, conta.

Além de A Vida, Baskerville prepara uma adaptação do romance Uísque e Vergonha, de Juliana Frank, a seis mãos  – com as atrizes Alessandra Negrini e Erika Puga. Novamente, ele se depara com as questões da feminilidade e das lutas políticas da mulher, dessa vez por meio da ótica de uma adolescente que sai de casa para ir morar na rua.

Noemi Marinho e Pascoal da Conceição na peça 1 Gaivota – É Impossível Viver sem Teatro. Foto: Lígia Jardim/Divulgação

O mau gosto em cena

Após a entrevista no café, o diretor partiu para a Casa do Povo, onde o elenco da peça e a equipe técnica esperavam por ele. No meio do ensaio, ele ria a cada música dos anos 1980 que tocava na trilha da peça, justamente porque havia sido questionado, minutos antes, sobre a evidente influência que seus trabalhos carregam da década marcada pelo uso de ombreiras e de polainas. “Fui forjado nos anos 1980”, respondeu. “Tenho como antecedentes a formação no rock progressivo, as drogas lisérgicas, Pink Floyd, The Who. Vim de uma época em que os jovens se reuniam em volta de um disco. Deitávamos e ficávamos ouvindo Pink Floyd.”

Os anos 1980, para ele, também ficaram registrados como os anos que transformaram sua vida em “outra coisa”. “Prestei EAD (Escola de Arte Dramática, em São Paulo) e, milagrosamente, passei com 18 anos. Meu pai praticamente me deserdou. Eu era um menino de classe média alta que, de repente, estava trabalhando na lanchonete do cursinho do politécnico”, diz. Na EAD, brincava-se que Baskerville cumpria uma cota, porque ele tinha jeito e beleza de galã de novela.

Depois de formado, o ator teve um período de trânsito intenso entre o teatro e a televisão. Trabalhou em Filme Triste (1983), direção de Vladimir Capella, República dos Mendigos (1982), direção de Celso Frateschi, e Notícias Silenciosas (1991), de Hamilton Vaz Pereira. Na TV, participou das novelas Pedra sobre Pedra, Éramos Seis, O Rei do GadoCanoa do Bagre e Chiquititas, entre outras. Durante a entrevista, porém, colocou em destaque a relação profissional com o diretor e dramaturgo Fauzi Arapi (1938-2013), que o dirigiu em Às Margens do IpirangaRisco de PaixãoRua Dez e Uma Lição Longe Demais. “Fauzi me fez pirar, ele me enlouqueceu a ponto de, em 1988, eu fugir para Londres. Acho que foi a primeira pessoa que apontou para mim e disse ‘tem alguma coisa errada aí’ ”, diz Baskerville.

Nesse período, o diretor também ganhou a vida fazendo comerciais de TV, dos quais destaca uma produção luxuosa para a Vodka Orloff, que tinha um aeroporto como cenário. “Graças a Deus não consigo encontrar esses comerciais em nenhum lugar”, diz, envergonhado. Ele pensa que suas decisões profissionais causaram conflito ideológico com Arap. “Eu precisava sobreviver, ele sabia disso, mas dizia que a matéria com que o ator trabalha era o corpo e que não podíamos tratá-lo como mera mercadoria. Nunca ninguém exigiu tanto de mim como ele.

Pintura de Baskerville, cuja obra visual se dedica a tipos urbanos e faz lembrar a arte bizantina. Foto: Arquivo Pessoal

Em Londres, Baskerville deu uma pausa na profissão. Trabalhou como peão de obra, pintor de parede e babá, entre outras atividades. Classifica essa experiência como “maravilhosa e muito dura”, e ela o fez perceber que deveria retornar ao Brasil (e para o teatro). Em 1991, começa a dar aula no Teatro Escola Célia Helena, em São Paulo, onde permaneceu por cerca de 20 anos. No período, escreveu uma peça que considera uma experiência ruim, chamada Jogo da Velha (1998), coautoria de Michel Fernandes e dirigida por Atílio Ricó. “Foi um fracasso. É uma peça que leio hoje e questiono o que me levou a escrevê-la”, conta. Foi também uma tentativa de ganhar dinheiro que naufragou. Baskerville foi “expelido” do circuito comercial nesse episódio.

Foi no Teatro Escola Célia Helena que ele aprendeu a dirigir, depois de assinar espetáculos realizados por mais de 80 turmas de formandos. Também foi com ex-alunos da instituição que ele criou sua companhia Antikatártika, com a qual produziu 17 x Nelson Parte 1 – O Inferno de Todos Nós, uma experiência de colocar 17 peças de Nelson Rodrigues no liquidificador, com dezenas de personagens passando pelo palco, e depois Camino Real, de Tennessee Williams. “As duas produções procuraram inserções épicas em textos tradicionalmente dramáticos”, explica. O teatro épico, em resumo, é uma forma que recusa repetir a imersão emotiva do modelo realista e que permite ao espectador distanciar-se do enredo durante sua própria evolução. Teve expressão na Rússia no momento pós-revolução e aparece ainda com mais força no teatro do alemão Bertolt Brecht (1898-1956). O ruído com a obra de Rodrigues acontece porque o autor cria a partir de uma aproximação com o melodrama. Tennessee Williams, da mesma maneira, dedica-se ao realismo. Não são teatros tradicionalmente relacionados ao épico, mas à atmosfera dos enredos psicológicos.

A pesquisa sobre o teatro épico de­senvolvida por Baskerville nessas duas e em outras experiências culmina em Luis Antonio – Gabriela, que, como ele mesmo lembra, “tem só dois diálogos na forma dramática tradicional” –aquela em que um personagem se dirige a outro. Isso significa que, em boa parte do espetáculo, o diálogo se dá diretamente com a plateia.

Esse contato imediato é reforçado pelas conversas com o público depois do espetáculo. “(A atriz cubana e transexual, morta no ano passado) Phedra de Córdoba me procurou depois, por exemplo”, ele conta. “Eu a conhecia como artista do grupo Os Satyros. Ela viu o espetáculo, ficou louca, queria falar comigo de qualquer jeito. Quando  mexemos na história do Luis Antonio, começamos a receber inúmeros depoimentos de outras travestis. Uma coisa que me chamou atenção é que muitos deles também relatam que foram abusados sexualmente”, diz.

Baskerville defende que sua metodologia de pesquisa permite um posicionamento político incisivo, embora indireto em seu discurso. “A tentativa é de abrir uma fissura sem querer colocar nenhum tipo de ideia preestabelecida. Quero que o espectador saia do espetáculo se sentindo exposto; acho que há uma cura na questão da exposição. Eu vejo um pastor chutanto a cabeça de um mendigo, moleques que batem em gays com lâmpadas e muitas outras coisas horríveis. Minha forma de protesto é por via específica. No teatro, tento fazer um resgate do humano, se é que já fomos humanos alguma vez”, provoca.

Cena de ‘A Vida’, na qual os atores usam de suas próprias experiências biográficas para compor a peça. Foto: Lígia Jardim/Divulgação

Esteticamente, as peças de Baskerville são sujas, carregadas de referências, uma característica que mais uma vez o leva a falar sobre a influência dos anos 1980. A cafonice, o mau gosto e o kitsch povoam as cenografias de seus espetáculos, em estudos que primam mais pelo excesso do que pela sim­plicidade. “O mau gosto eu peguei do Nelson Rodrigues. Ele dizia ter um mau gosto agressivo, e eu comungo isso com ele”, confidencia, sobre o autor que lhe rendeu ainda 17 x Nelson – Parte IISe Não É EternoNão É Amor e Os 7 Gatinhos, ambas de 2012.

A vida, “ela própria”, se cerca de mau gosto, ele defende. “Por isso critico o teatro que quer ser arrumadinho. E essa postura vem dos anos 1980, uma década em que tudo ainda era bagunçado, a gente não sabia para onde ia”, analisa. Para o diretor, os anos 1980 esboçam uma reconstrução de questões importantes que haviam sido interrompidas pelo regime militar e que só mais recentemente voltam a ganhar expressão. Nos anos 1970, o esfacelamento dos circuitos de pesquisa pela situação política e pela censura trouxe, na década seguinte, formas antigas ao cenário, com narrativas lineares, populares, embora muitas vezes densas. É o caso de Suburbano Coração, peça de Naum Alves de Souza, que Baskerville reencenou em 2015, centrada na figura de Lovemar, mulher em busca de um amor, que se frustra com o próprio romantismo ao se relacionar com um professor, um pastor, um cantor e um caminhoneiro.

O reconhecimento, pela crítica, da meticulosidade com que Baskerville cria seus espetáculos nem sempre encontra correspondente, porém, quando o assunto é o texto. Em uma crítica para As Estrelas Cadentes do Meu Céu São Feitas de Bombas do Inimigo (2013), cujo texto amarra depoimentos de jovens sobre conflitos armados, o crítico Luis Fernando Ramos, para o jornal Folha de S.Paulo, aponta que “fragilidades na dramaturgia não são supridas pela inventividade das cenas geradas e pelo desempenho dos atores”, por exemplo.

Diários de motocicleta

Na vida pessoal, Baskerville é um entusiasta do pop, o que se reflete inclusive em suas pinturas (sim, ele mantém uma produção de fôlego paralela ao teatro). Seus quadros são povoados por figuras que vivem à margem da sociedade burguesa e aristocrática, espécies de demônios perdidos em ambientes urbanos, todos eles forjados por traços que as HQs herdaram do expressionismo, cheias de imperfeições, manchas e distorções indiscretas.

A psicodelia e o rock parecem, o tempo todo, correr por trás das criações do diretor, como uma irrigação do inconsciente. Não é só Pink Floyd, The Who e The Cure que ele carrega na bagagem de suas referências e de sua formação. Recentemente, o filme Easy Rider passou a fazer ainda mais sentido. Baskerville comprou uma mo­to e passou a fazer longas viagens pela América Latina, na companhia de um velho amigo de palco, o ator Jairo Mattos, que ele conheceu durante a temporada de Notícias Silenciosas, no Rio dos anos 1990.

Baskerville é um sujeito diplomático, diz Mattos, “prima pelo diálogo mais do que pelo conflito”, e o aparente desinteresse com a elegância esconde um universo organizado e metódico. Até 2015, ele usava óculos remendados com fita isolante. A atriz Aldine Müller, que atuou em Suburbano Coração, protestou contra o desleixo e presenteou-o com dois modelos. Um deles é o mesmo que Baskerville usa ainda hoje. Tem lentes de diâmetro curto, o que lhe confere a aparência de um Sigmund Freud destemperado. O outro par de óculos ele perdeu.

Mattos conta que Bakerville teimou em comprar uma Harley Davidson pa­ra que eles pudessem pegar estrada, mas que aos poucos foi convencido de que uma BMW era a melhor opção. Feita a troca, começaram as viagens. Uma delas foi para a Patagônia, com trechos de até dez horas sem parada. “Ele é corajoso, topou fazer a viagem sem ter experiência e passou bem no teste; essa é uma viagem muito dura e com grandes diferenças de temperatura”, narra o amigo, que tem o projeto de transformar as viagens em um programa de TV.

Entre as inúmeras histórias que ele conta e que renderiam um reality sobre dois tiozões motoqueiros loucos por farra e paisagens, surge na memória de Mattos o episódio de uma ventania de 80 km/hora. A estrada que pegaram na Argentina tinha, em diversos pontos, altares com imagens de Gauchito Gil, mistura de figura mitológica e religiosa popular no país. Mattos conta que parou em um desses altares para pedir que o vento diminuísse e garante que seu pedido foi atendido meia hora depois. Talvez seja o maior confronto de visão entre os dois amigos: para Mattos, Baskerville é demasiado cético e, por isso, nunca confirmou a ninguém a versão do companheiro de estrada. “Ao contrário, ele nega que tenha acontecido.”

Segundo Fernando Fecchio, que Baskerville dirigiu em A Geladeira, peça do teatro grotesco escrita pelo argentino Copi (1939-1987) e que tem como protagonista um homem em confronto com uma vida solitária, o diretor “tem muito amor pelo trabalho, se envolve muito com as pessoas e abre um diálogo muito franco com os atores e toda a equipe, que em geral é sempre a mesma”, diz. “Isso enriquece demais o trabalho. O rigor acaba aparecendo como uma consequência, porque todos se contagiam”, elogia.

Para Aldine Müller, a paciência é uma qualidade inegável do diretor. “O Nelson é ator. Por isso, diferentemente de outros diretores, que apenas passam para o ator o que eles imaginam do trabalho mas não o levam propriamente até o re­sultado que esperam, o Nel­son vai te conduzindo, vai te propondo exer­cí­cios e especificando pacien­te­mente o que ele pretende”, diz.

No depoimento de Fecchio está contida uma qualidade que talvez atravesse todos os trabalhos de Baskerville. Em sua trajetória, não só de artista, mas de professor, ele agregou pessoas, gêneros, estéticas, situações. Do caos e da inquietação, puxa um fio condutor.

 

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