Início Site Página 154

O impulso modernista de Lyrio Panicali

O maestro Lyrio Panicali em detalhe da foto impressa na contracapa do LP 'Nova Dimensão', Foto: Reprodução / Odeon

Especialmente àqueles que insistem no reducionismo do desinformado epíteto “música de apartamento” ou “música elitista”, falaremos hoje de um disco essencial para compreender que a bossa nova foi muito além do banquinho e violão. Trata-se de um cinquentão moderníssimo, Nova Dimensão, álbum do maestro Lyrio Panicali e sua orquestra, lançado, em 1964, pela Odeon.

De ascendência italiana, nascido há exatos 108 anos (sim, hoje seria aniversário dele) em Queluz, na divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro, Panicali iniciou sua formação de regente em 1922, aos 16 anos de idade, no Instituto Nacional de Música. Aos 26, como maestro e pianista, ingressou na Companhia Negra de Revistas, trupe liderada pelo ator negro Wladimiro di Roma, que marcou época no Teatro de Revista. Discorrer sobre o que depois aconteceu a Lyrio Panicali, como maestro e como compositor, demandaria um sem número de parágrafos. Vamos aqui, então, nos atentar à importância capital de Nova Dimensão.

A despeito do espectro sombrio imposto pelo golpe civil-militar de 31 de março, o ano de 1964 foi dos mais luminares para a música popular brasileira, tanto na seara da canção quanto nas produções instrumentais. O principal agente propagador desse ambiente fértil, claro, era a recém-criada bossa nova. A partir do canto sussurrado de João Gilberto e do horizonte de infinitas possibilidades harmônicas impostas pelo violão divisor do baiano, a geração impactada pela bossa partiu em busca de outras grandes experimentações.

Capa do LP “Nova Dimensão”. Foto: Reprodução / Odeon

Não por acaso, muitos dos álbuns lançados depois de Chega de Saudade (1959) expressavam, desde o título, um singelo adeus ao saudosismo musical e mantinham olhos e ouvidos fixos no para-brisa do futuro. Caso de Novas Estruturas, de Luiz Carlos Vinhas, Flora é M.P.M (sigla para Música Popular Moderna), de Flora Purim, A Nova Dimensão do Samba, de Wilson Simonal (que contém sete arranjos de Panicali), Samba Esquema Novo, de Jorge Ben, Samba Pra Frente, do Samba Trio e A Hora e a Vez da M.P.M., do Rio 65 Trio de Dom Salvador.

Quando lançou o álbum Nova Dimensão, partindo das direções exploradas por combos inaugurais do samba-jazz (ou bossa-jazz), como o Tamba Trio, o Bossa Três, o Sexteto de Jazz Moderno e o Sambalanço Trio, outra experimentação no formato big-band, com repertório bossa nova e de grande relevo, já havia sido feita por Panicali no álbum A Revolução, da Orquestra Brasil Moderno (Odeon, 1963).

Na ocasião, o compositor Chico Feitosa não poupou elogios ao maestro: “De um gênio muito se fala, muito se elogia. E Lyrio Panicali é um gênio, que pouco se fala, que pouco se elogia. Um homem que transmite poesia, beleza e técnica dentro de suas criações harmônicas. Só posso dizer que tudo nasce num som diferente dos acordes deste gênio que é Lyrio Panicali”, referendou Feitosa na contracapa do LP.

Enfatizando o frescor do “irresistível impulso modernista” de Panicali – frase expressa por Gilberto Miranda no verso de Nova Dimensão – o repertório do álbum trouxe releituras instrumentais extraídas da nata do cancioneiro bossanovista. Estão nele, entre os 12 temas, Consolação, de Badden Powell e Vinicius de Moraes, Batida Diferente, de Maurício Einhorn e Durval Ferreira, Balanço Zona Sul, de Tito Madi, Lobo Bobo, de Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli, e Deus Brasileiro, dos irmãos Paulo Sérgio e Marcos Valle.

Há quem insista também na tola teoria de que a bossa nova teve vida efêmera e que ela foi capitulada por consequência dos adventos da jovem guarda e do tropicalismo. Provando o contrário, álbuns como A Revolução e Nova Dimensão fizeram escola e resultaram em obras lançadas, nos anos seguintes, sob a batuta de outros grandes regentes como o primoroso O Som Espetacular da Orquestra de Carlos Piper (Continental, 1965), do regente argentino, e álbuns que se apropriavam de sucessos radiofônicos, exemplo de Big Parada, do trompetista Formiga e Sua Orquestra (Elenco, 1970), e Explosivo! (London, 1970), do maestro Nelsinho.

O maestro Lyrio Panicali em foto de arquivo pessoal extraída da página oficial mantida no Facebook por sua sobrinha, Rosa Maria Panicali.

Por essas e outras, não somente hoje, no dia de seu aniversário, faz-se necessário preservar e reverenciar a memória desse maestro fundamental chamado Lyrio Panicali. Sobre ele, um certo Tom Jobim deu o seguinte depoimento, em 1963:  “Este movimento atual que se vê na música popular brasileira deve muito a Lyrio Panicali. Não é de hoje que o meu querido maestro vem lutando pela evolução de nossa música popular. Entre seus muitos fãs havia um que se chamava Heitor Villa-Lobos. Lyrio põe muito amor em tudo que faz e por isso mesmo é muito procurado. Sempre foi um boa praça e me recebeu de braços abertos quando bati a sua porta em busca de ensinamentos. E, talvez por dar muito de si aos outros, recebeu esta graça: alma aberta ao que é novo e o talento necessário para ser Lyrio Panicali”

Boas audições e até a próxima Quintessência!

Originalmente publicado no site da revista Brasileiros em 26.6.2014

Ouça o álbum Nova Dimensão

Maior exposição de arte contemporânea africana inaugura em São Paulo

Kudzanai Chiurai Genesis [Je n'isi isi] III 2016 Pigment inks on premium satin photo paper Image: 130 x 140 cm; Paper 142.4 x 152.4 cm Edition of 10

A África é lembrada pelo sofrimento. Colonização, pragas, fome, segregação, inúmeros adjetivos de um continente abalado. Não obstante, parece importante observar que há movimentos na arte contemporânea que vem buscando, de forma notavelmente expressiva, trazer a tona séculos de identidade.

Nessa toada, a cidade de São Paulo recebe sua maior exposição de arte contemporânea africana, com 18 artistas do continente e dois brasileiros afrodescendentes. Em cartaz no CCBB, Centro Cultural Banco do Brasil, no centro da cidade, as montagens somam 90 obras, espalhadas pelos andares do prédio.

Ao todo, quatro eixos temáticos dão vida à exposição: Ecos da História, Corpos e Retratos, O Drama Urbano e Explosões Musicais. No último andar da exposição, por exemplo, há uma sala cuja montagem remete à cena musical popular nigeriana com afrobeat, dividido por sua vez em: Poder, Sexo, Riqueza e Religião.

Davido feat. Olamide “The Money”
Davido feat. Olamide “The Money”

Diferente da Europa e América do Norte, muitos dos países do continente africano encontram dificuldades para levar a conhecimento artistas e suas obras. As poucas oportunidades e baixos investimentos têm mantido muitos às margens. É o caso de Ibrahim Mahama, de 31 anos, nascido em Gana. Para expor em galerias ao redor do mundo, Mahama venceu adversidades que vão da própria falta de infraestrutura da cidade em que vive à ausência de curadores, críticos, galeristas e mesmo colegas artistas profissionais.

Alfons Hug, curador e idealizador alemão,  enfatiza que a exposição tenta mostrar a força que está por trás da realidade histórica africana, de divisões raciais, tribais e econômicas e que aparece nas obras do atual panorama artístico.

Ibrahim Mahama Non-Orientable Nkansa 2017 (screen res) 3
Ibrahim Mahama Non-Orientable Nkansa 2017 (screen res) 3

Para ele, artistas como Mahama são essencialmente aquilo que se deve buscar para compreender a importância do intercâmbio cultural direto e simbólico entre os países do continente e o Brasil. “O que conta, em última instância, é arte e seu artista. Ibrahim, por exemplo, além de ser provavelmente o único artista profissional de sua cidade [Accra], ele também é muçulmano. E isso é incrível considerando a história de muçulmanos com a arte contemporânea”, apontou o curador. Ele faz referência à preceitos religiosos e conservadores que tem colaborado, nos países de maioria musulmana, com a sua entrada tardía na arte contemporânea.

Afro-brasileiros

Entre os 20 artistas em exposição no CCBB estão dois brasileiros, afrodescendentes, Arjan Martins e Dalton Paula. Ambos foram convidados pelo curador, para uma residência, no bairro Brazilian Quarter, na Nigéria, onde pesquisaram e desenvolveram trabalhos. Esta região foi povoada por africanos e seus descendentes que, após a abolição legal da escravatura no Brasil, deixaram o país e voltaram para a Nigéria.

Arjan Martins - Fotos da fotógrafa: Ayesca Borenstein Ariza
Arjan Martins – Fotos da fotógrafa: Ayesca Borenstein Ariza

Há, nas obras de artistas brasileiros grande contribuição cultural dos países do continente, em especial a Nigéria, dada a experiência de ambos no encontro com a ancestralidade durante seus estudos.

Para Hug, este é um bom momento para expor a pluralidade africana. “Existe maior valorização da arte africana e afro-brasileira, porque a presença negra nessa cultura vem aumentando em quase todos as áreas”, disse o curador.

33ª Bienal de São Paulo reúne Péres-Barreiro e sete artistas-curadores

Rodtchenko
Rodtchenko

A cada edição, a Bienal de São Paulo tenta introduzir novas formas de pensar o evento. Se, em décadas passadas, parte do quebra-cabeça consistia em atrair artistas estrelados do mercado internacional, hoje o desafio, é criar conceitos inovadores.

Nesta edição, tudo será feito a partir de um “sistema operacional” alternativo, segundo o curador geral, o espanhol Gabriel Pérez-Barreiro. A mostra se organiza com doze projetos individuais, além das mostras coletivas idealizadas por sete artistas – curadores.

A ideia não é nova, já foi experimentada, em uma outra versão pelo crítico, historiador e curador, Walter Zanini, na mesma Bienal de São Paulo, em 1981. A diferença é que desta vez a participação de artistas-curadores é mais explícita e metódica.

Ao escolher artistas interessados nos seus próprios contextos criativos, Pérez – Barreiro evita armar a exposição por seções, vetores ou qualquer outra denominação e se lança numa experiência curatorial múltipla. Uma variante desse formato também funcionou na Bienal dos Jovens de Paris, em 1969, sob a regência de Jacques Lassaigne, concebida sob o signo de comunas com trabalhos em equipe e obras coletivas, surgidas na esteira de Maio de 1968, que se mimetizavam com o trabalho do curador geral. Além da colaboração dos artistas na curadoria, a participação no evento francês contou com Frank Popper e sua Oficina do Espectador, onde todos os visitantes também se tornavam curadores, dando à Bienal Jovens de Paris forte sentido experimental. Infelizmente a mostra francesa fechou suas portas em 1985.

O tema da 33ª Bienal de São Paulo, Afinidades afetivas é retirado do livro de Goethe, Afinidades Eletivas, de 1809 e refere-se também à tese Da Natureza Afetiva da Forma na Obra de Arte, de 1949, do crítico Mario Pedrosa.

Os artistas escolhidos, com projetos comissionados pela exposição, vão de Tamar Guimarães a Vânia Mignone, passando por Alejandro Corujeira, Bruno Moreschi, Denise Milan, Luiza Crosman, Maria Laet, Nelson Felix. Bienais gostam de resgatar obras relacionadas a um fato político social polêmico. O trabalho da vez é de Siron Franco, um dos nomes recorrentes da Bienal, que retorna pela sétima vez ao Ibirapuera, agora com o polêmico Césio/Rua 57, sobre o acidente ambiental, que aconteceu em Goiás com centenas de vítimas, todas contaminadas pelas radiações emitidas por uma cápsula com césio-137.

Entre as exposições/homenagens estão as do guatemalteco Aníbal López, do paraguaio Feliciano Centurión e da brasileira Lúcia Nogueira, residente no Reino Unido.

Com percepção colaborativa, esta edição convida artistas-curadores que trabalham juntos pela primeira vez. Além dos doze projetos individuais, eles são responsáveis pelas exposições coletivas. Alejandro Cesarco  se concentra em artistas que trabalham sobre tradução e imagem; Antonio Ballester Moreno propõe diálogo de sua obra com referenciais sobre história da abstração e relação com a natureza, pedagogia e  espiritualidade; Claudia Fontes ativa questões envolvendo relações entre arte e narrativa; Mamma Andersson faz reflexão sobre figuração na tradição da pintura, desde a arte popular à arte contemporânea; Sofia Borges prepara pesquisa sobre a tragédia e a forma ambígua; Waltércio Caldas desenvolve  reflexão histórica sobre a forma e a abstração e Wura-Natasha Ogunji enlaça artistas que trabalham com proximidade e compartilham questões sobre identidade e a diáspora africana.  Ainda compõem a equipe da 33ª Bienal, Alvaro Razuk (arquitetura), Lilian L’Abbate Kelian e Helena Freire Weffort (educativo), Fabiana Werneck (editorial) e Raul Loureiro (identidade visual).

A 33ª Bienal de São Paulo poderá ser conferida de 7 de setembro a 9 de dezembro de 2018, no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera.

A culpabilização das vítimas como rota de fuga

Rovena Rosa/Agência Brasil_02/05/2018
Rovena Rosa/Agência Brasil_02/05/2018

Por Cilene Victor*

Como pesquisadora, tenho evitado comentar ou escrever sobre tragédias ou desastres, sobretudo por duas razões.

A primeira é porque essas ocorrências, em sua maioria, raramente são inevitáveis e tampouco desconhecidas, como o desabamento do prédio no Largo do Paissandu, que servia de moradia precária para mais de 140 famílias. Falar sobre um desastre, sobre uma tragédia, significa dizer que a esperamos chegar.  

Essas tragédias têm sido construídas ao longo da história, resultado da iniquidade social que define todo o resto da história. A especulação imobiliária, com seus projetos de gentrificação, e a omissão do Estado empurram as famílias mais pobres para as áreas com maior risco de ocorrência de desastres relacionados a enchentes, inundações e escorregamentos de terra.

Para se ter uma ideia, de acordo com os números da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, SEDEC, órgão do Ministério da Integração Nacional, nos últimos cinco anos, o país reconheceu uma média anual de 2.400 desastres. E aqui estão somente aqueles que demandaram decretação de situação de anormalidade, como situação de emergência ou estado de calamidade pública. O número de ocorrências, portanto, é muito maior.

Os desastres e as tragédias, como a do Largo do Paissandu, acontecem todos os dias, mas seguem invisíveis midiática e politicamente.

A segunda razão que tem me levado a evitar o tema das tragédias e dos desastres é a atmosfera típica de um cenário de grande apelo midiático e, consequentemente, político, ainda mais em ano eleitoral.

Enquanto as vítimas são atendidas em tendas ou barracas improvisadas por voluntários e instituições humanitárias, e o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil trabalham em busca de sobreviventes, muitos veículos de comunicação querem uma resposta que poderia ser dada depois. Os primeiros momentos de uma tragédia demandam esforços para reduzir as perdas, os danos e o sofrimento das vítimas. Isso porque os culpados estão nas linhas anteriores. São todos aqueles que contribuem para a construção social dos riscos e pelas estatísticas dos desastres e das tragédias.

Com medo das perguntas da imprensa e da crítica da opinião pública, os políticos recorrem ao recurso mais perverso para a blindagem de sua imagem: o dedo em riste na cara de quem já perdeu tudo e ainda assim é apontado como culpado pela tragédia social que culminou com o desabamento do prédio.

Enquanto boa parte do mundo tenta humanizar o atendimento às vítimas, aqui os políticos preferem andar na contramão, rasgando protocolos, agendas e marcos globais adotados ou ratificados pelo país.

O velho recurso da culpabilização das vítimas não apenas foi usado pelo governador Márcio França, como pelo seu adversário, João Doria. A pior rota de fuga.

Poderia associar a fala dos dois à pressão que uma tragédia gera nas instituições que deveriam evitá-la, mas essa pressão não pode ser responsável pelos tropeços ético, moral e humano.  

França e Doria avançaram um sinal e entraram pela porta dos fundos, não da tragédia, mas de um mundo que não pode mais tolerar, sobretudo num cenário de dor, a perpetuação da violação de direitos por parte de quem não os garantiu.

França e Doria tentaram desenhar o perfil dos moradores de ocupações irregulares, mas ambos apenas conseguiram desenhar o perfil dos gestores que são e prometem ser. Nenhuma pressão seria suficiente para afastar um gestor da função que ele deve assumir em cenários de desastres e tragédias. A eles não faltaram apenas preparo e lucidez, faltou humanidade.

Esqueci de escrever lá no começo, mas a atitude ultrajante de alguns gestores públicos é a terceira razão que me faz evitar escrever sobre desastres e tragédias. Recordar a fala deles me dá a certeza de que a tragédia ainda não começou para a maioria das vítimas do Largo do Paissandu.   

 

Jornalista das áreas de ciência e meio ambiente. É professora titular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão Territorial da Universidade Federal do ABC-UFABC, onde atua como pesquisadora dos laboratórios de Gestão de Riscos – LabGRIS e de Justiça Territorial – LabJuta. É doutora em Saúde Pública pela USP, mestre em Comunicação Científica e Tecnológica e especialista em Comunicação Aplicada à Saúde, ambos pela UMESP.

Agenda: confira os destaques da semana 28 de abril a 4 de maio

Aproveite o feriado para visitar algumas das mais importantes exposições e outras atividades do mundo da arte em São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Belo Horizonte… E (por que não?) Nova Iorque. Na capital paulista, o Sesc inaugura nova unidade, que já apresenta exposição de Bill Viola. Chega à unidade paulistana do Centro Cultural Banco do Brasil a exposição Ex-África. Em Belo Horizonte, a primeira edição da feira ArteBH promete ser um farol do mercado. Confira a agenda completa abaixo:

Próximo à Casa das Rosas e a Japan House, o prédio do Sesc Avenida Paulista tem 17 andares.

Sesc Avenida Paulista, inauguração da unidade, no dia 29/4

Com expectativa de receber cerca de 18 mil pessoas por semana, o Sesc Avenida Paulista nasce com vocação para atividades de corpo, arte e tecnologia. O prédio conta com salas de espetáculos e oficinas culturais, espaço de exposição e para práticas físicoesportivas, clínica odontológica, espaço de brincar, biblioteca, comedoria e outros equipamentos presentes nas unidades do Sesc, exceto ginásio e piscina. Já na estreia, a unidade apresenta a exposição Visões do Tempo, do pioneiro da videoarte Bill Viola.

Bill Viola, Chapel of Frustrated Actions and Futile Gestures (Capela de Ações Frustradas e Gestos Fúteis), 2013

Arjan Martins, ‘O triângulo do Atlântico’.

Ex-África, coletiva no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, abertura em 28/5.

Exposição, já apresentada em Belo Horizonte e Rio de Janeiro, que traz ao CCBB pela primeira vez um grande e essencial panorama da arte contemporânea do continente e da identidade da África moderna, marcada por uma diversidade de encontros culturais e interações, por processos de intercâmbio e aculturações, através da recente produção de 18 artistas, vindos de 8 países africanos. A eles se juntam também dois artistas afro-brasileiros, Arjan Martins e Dalton Paula.


QUANDO QUEBRA QUEIMA, coletivA ocupação. Foto por Marília Scharlach

QUANDO QUEBRA QUEIMA, peça-performance na Casa do Povo, de 4 a 13/5.

Frutos da primavera secundarista, 14 corpos insurgentes deslocam para a cena a experiência dentro das escolas ocupadas, criando uma narrativa coletiva e comum a partir da perspectiva de quem viveu intensamente o cotidiano dentro do movimento.


Emmanuel Nassar 81-18, individual na Pinacoteca, até 2/7

Com sua produção, Nassar provoca reflexões sobre o “erudito” e o “popular”. Suas pinturas e objetos estão marcados por interações aparentemente banais: das logomarcas pintadas em fachadas de rua à geometria rigorosa que remete ao concretismo brasileiro; da pintura popular do circo e do parque de diversões que circula o país à ironia da arte-pop americana. Além disso, o uso de símbolos como a bandeira nacional, a logomarca da Coca-Cola e a referência à Hollywood estão também presentes sem hierarquias, mas apresentadas com um senso de humor irônico.


Aleijadinho, ‘Nossa Senhora das Dores’, século XVIII

Imagens do Aleijadinho, individual no MASP, até 3/6

A exposição reúne 37 esculturas devocionais cuja autoria foi atribuída ao Aleijadinho ou a sua oficina por diferentes especialistas ou pela tradição em diferentes momentos. Essas obras pertencem a acervos de museus, igrejas e coleções particulares. Chama-se “escultura devocional” à imagem destinada à veneração direta do fiel, em contexto público ou privado, diferenciando-a, na totalidade das obras do Aleijadinho, da escultura monumental e das imagens inseridas nos conjuntos de talha ornamental. A mostra tem curadoria de Rodrigo Moura.


Johann Moritz Rugendas, ‘Fête de Ste. Rosalie, patrone des négres’, 1835.

O Rio do Samba: resistência e reinvenção, coletiva no Museu de Arte do Rio, abertura em 28/4.

A mostra é dividida em três momentos: “Da herança africana ao Rio negro”, “Da Praça XI às zonas de contato” e “O Samba Carioca, um patrimônio”. A mostra terá como espaço principal o terceiro andar da instituição, área dedicada a investigar a história do Rio de Janeiro, mas também ocupará os pilotis e a Sala de Encontro. Mais de 800 itens, entre pinturas, fotografias, documentos, objetos, vídeos e instalações compõem “O RIO DO SAMBA“. A curadoria é de Nei Lopes, Evandro Salles, Clarissa Diniz e Marcelo Campos.


Willy Ronis, ‘La Chanson du Chat’, 1994

ArteBH, feira de Arte em Belo Horizonte, a partir de 3 de maio.

Em sua primeira edição, a ArteBH já reúne 20 das mais interessantes galerias de arte do país. Dez são de Belo Horizonte e integram o 10Contemporâneo, grupo das mais respeitadas galerias da cidade. As demais vém de todo o Brasil. Em conjunto, apresentarão obras de artistas consagrados e jovens talentos, trabalhos inéditos e outros raros, peças únicas e edições limitadas. São mais de 200 obras expostas.

 


Torbjørn Rødland, ‘Dry Faucet no. 3’, 2016 – 2018.

Frieze Art Fair, feira de arte em Nova Iorque, a partir de 3 de maio.

Uma das feiras de arte mais visadas do mundo, a Frieze Art Fair apresenta nova curadoria este ano e promete ser, de acordo com a diretora Victoria Siddall, “uma experiência fresca e excitante”. Este ano, a feira faz uma homenagem ao excêntrico marchand Hudson, que terá uma fundação para a arte lançada em seu nome.


 

Seleta crômica e objetos: 20 anos de Tony Camargo

Tony-Camargo-VP15-2012-Vídeo-digital-30’’.jpg

A exposição de Tony Camargo no Museu Oscar Niemeyer (MON) de Curitiba é uma espécie de cartografia das rotas que sua pintura trilhou em duas décadas, em que a cor se impõe na temporalidade de sua obra. O tempo é o desafio do artista curitibano, cujo trabalho transcende o simples estágio da pintura que já percorreu caminhos variados tangenciando a estética da publicidade.

Uma das tentativas do artista é integrar a pintura a um universo em que a multidisciplinaridade de recursos técnicos possa colocar ao seu alcance todos os meios e efeitos que consiga captar. Desde seu início na pintura, Tony Camargo já explorava as possibilidades combinatórias de cores em obras construtivas e cromáticas, no humor popular, sem intenção de chegar ao comics, mas centrado na preocupação espacial e na linguagem.

A realidade como jogo de armar e a irrupção de linguagens nas dobras do cotidiano são parte da ficção inventada por ele. Pinturas, desenhos, fotografias, vídeos e objetos formam uma antologia, combustível que move Seleta Crômica e Objetos, exposição ampla que abarca 20 anos de arte. “As frentes de operação de Tony Camargo sempre surpreenderam pelo inesperado de suas estratégias de revigoramento da percepção visual num mundo saturado de imagens fotográficas, televisivas e digitais de toda espécie”, escreve Paulo Herkenhoff em um texto para o catálogo da mostra que ainda inclui autores como Arthur do Carmo e Artur Freitas”.   O alcance desse laço, entre o artista e as linguagens que o habilitam, é evidente por toda a mostra. Em sua trajetória, a cor abre veios precisos no rio caudaloso que se alinha e se distancia de uma produção, que ora se mistura à lógica da publicidade com o uso de cores e signos sem restrições, ora mergulha no suburbano. Os vídeos, discursos complementares nessa busca de linguagens reveladoras se aproximam do caos urbano, mexem e remexem o excedente da sociedade e trabalham com os resíduos em performances intermitentes que nascem, em sua maioria, em espaços públicos.

A exposição não compartimenta nenhuma de suas fases, ao contrário, faz com que tudo se conecte, numa analogia de linguagem, com diálogo permanente. Tony Camargo começou na arte com o interesse na transposição de objetos de um lugar para o outro, influenciado por artistas como Duchamp, Cildo Meireles, Waltércio Caldas e fortemente comprometido com o espírito da pintura. “Quando buscamos problemas internos pictóricos, de alguma coisa já elaborada, chegamos a algo novo e é isso o que mais me interessa”.

Tony-Camargo, Baralhos, 2002, dimensões variáveis.
Tony Camargo, 2016_Laca, nitrocelulose, pasta e-tinta acrilica sobre MDF.

As pinturas de Tony Camargo são de superfície limpa, densas na leitura de composições e seus vídeos/performances se aproximam do mundano. De alguma forma seus trabalhos têm ingredientes políticos o que para ele é um valor intrínseco na obra de arte. “ A forma como vejo o mundo, como trabalho os objetos, como me relaciono com o cotidiano. A publicidade também é uma ferramenta política e eu faço uso dela”.

Tony Camargo, 2010 impressão inkjet sobre tela aplicada em poliestireno

Muito de seu trabalho tem a ver com a admiração confessa pela obra de Philip Guston, expressionista abstrato norte-americano que dizia: “a pintura é impura, e é o ajustamento de `impurezas´ que força a continuidade da pintura”. Apesar de, em alguns momentos, seus desenhos tangenciarem o quadrinho, ele nega essa influência. “Também não vi muitos grafites, só muitas pinturas”. Seus vídeos trazem uma forte carga performática e é com ela que cria objetos. Na grande sala do MON os vídeos, com transbordamentos de imagens, se mimetizam em pinturas e os sons dos diversos monitores se misturam com as tintas das pinturas. Os “ruídos” estão todos identificados e a ideia é fazer uma pintura que se junte a eles, embora cada peça tenha a sua autonomia. As imagens estão ligadas ao real, assim como todos os objetos do mundo, embora haja uma relação entre eles. Tony Camargo “performa” em terrenos baldios cheios de entulhos e esses resíduos tornam-se sua matéria prima.

A expografia de Seleta Crômica e Objetos não separa os vídeos das pinturas, trabalha com a complementaridade. A exposição que abarca duas décadas também mostra algo novo para o artista. “Agora, diante de tantas obras e com possibilidade de um distanciamento crítico, me coloco como espectador. A exposição faz relações que eu não via em separado, mostra novas coisas, novas possibilidades”. Quando um artista está no processo de produção ele não se dá tempo para refletir a obra. “Em uma galeria, trabalhamos em um campo mais restrito, é mais difícil de se ter uma visão mais global da produção, diferente de um espaço de museu. Em ambientes amplos, acabo atuando também como curador, escolhendo obras para colocá-las onde e como quero”. Alguns trabalhos foram reeditados para essa mostra. “Há peças com acabamento industrial que, ao longo dos anos, sofreram avarias ao serem transportadas de um local a outro”.

A extensa exposição contempla jogos de luminosidade, planos colorísticos e obras de intensa experimentação. “Há séries que estão representadas por nove obras, mas no total elas chegam a somar 70 trabalhos”. O artista está ligado ao discurso social e confessa que esse momento político de censura sobre a produção artística naturalmente afeta seu trabalho. As manchas, o lixo, o caótico, como estridências sociais estão presentes em várias obras sobre as quais ele tenta uma ordenação do que está fora do controle.

 

Serviço

“Seleta Crômica e Objetos”, de Tony Camargo

Até 1° de julho de 2018 – Sala 2

Dias e horários especiais

Toda quarta gratuita com programação especial: 10h às 18h

Primeira quinta do mês: horário estendido até 20h, gratuito após as 18h.

 

Muito além da “boniteza”

Rogério Assis e Ciro Girard lançam Mato? , publicação com fotos de Rogério e direção de arte de Ciro, uma bem vinda provocação que confronta a beleza à destruição, a insensatez à consciência, a vida e a morte e o verbo ao substantivo do título. Segundo livro deles que em 2013, pela Terceiro Nome,  publicaram Zo’ é, Mato? é fruto de uma idéia surgida há dois anos e foi viabilizado por cinco patrocinadores, Caito Ortiz, Diana Vanni, Heinz Gruber, Maru Whately e Roberta Maiorana.

Para Rogério Assis, fotógrafo que nasceu em Belém, notável polo de fotografia contemporânea, a obra, mais que um livro de fotografia, é um trabalho ambiental:

“Aqui a fotografia é uma ferramenta. É um trabalho de conscientização ambiental. De tentativa, pelo menos. Eu uso a fotografia porque é o que eu sei fazer. Se  fosse músico talvez fizesse uma canção, se fosse pintor pintaria um quadro. Mas sou fotógrafo então a minha ferramenta é a fotografia”, diz o autor.

Mato? não tem preocupação autoral.” continua ele.  “Quando você olha as imagens percebe que são imagens comuns. Praticamente fotos de bancos de imagens. A diferença é que a gente faz uso delas para formular o discurso ambiental. “

Rogério vai além: “Eu não estou preocupado com a ‘boniteza’ das imagens. A foto bonitinha se esgota aí. Ela é bonita mas daí pra frente não tem mais nada. Eu não estou preocupado com isto tanto que muitas das imagens foram feitas através de janela de avião, algumas têm pedaço desfocado, em outras a cor não é perfeita porque a janela atrapalha, mas a mensagem, que é o que nos importa, esta sim, está dada. Cada página dupla do livro, com suas fotos, é uma coisa interligada e o conjunto dessas páginas duplas  se traduz na mensagem que queremos passar. “

O fotógrafo faz trabalhos para organizações como o Greenpeace e o Instituto Sócio Ambiental e viaja bastante pela Amazonia – além de ter nascido lá – portanto tem muito material fotográfico da região e o livro segue o caminho da busca do contraponto preservação/destruição com o intuito de amarrar isto plasticamente. Idéia de Ciro Girard,  o diretor de arte, com o qual Rogério concordou:

“Eu comecei a separar esta coisa legal que é a grandiosidade do meio ambiente e a coisa triste que é sua destruição. O discurso, a ideia do livro era mais ou menos fazer este contraponto entre a preservação e a destruição e aí o Ciro veio com a idéia de amarrar este contraponto plasticamente. Fazer as imagens conversarem. Não simplesmente pegar a foto de mato e a de destruição. Mas sim que estas imagens tivessem uma conversa plástica entre elas. Se não houvesse este diálogo talvez tudo passasse batido, como se fosse apenas mais um discurso contra o desmatamento da Amazonia. E nós não queríamos banalizar o discurso. A gente queria que houvesse uma força visual que provocasse o leitor.  Partimos de mais de novecentas fotos, quase mil, para chegar nestas 58 “, diz ele.

Com relação ao excesso de  preocupação autoral Rogério Assis aponta para uma inversão de finalidade: “Essa coisa de “autoralidade” na fotografia, essa preocupação em ser autor, é algo que tem me incomodado. Uma coisa que eu já busquei lá atrás quando comecei.   Hoje começa a se dar mais importancia a essa noção de autor do que ao objeto, ao assunto que se está cobrindo, fotografando. O que aconteceu no Brasil a partir do  momento que o Mauricio Lima, por exemplo, com aquele trabalho humano, lindo, maravilhoso sobre a guerra, ganhou um prêmio (ele ganhou o Pulitzer, em 2016), de repente a guerra virou objeto de desejo de muitos fotógrafos e o cara vai lá fazer foto pra premio. O sujeito não está preocupado com a questão do que move aquela guerra. Também padecem do mesmo mal o meio ambiente, a questão indígena, etc. São questões sensíveis à maioria das pessoas e que muita gente acaba se aproveitando desta sensibilidade para criar um discurso falso em cima do assunto. Acho até um pouco desonesto você estar mais preocupado com seu próprio trabalho do que com a questão importante com que você está lidando. A meu ver importa que o que você faz mobilize para uma conscientização sobre aquilo que você está cobrindo seja guerra, meio ambiente, a questão indígena ou o drama dos refugiados. Seja lá o que for. O objetivo é criar consciência sobre o assunto. Não é o cara chegar e olhar a foto e falar que lindo, que lindo! E daí? O que você faz com isto? Existe uma confusão muito grande entre fotografia ambiental e fotografia de natureza. Fotografia ambiental é o uso que você faz da fotografia.“

Rogério Assis nasceu na década de 60 e nos anos de 1980 frequentou as primeiras oficinas de fotografia de Miguel Chikaoka em Belém, onde também fez trabalhos para o Museu Emilio Goeldi e para a Funai. Em São Paulo trabalhou na Angular, na Agência Estado, na Folha. Morou em Nova York, onde trabalhou no ICP, International Center of Photograpy. Criou a Editora Mandioca onde publicou a revista Pororoca. Também participou de  publicações da Editora BEI. Até onde se sabe, foi o primeiro fotógrafo a registrar os Zo’é – povo de língua tupi que habita o noroeste do Pará, trabalho publicado em 2013, pela Editora Terceiro Nome, também com direção de arte de Ciro Girard.

Mato? É editado pela Editora Olhavé, tem 116 paginas, capa dura, impressão offset em papel alto alvura 150g, tiragem de 500 exemplares. São 58 fotos editadas em 29 dípticos. Custa R$ 90,00 e pode (e sendo possível, deve, porque além e apesar de tudo o que Rogério Assis defende nesta entrevista, o livro é muito bonito ) ser comprado no site loja.olhave.com.br.

*Hélio Campos Mello é fotojornalista. Co-Fundador da Brasileiros Editora Ltda.

 

A pornografia surgiu em um museu

Arelação entre pornografia e museu teve início em fins do século 18, portanto muito distante do debate público instaurado a partir da exposição “Queer Museu”, no Santander de Porto Alegre, que prosseguiu com o Panorama, no MAM, o Museu de Arte Moderna, de São Paulo, e, mais recente com a mostra “Histórias das Sexualidades”, no Museu de Arte de São Paulo, o MASP. Em cada um desses locais, especialmente nos dois primeiros, o debate teve uma máscara de pós-verdade, já que as acusações em ambas as mostras eram de apologia a zoofilia e pedofilia, o que era um evidente exagero.

Já no Masp, a direção do museu preferiu sair na frente do debate, ela mesma já considerando a mostra proibida a menores de 18 anos, mesmo com a presença dos pais, uma proteção exagerada, concebida por advogados, conselheiros externos à instituição.

Estes episódios, ao longo de 2017 e começo de 2018 continuam, mesmo que subliminarmente, pairando no ar e orientando decisões de curadores e diretores de instituições.

Não é a primeira vez que sexo é escondido em museus. Quando das escavações em Pompéia, na Itália, entre 1755 e 1857, em que surgiram os afrescos e objetos com conteúdo sexual, espalhados pela cidade inteira, e não apenas confinadas em câmaras nupciais, as autoridades deram-se conta que precisavam reunir essa coleção de alguma forma. Por isso foi criado o Museu Secreto, por ordem de Carlos III de Bourbon.

Essa história é contada por Paul Preciado, no Caderno VB “Alianças de Corpos Vulneráveis”, editado pelo peruano Miguel López, já há dois anos. Esse texto, “Museu, lixo e pornografia”, faz parte agora de uma compilação publicada pelo Museu de Arte Latino-americana, o Malpa, no início desse ano, intitulada “El museo apagado” (o museu apagado). Mais atual, impossível. O pequeno livro reúne três ensaios de Preciado, entre eles o que conta a história do Museu Secreto. “De acordo com o decreto real, somente homens da aristocracia – nenhuma mulher, nenhuma criança, ninguém das classes populares – podiam ter acesso ao espaço”, relata o ensaísta, encarregado do programa publico da documenta 14, Parlamento dos Corpos.

Foi nesse contexto, segue ele, que “o historiador alemão C.O.Müller usou, pela primeira vez, a palavra ‘pornografia’ para se referir aos conteúdos do Museu Secreto”. Portanto, é confinada e dentro de um museu que surge ideia de pornografia, criando uma narrativa torpe sobre sexualidade, o que certamente tem uma relação com as manifestações histéricas contra as mostras realizadas no Brasil. Parece já ter se tornado senso comum que o posicionamento do Masp não foi digno de uma instituição dessa estatura. O genial no livro do Malba está em reunir a questão da pornografia com a nova configuração dos grandes museus, no texto que encerra o volume, intitulado “El Museo apagado”. Nesse texto, Preciado aponta as atuais tendências de grande museus como o MoMA, de Nova York, ou o próprio Masp, que é “transformar inclusive o visitante local em turista da história do capitalismo globalizado”. Não por acaso, essas instituições se validam de grandes nomes, como Picasso, Van 74 Gogh ou Toulouse-Lautrec, que foi o blockbuster do ano no museu paulistano. “Este novo museu barroco-financeiro produz um significado sem história, um único produto sensorial, continuo e liso”, define Preciado.

Quem viu “Histórias das Sexualidades” percebeu como a mostra não tem libido, não tem desejo, é um sexo reduzido a pedaços de corpos. Dentro desse cenário confuso, onde manifestantes são manipulados e instituições se protegem como fortalezas, a saída parece ser uma só, ao menos para Preciado: “Apagar as luzes para que, sem possibilidade alguma de espetáculo, o museu possa começa a funcionar como parlamento de outra sensibilidade.”


El museo apagado (Colección Posmuseo)
por Paul B. Preciado
Malba, Buenos Aires, 2017
64 páginas. 19 x 13 cm.
ARS 200
tienda.malba.org.ar

“León Ferrari foi um catalisador de uma posição política forte na arte”

Convidada da conferência León Ferrari: valor de culto e valor de exposição, realizada pela Galeria Nara Roesler, https://nararoesler.art/, no auditório do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), Victoria Noorthoorn falou para o PáginaB! sobre sua convivência com Ferrari, artista argentino que morou no Brasil por quase 15 anos e suas percepções sobre a recepção da obra do artista.

Noorthoorn é diretora do Museo de Arte Moderno de Buenos Aires (MAMBA-www.museomoderno.org , e teve importante papel na participação de Ferrari na Bienal de Veneza de 2007, na qual o artista foi consagrado com o Leão de Ouro.

A conferência aconteceu no dia 12 de abril e teve apoio da SP-Arte e da revista ARTE!Brasileiros.

Além dela, a galeria Nara Roesler realiza atualmente duas exposições do artista argentino, em São Paulo e em Nova Iorque, com curadoria de Lisette Lagnado. Saiba mais sobre as mostras na matéria León Ferrari, por um mundo sem Inferno, publicada na ARTE!Brasileiros 42.

Além de Victoria, participaram do evento Regina Silveira, Pablo León de La Barra (Guggenheim), Anna Ferrari (Fundação Augusto e León Ferrari Arte e Acervo -FALFAA) e a curadora Lisette Lagnado.

O Brasil e suas grades

Central de Flagrantes de Teresinha, PI

*Pedro Ambra

Debater o encarceramento em massa pode, à primeira vista, parecer uma discussão sociologicamente secundária. Afinal, nossas ideias sobre a prisão parecem orbitar quase sempre ao redor de questões individuais ou morais, haja vista o tipo de narrativa midiática criada ao redor das prisões da operação Lava-Jato. Mais ainda, a solução de problemas sociais — tais como a violência e a guerra às drogas — encontraria sua redenção em políticas de encarceramento mais efetivas e extensas.

Independentemente das discussões e ou investimentos pragmáticos para resolver a questão carcerária no Brasil, esta tem sido uma guerra perdida. Hoje a nossa população carcerária é considerada a terceira do mundo.

Nesse contexto, apontando a insustentabilidade de um discurso ideológico falido, Juliana Borges formada em Letras na Universidade de São paulo e pesquisadora, desenvolve uma análise dos propósitos da política carcerária no Brasil em seu recém-lançado O que é encarceramento em massa? (Editoras Letramento & Justificando, 2018).

Na obra, de caráter introdutório, a autora demonstra de que forma, com a terceira maior população carcerária do mundo, o país dá a ver sua racionalidade punitivista não propriamente em relação às infrações cometidas, mas como uma forma brutal de controle social e dos corpos. Assim, indaga “Como se estabelece crime e criminoso? Como e sob quais interesses se define o que deve ser tornado ilegal e criminalizado?” (p. 21) e não se apega a respostas dadas de antemão seja pela militância, seja pela academia.

Seu primeiro capítulo apresenta os componentes ideológicos que sustentam o encarceramento, e as bases do processo histórico de construção do sistema prisional. Se o conteúdo dessa breve análise é a explicitação da naturalização com a qual o senso comum encara a lógica carcerária, sua forma começa a apresentar componentes interessantes e centrais para o propósito metodológico do livro: nele mesclam-se dados estatísticos e históricos, análises de autores clássicos, como Foucault e Althusser bem como o de intelectuais negras de peso, como Carneiro e Akotirene. Desde o início da obra, a autora se propõe a fazer uma análise interseccional, ou seja, que articule as dimensões de gênero, raça e classe de maneira dialética, sem hierarquiza-las a priori. No entanto —  diferentemente de algumas discussões atuais que tomam a interseccionalidade como objeto — a autora propõe algo notável que é eleva-la à categoria de método. Em outras palavras, Borges realiza a interseccionalidade e o faz a partir de um objeto que a princípio lhe seria alheio, o encarceramento no Brasil. Não deve causar espanto, portanto, que o livro insira-se na coleção Feminismos Plurais, coordenada por Djamila Ribeiro: acompanharemos, ao longo de seus capítulos, a construção da especificidade de sua problemática fundamental, o encarceramento da mulher negra, e todas as consequências de tal postura analítica.

O segundo capítulo pontua algumas das particularidades da escravidão no Brasil, os componentes básicos do mito da democracia racial e, principalmente, as modalidades de perpetuação do racismo, posto que “algo tão fundamental no processo de formação não some em um piscar de olhos pela simples destituição da monarquia e por pretensões modernizantes.” (p. 53) Longe de se tratar de uma discussão que alguns nomeariam como “identitária”, somos convidados a enxergar a incidência dessa análise sobre os pilares de estruturação da sociedade brasileira, seus pontos nevrálgicos e a cartografia de silenciamentos que a acompanha. Pela análise do nascimento do sistema judicial no Brasil, constatamos como as bases da lógica carcerária são inseparáveis de um projeto racista e genocida, perpetuado no coração do direito criminal e da racionalidade que o rege, mesmo após o tardio e inconcluso processo de abolição da escravidão. De escravo a vadio criminoso, o lugar social do negro muda de nome, mas não em opressão. A autora sublinha que, por meio da imigração europeia, o projeto eugenista no país teve como uma de suas chaves a incidência do branqueamento na mão de obra com impactos distintos para homens e mulheres. Ao negar-se aí a possibilidade de ascensão social pelo trabalho “mulheres negras acabaram como lavadeiras, quituteiras e empregadas domésticas, ainda sob o contexto de superexploração. Aos homens negros sobrava, portanto, o enquadramento nessas leis criminalizadoras.” (p. 79)

Mas a articulação entre gênero, raça e classe ganha seu ponto alto no terceiro capítulo, no qual é introduzida a componente contemporânea da análise: a guerra às drogas. Se, de fato, a população carcerária masculina é numericamente muito superior à feminina, a política de incremento no encarceramento incide sobremaneira nas mulheres. “Entre 2000 e 2014, houve um aumento 567,4% no contingente de mulheres encarceradas, enquanto que o aumento entre os homens foi de 220%” (p. 90), população essa composta em sua grande maioria por mulheres negras. Borges nota que esse aumento coincide com o período da aprovação da Lei de Drogas, que teve impactos diretos no encarceramento e em suas especificidades de raça e gênero. “62% das mulheres encarceradas estão respondendo a crimes relacionados às drogas, enquanto que entre os homens esse percentual cai para 26%.” (p. 98) A autora salienta que os critérios para tal enquadramento — traficante ou usuário — dão-se em função da raça e da classe e, portanto, servem aos propósitos da manutenção estrutural do extermínio da população negra.

Tal quadro desolador não impede que Borges proponha, no capítulo que fecha a obra, um verdadeiro chamado à luta e à imaginação de um futuro sem prisões. Ao retomar e alinhar-se a toda uma tradição feminista negra interseccional, a autora sublinha que só a radicalidade do pensamento e da ação que toma a mulher negra como sujeito pode promover um verdadeiro abolicionismo que liberte a todas e todos. À maneira de Mbembe e Buck-Morss, Borges proporciona uma espécie de travessia da identidade, na qual compreendemos que enquanto nossa razão, nossas emoções e as estruturas que as produzem estiverem atrás das grades do racismo e do machismo, nenhuma universalidade será possível ou verdadeira.

*Pedro Ambra é psicanalista. Doutor pela USP e pela Sorbonne Paris Cité, é autor de diversos livros e artigos sobre psicanálise, gênero e sexualidade. Colaborador da paginaB.