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Histórias Afro-atlânticas: uma arte plural, diversa e militante

Emma Ammos, Models, 1995

Neste ano comemorou-se os 130 anos da Abolição no Brasil, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888. E, no entanto, são vivas e profundas as marcas da escravidão no País. Diariamente somos confrontados com as provas concretas da desigualdade racial, seja por meio de aterradores dados estatísticos ou através de dramas reais, como o assassinato de Marielle Franco, que relembram quão profundo e arraigado é o racismo no país. Apesar da sensação de que pouco avançamos para combater tal situação, a denúncia dessa segregação persistente parece pouco a pouco esgarçar o manto da invisibilidade que recobre a questão.

Nesse processo de denúncia, reflexão e combate, a arte desempenha um papel fundamental e amplificador, apesar de insuficiente para reverter um quadro de exploração que se perpetua há séculos. Se até há pouco eram raras as exposições de artistas afro-brasileiros e africanos, ou em torno de questões vinculadas ao passado escravista e ao presente racista – e o Museu Afro Brasil (ver ao lado) parecia ser um foco essencial, mas isolado, de resistência –, vimos nos últimos tempos um florescimento de manifestações neste sentido. Somam-se a mostras históricas realizadas nos últimos anos, como Histórias Mestiças, no Instituto Tomie Ohtake (2014); Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca (2015/2016); Diálogos Ausentes, no Itaú Cultural, e SomxsTodxsNegrxs, no Videobrasil (ambas em 2017), uma quantidade considerável de exposições, eventos e reflexões poéticas sobre a situação do negro no Brasil e do mundo.

Dalton Paula, Paratudo. Garrafa, corda, planta guiné, cachaça e cortiça, 60 x 60 x 180 cm, Sé Galeria, SP

No momento, estiveram em cartaz simultaneamente na cidade de São Paulo as exposições Ex-África (CCBB), com a obra de 18 artistas contemporâneos africanos e de dois brasileiros, e a mostra de longa duração É Coisa de Preto, organizada pelo Museu Afro Brasil, com um amplo número de núcleos expositivos.

No dia 29 de junho, teve início uma grande exposição, intitulada Histórias Afro-atlânticas, concebida por uma parceria entre o Masp e o Instituto Tomie Ohtake. Reunindo aproximadamente 400 obras realizadas por mais de 200 artistas da África, do Caribe e das Américas que ocupa todos os espaços expositivos temporários do museu. Além disso, o Masp tem dedicado toda sua programação de 2018 à discussão de questões relativas à arte africana e afro-brasileira. Além de um conjunto alentado de mostras de autores negros, como as atuais exposições de Aleijadinho, Emanoel Araújo e Ayrson Heráclito, uma pequena, mas significativa mudança foi feita em sua exposição permanente, colocando nessa coleção fortemente eurocêntrica uma nova tônica e dando destaque – a partir do segmento dedicado à arte moderna – à representação dos negros e à produção de artistas afro-brasileiros.

Histórias Afro-atlânticas terá oito diferentes núcleos. O primeiro deles, Mapas e Margens já sinaliza, segundo a curadora Lilia Schwartz, a perspectiva múltipla, plural, adotada pela equipe curatorial. “Nesse rio chamado Atlântico circularam símbolos, religiões, formas de produzir e sobretudo pessoas”, destaca ela, relembrando a importância de autores como Pierre Verger e Alberto da Costa e Silva (autor da metáfora do Atlântico como um rio) para o desenvolvimento deste projeto, que envolveu três anos de pesquisa e dois seminários internacionais.

A mostra trouxe em seus diferentes núcleos abordagens históricas e contemporâneas, antropológicas e estéticas, aspectos que foram aprofundados tanto no catálogo como no livro de ensaios que lançados simultaneamente. Em termos internacionais, a produção africana, muito pouco conhecida por aqui, ganhou destaque, bem como uma ampla produção de afrodescendentes do lado de cá do Atlântico (com uma forte presença da atual produção norte-americana). A seleção brasileira – ou produzida no Brasil – também é ampla, indo desde marcos históricos como as telas Negro Woman with Child e Negro Man, de Albert Eckhout, a uma série de trabalhos comissionados especialmente para a exposição.

Desde o final da década de 1980, com as celebrações em torno do centenário da abolição e a promulgação da Constituição cidadã, nota-se um crescente interesse por parte dos artistas brasileiros afrodescendentes de refletir sobre um passado que não acabou, substituindo pouco a pouco o modelo anterior que associava a arte brasileira de matriz africana essencialmente a um universo vinculado aos motivos religiosos e a arte popular.

Histórias Afro-atlânticas não apenas dá espaço para os artistas responsáveis por essa virada, dentre os quais se destacam nomes incontornáveis como os de Rosana Paulino, Eustáquio Neves, Sidney Amaral e Dalton Paula, que estiveram presentes em praticamente todas as mostras anteriores já citadas. A mostra procurou também abrir espaço para identificar novos atores neste segmento. Apesar do lastro histórico importante, há também uma aposta em novos nomes dessa produção, tanto no Brasil (No Martins, Rafael RG…) como no exterior (TitusKaphar, Nina Chanel Abney…), afirma Hélio Menezes, um dos curadores da exposição ao lado de Lilia Schwartz, Tomás Toledo, Adriano Pedrosa e Ayrson Heráclito.

Estudioso da produção afro-brasileira contemporânea, Menezes diz não se iludir com o atual interesse que o mercado de arte vem dedicando a essa produção, que durante anos ficou ignorada. Mas, segundo ele, não há dúvida de que esses artistas vieram para ficar: “Estão se tornando incontornáveis ao debate”. Outro aspecto interessante que ele destaca na pesquisa é a diversidade. Apesar da ênfase em poéticas mais vinculadas à luta política, é preciso contemplar a ampla gama de linguagens e temas trabalhados por esses artistas. O curador exemplifica que o núcleo Modernismos Afro-atlânticos concentra-se na produção de artistas negros da África e da diáspora africana, cujos trabalhos são mais voltados para diálogos internos da história da arte.

Como diz Menezes, “cada exposição é um mundo”. O interessante é que, tanto pela dimensão grandiosa como pela fricção que promove entre a produção internacional e a cena nacional, Histórias Afro-atlânticas promete ampliar o conhecimento e o debate em torno da produção africana num país contraditório como o Brasil que, apesar – ou talvez por isso – de ter sido o primeiro país a trazer escravos, ter recebido a larga maioria da população africana escravizada ao longo de mais três séculos (calcula-se que 40% dos negros vendidos como escravos tenham aportado por aqui) e de ter sido a última nação ocidental a abolir tal prática, ainda desconhece enormemente sua história e os laços que o une à cultura negra.

Leia também entrevista com Emanoel Araújo e Moisés Patrício, dois dos artistas que compõem a mostra Histórias Afro-atlânticas.

Arte, fotografia e política

Fotos do Freddy Alborta, fotógrafo de La Paz, encontrado e entrevistado pelo artista e pesquisador Leandro Katz, autor da exposição

PROA 21 é um novo espaço dedicado à arte emergente em Buenos Aires. Fica no bairro da Boca, perto do Caminito e da Bombonera, às margens do Riachuelo e a poucos passos da sede da tradicional Fundación PROA.

Construido onde antes funcionava o ateliê de três pintores e um escultor argentinos, Benito Quintela Martín, Miguel Victorica, Fortunato Lacámera e Julio Vergottini, o PROA 21 foi inaugurado em abril com a mostra Proyecto para El dia que me quieras.

A obra, do artista argentino Leandro Katz, reúne pela primeira vez as instalações cumulativas feitas entre 1993 e 2007, que abordam com profundidade, a derrota de Guevara no final dos anos 60, na Bolivia. As nove instalações, agora acompanhadas por dois filmes, tem como foco a importância das imagens, das fotografias, na vida dos personagens da guerrilha. Na sua derrota e nas suas mortes.

Hoje com 80 anos, Leandro Katz iniciou este trabalho em 1987 ao examinar a famosa foto de seu compatriota Ernesto Guevara, morto e exibido a um punhado de jornalistas, em outubro de 1967, na lavanderia do hospital da pequena cidade de Vallegrande, para onde havia sido levado depois de executado em La Higuera, ao final de sua derrotada experiência boliviana.

“Lá, no chão, havia alguma coisa vulnerável, mole; eu podia vê-la através da jaqueta de um fotógrafo e da bota de um soldado, ali no chão: era a parte de baixo de um braço? E de quem era o braço? “, refere-se Leandro Katz a algo longe do foco principal da foto.

Para o curador Cuauhtémoc Medina, Katz é um produtor de imagens visuais e escritas e sua inquietude perante a foto, levou-o a mergulhar em uma investigação que foi muito além da moldura daquela fotografia.

As primeiras pesquisas o fizeram chegar até Freddy Alborta, o autor da foto, até então atribuida ao editor da UPI/Reuter que a distribuira via radiofoto. A entrevista que Leandro Katz fez com Alborta está em El dia que me quieras (1997) um dos dois filmes que fazem parte da exposição.

As fotos, antes creditadas a UPI/Reuters, eram de Freddy Alborta, fotógrafo de La Paz, encontrado e entrevistado por Leandro Katz, o autor da exposição do PROA 21.

No filme, Alborta descreve a viagem de La Paz a Vallegrande  dos cerca de 22 jornalistas  – dois fotógrafos entre eles – e da surpresa que teve, tanto com o corpo de Guevara morto, com os olhos abertos e com o meio sorriso na face, quanto com os dois corpos jogados no chão, dos guerrilheiros Willi e Chino. E era à um deles que pertencia o braço que intrigara Leandro Katz.

No outro filme que faz parte da exposição, Exhumación (2007), está a entrevista com o perito forense argentino Alejandro Incháurregui que foi à Bolivia, 30 anos depois, em 1997, e identificou os restos de Che Guevara. Incháurregui é o mesmo perito que participou dos trabalhos de identificação do nazista Josef Mengele, no Brasil em 1992 e mais tarde, de Santiago Maldonado, na Argentina, no final do ano passado.

Também estão nas paredes do PROA 21, as provas de contato e as ampliações dos negativos produzidos naquele dia10 de outubro de 1967, no Hospital Nuestro Señor de Malta, em Vallegrande, por Alborta. Imagens que serviram de inspiração para o ensaio do crítico e escritor britânico John Berger, que delas fez as analogias com as obras de Mantegna, O Cristo Morto (1480) e Lição de anatomia do Dr. Tulp (1632), de Rembrandt.

as fotos, antes creditadas a UPI/Reuters, eram de Freddy Alborta, fotógrafo de La Paz, encontrado e entrevistado por Leandro Katz, o autor da exposição do PROA 21.
E, a partir das fotos, são do ensaísta britânico John Berger as analogias com A Lição de Anatomia do Dr.Tulp, 1632, de Rembrandt, e o Cristo Morto, 1480, de Mantegna

Em outra das instalações há uma cronologia baseada em pesquisa que confronta mais de dez fontes –  dentre elas o Diário Boliviano, do próprio Guevara e Como capturé al Che, do General Gary Prado Salmón –  e descreve os eventos de 13 de maio de 1963 até 17 de outubro de 1997, ou seja, os antecedentes, os fatos e algumas das consequências da guerra de guerrilhas na Bolivia.

A seguir reproduzimos quatro pequenos trechos:

7 de outubro de 1967 – Se cumplieron los 11 meses de nuestra inauguracion guerrillera sin complicaciones, bucólicamente; hasta las 12.30 hora en que una vieja, pastoreando sus chivas, entró en el cañon en que habiamos acampado y hubo que apresarla. La mujer no ha dado ninguna noticia fidedigna sobre los soldados, contestando a todo que no sabe, que hace tiempo que no va por allí…

El Ejército dio una rara informacion sobre la presencia de 250 hombres en Serrano para impedir el paso de los cercados en número de 37 dando la zona de nuestro refugio entre el rio Acero y el Oro. La noticia parece diversionista – Diario Boliviano, de Ernesto Che Guevara.

8 de outubro de 1967 – Se informa que el enemigo estea en el Churo donde se juntam las Quebradas Racetillo y Jaguey. A las 11:30 hrs. es atacado por las Comps. A y B , caen 3 muertos y 2 heridos entre estos últimos está Che Guevara y 2 soldados muertos y 4 heridos, todos los cuales son llevados a La Higuera-   

No Disparen, Soy El Che,  do General Arnaldo Saucedo Parada.

9 de outubro de 1967 – Comunicado de las Fuerzas Armadas:”…a) Ernesto Che Guevara cayó en poder de nuestras tropas gravemente herido y en pleno uso de sus facultades mentales. – Después de haber cesado el combate, fue trasladado a la población de La Higuera más o menos a las 20:00 horas del dia domingo 8 de octubre, donde falleció a consecuencia de sus heridas.”

Como Capturé Al Che, do General  Gary Prado Salmón.

9 de outubro de 1967 – “A la una de la tarde salí de la escuelita y afuera esperaban el Sgto. Mario Terán y el Tnte. Pérez quienes parecían estar embriagados. Les ordené que no disparen a la cara sino del cuello para abajo. Diez minutos más tarde escuché los tiros.”-

“ Shadow Warrior, The CIA Hero of a Hundred Unknown Battles “ – Félix I. Rodriguez

Duas mulheres aparecem na obra de Katz. Uma delas é Monica Ertl, que faz parte da fase pós-guerrilha e foi quem matou com três tiros Roberto Quintanilla Pereira, em 1971, então consul boliviano em Hamburgo. Ele é o militar que aparece na célebre foto com a mão nos cabelos do cadáver de Guevara.

Ainda nas palavras de Cuauhtémoc, a obra de Katz aborda o modo que a fotografia de meados do século XX permeava o conjunto da experiência social. Guevara foi um produtor de imagens e não só para a confecção de disfarces como o que usou para entrar na Bolivia, via Madri e São Paulo com a cabeça raspada e a identidade do dr. Adolfo Mena González, funcionário da OEA.  Guevara levava consigo sua câmera, como instrumento ideológico. Essa “lente guerrilheira” é o tema da instalação que tem Tania, a outra das duas mulheres como foco.

Haydeé Tamara Bunke Bider – Tania era seu nome na guerrilha – morreu antes de Guevara nos confrontos com o exército boliviano, no dia 31 de agosto de 1967. Assim como Guevara, Haydeé/Tania também fotografava muito. Registravam o dia a dia dos guerrilheiros e pretendiam usar o material para fins de propaganda mais tarde como aconteceu em Sierra Maestra, em Cuba, no final dos anos 50. Na Bolivia produziram rolos e rolos de fotos. Muitos nem foram revelados. Foram encontrados nos acampamentos, na mochila de Guevara, nos pertences de Tania e acabaram funcionando como faca de dois gumes. Mais que tudo, as  fotos serviram para identificar os guerrilheiros e, mais tarde, suprema humilhação, foram usadas para ilustrar os livros publicados pelos militares bolivianos, como o do general Gary Prado, acima citado.

Entenda como cobrança de taxas de aeroportos podem afetar a arte no Brasil

Francis Bacon, Figura sentada, 1961, óleo sobre tela, 165,1 x 142,2 cm, doado por J. Sainsbury Ltd, 1961, coleção: Tate, London. 2018. FOTO: The Estate of Francis Bacon. All rights reserved. DACS, London/ AUTVIS, Brasil, 2018. Reprodução/MASP

“Hoje a nossa arte está judicializada”, é como resume o advogado Danilo Andrade Maia, que representou instituições como o MASP e o Instituto Moreira Salles, a enorme barreira para a realização de exposições que instituições têm enfrentado no País. Ocorre que aeroportos como Guarulhos, Viracopos e Galeão têm cobrado um valor abusivo de tarifas quando obras de arte chegam ao País. A primeira vez que isso aconteceu foi em meados da SP-Arte, quando obras que vinham para a feira ficaram presas na alfândega. Na sequência, várias entidades enfrentaram o mesmo problema, que segue sem previsão de ser resolvido.

ARTE!Brasileiros conversou com Fábio Frayha, novo Diretor de Operações e Finanças do MASP; Jochen Volz, Diretor-Geral da Pinacoteca de São Paulo, e com Danilo para entender quais são essas tarifas e como isso representa um escândalo na arte no Brasil.

Danilo de Andrade Maia ressalta, primeiramente, que não se trata de uma questão relativa a impostos, mas sim de uma discussão em torno de serviços de armazenagem e capatazia. A primeira refere-se à taxa para que as obras fiquem guardadas, enquanto a segunda diz respeito à movimentação interna dessas cargas. “Esses são os dois únicos serviços que os aeroportos, como concessão de serviços públicos, têm a obrigação legal de prestar”, aponta o advogado. O aeroporto recebe e guarda as obras (armazenagem) até que sejam retiradas. Nesse processo, consequentemente, as movimenta dentro do aeroporto (capatazia).

Sempre foi cobrada uma taxa baseada no peso de cada obra por esses serviços, conforme explica Danilo: “Isto não é uma invenção brasileira. Isto é um critério internacional sempre adotado. Independentemente, portanto, do valor [da obra]. O que vale para efeitos de armazenagem e movimentação, e tem toda toda lógica e sentido, é o peso dessa mercadoria”. Os aeroportos passaram, neste ano, a interpretar essa regra de armazenagem e capatazia de outra forma.

Danilo explica que eles têm validado a regra perante a uma expressão da lei que fala sobre obras que ingressam no Brasil para efeitos temporários, “desde que elas se destinem a eventos cívico-culturais”. Os aeroportos passaram, então, a questionar o ‘cívico’ da expressão de forma nacionalista, como se valesse apenas para obras que louvem a produção brasileira. “Estão entendendo a expressão dentro de uma concepção patriótico-ufanista”, explica. Desta forma, a medida parece protecionista.

Portanto, as concessionárias deixam de cobrar as tarifas por peso, já que não consideram as obras no escopo cívico-cultural, e passam a requerer uma tarifa sobre o valor comercial de cada obra. “Nesse momento, as concessionárias, entenda-se os aeroportos, estão interpretando unilateralmente, a seu favor, esse dispositivo”, comenta Maia. O advogado aponta, ainda, para o real sentido da expressão: “Este conceito de cívico, ligado ao cultural, tem raiz e diz respeito à civilização, ao caráter universal, à universalidade dos eventos culturais”. Com isso, como exemplificado por ele, uma mostra que pagaria cinco mil reais por armazenagem e capatazia passa a pagar três milhões de reais.

O advogado conta que outros argumentos surgiram por parte dos aeroportos. Estes, segundo ele, não amparados por lei: “Dizem eles, por exemplo, que existem entidades, museus, que cobram ingresso. Ora, a cobrança de ingresso, ainda que em determinados dias e horários, é simplesmente uma forma muito acanhada de tentar viabilizar essas exposições. E a lei não estabelece isso como requisito”. Para ele, alegações como essa não têm fundamento e os motivos, no fundo, são financeiros: “É a tentativa desesperada de encontrar uma outra fonte de receita. Vamos lembrar que uma das concessões, a concessão do aeroporto de Viracopos, há pouco tempo foi objeto de uma tentativa até mesmo de devolução, pois a concessionária alegava que a conta não fechava”, rememora Danilo.

O escritório de Danilo tem sedes em quatro capitais (São Paulo, Salvador, Brasília e Porto Alegre) e já atendeu, além do Masp e o Instituto Moreira Salles, o Instituto Tomie Ohtake e a SP-Arte para tratar dessas questões, onde foram necessários mandados de segurança para a liberação de obras, sem as cobranças abusivas, por aeroportos: “Temos conhecimento que inúmeras outras entidades no País estão com o mesmo problema e nem todas com, digamos, a condição de ter um escritório de advocacia de porte nacional como o nosso, cobrindo todas as áreas, inclusive do direito tributário”. Ele ressalta que o escritório se dispôs a auxiliar nesse tema sem nenhum interesse comercial, mas por paixão à cultura, pois considera o episódio um escândalo, tendo em vista que isso tem feito com que entidades internacionais fiquem “preocupadas e desalentadas com a reação institucional contrária à cultura”: “E quando eu digo institucional é porque, vale lembrar, esses aeroportos são agentes do poder público. Eles têm uma concessão pública”. Segundo ele, a ANAC, que é quem deveria fazer algo em torno do problema, alega que isso não compete à agência. Por outro lado, as concessionárias dizem que estão seguindo a lei, ainda que com uma interpretação peculiar, e que quem poderia modificar isso seria a ANAC.

O Ministério da Cultura se posicionou contra a nova forma de cobrança feita pelos aeroportos. Para Maia, o apoio é “cinza”, pois “não consegue interagir e dialogar com seus entes do mesmo plano”, referindo-se à ANAC. Ainda que o diálogo esteja sendo possível e que tenham obtido sucesso com os mandados de segurança, a burocracia necessária para a comprovação da finalidade do embarque das obras também tem sido um empecilho. Ele vê a movimentação “absurda” da justiça federal nesses casos como algo sem motivo. Isso porque muitas dessas exposições são planejadas com muita antecedência e tem divulgação prévia. Segundo ele, são “pilhas e pilhas” de documentos requisitados. É o caso, por exemplo, de Histórias Afro-atlânticas: “Há um paradoxo de que, nas Histórias Afro-atlânticas (…), se tivesse que se pagar o que o aeroporto pedia, seria muito mais do que tudo aquilo que foi gasto e investido na própria mostra, preparada com dois anos de antecedência”, comenta.

Sobre o impacto disso para a arte no País, Danilo não tem dúvidas: “É uma situação considerada patética fora do Brasil e que ninguém acredita em um critério tão absurdo”. O diretor de Operações e Finanças do MASP, Fábio Frayha, também atenta para esse fato. Ele diz que é muito difícil explicar o que tem acontecido para instituições de fora com as quais o museu negocia para a realização de mostras: “Isso gera uma total insegurança nossa, se vamos conseguir viabilizar essas exposições. Então, a nossa agenda curatorial fica absolutamente comprometida pros próximos anos”.

Apesar de terem tido êxito com os mandados de segurança para liberar obras pela tabela de tarifas anterior, Fábio confessa receio: “Você não sabe exatamente os prazos que você vai ter e como que você vai conseguir coordenar esses processos”. Segundo ele, que considera o que tem acontecido como um retrocesso, isso coloca o Brasil em uma “posição muito marginalizada” tanto no cenário internacional quanto no cenário nacional, tendo em vista que dificulta os intercâmbios entre instituições.

Para o Diretor-Geral da Pinacoteca de SP, Jochen Volz, a situação pode decretar o fim das mostras internacionais e o isolamento do País se não forem tomadas providências. Ele vê as alterações como arbitrariedades e considera as interpretações como “enviesadas”. Obras que integram a exposição Mulheres Radicais, com abertura na Pinacoteca em 18 de agosto, se encontram armazenadas nos aeroportos de Viracopos e Guarulhos, conta Jochen. A instituição já entrou com mandado de segurança para pagar o valor da tabela 9, ou seja, a anterior.

Ele destaca que parte da missão do museu é “mostrar as Artes Visuais brasileiras em diálogo com as culturas do mundo (…) para promover a experiência do público com a arte, estimular a criatividade e a construção de conhecimento”: “A Pinacoteca intensificou o intercâmbio cultural com instituições europeias, americanas, asiáticas e latino-americanas, tendo trazido exposições como Rodin, Eckhout, Henri Moore, Ron Mueck (com visitação de quase ½ milhão de pessoas), nesse ano Hilma af Klint (180 mil pessoas) e agora Mulheres Radicais”.

Além do impacto financeiro, de acordo com ele, o que tem acontecido pode causar o fim do acesso da sociedade à arte internacional: “aproximadamente 90% de nossos visitantes não teriam acesso a essas experiências se não fosse por meio dessas exposições trazidas pela Pinacoteca, simplesmente porque não possuem condições econômicas para viajarem até os países de origem dessas coleções e museus internacionais”. Jochen também acha importante enfatizar que “aeroporto não é local adequado para armazenagem de obras de arte, então, elas deveriam simplesmente passar pelo aeroporto, por meio de postos de despacho alfandegário avançados”.

 

Agenda: confira os destaques da semana 11 a 17 de agosto

Regina Silveira, projeto da obra ‘Infinities’

Regina Silveira: Exit, individual no Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (MuBE), abertura em 11/8

Com curadoria de Cauê Alves, exposição reúne diversos trabalhos que se relacionam com a noção de labirinto, abordado por Regina Silveira em sua obra desde o início da década de 1970 até sua produção recente. […] Exit, de Regina Silveira, não se propõe a apontar saídas para as dificuldades e enigmas que os labirintos pressupõem. Trata-se de um convite para que cada um se perca no interior das obras da artista.


Estela Sokol, Sem Título (Greta Garbo)

3ª URBE: Mostra de Arte Pública, coletiva no Largo da Batata, até 19/8

O Largo da Batata é ocupado por obras de Estela Sokol, LiveNoiseTupi e OPAVIVARÁ!, com curadoria de Felipe Brait e Reinaldo Botelho. A mostra segue para sua terceira edição com o objetivo de investigar e ativar o espaço público por meio de práticas artísticas que assimilam a fusão entre obra e lugar com intervenções temporárias, criando um percurso orientado pelo interesse do espectador. Durante a programação da mostra, além das obras, há oficinas, conversas e caminhadas com os artistas, curadores e convidados, que ocorrem no Instituto Tomie Ohtake.


Rodrigo Cass, ‘Históricas Minimas’

Rodrigo Cass: Espiritual-Vivente-Respira, individual no Galpão da Fortes D’aloia e Gabriel, abertura em 11/8.

Rodrigo Cass relaciona seu interesse por filosofia e história da arte à sua própria espiritualidade. O vídeo e as pinturas que integram a mostra mantém uma qualidade escultórica onde o concreto é a síntese do seu pensamento artístico: um elemento espiritual, vivente, e que respira. Para o artista, a respiração está no fundo de toda experiência. “Tudo o que vive respira. E o respirar é ação do espírito.”


Jordi Burch, ‘Sem Título’, 2017

Jordi Burch: Furo, individual na Galeria Janaina Torres, abertura em 16/8

Com curadoria de Marta Mestre, a mostra reúne 14 fotografias e 1 vídeo, resultado de uma pesquisa ainda em curso do artista. Nela, ele explora as múltiplas possibilidades da prática fotográfica, voltando-se, muitas vezes, para o processo do fotografar e para a própria matéria, sem ater-se, necessariamente, a fins e objetos específicos.


Lucas Simões, ‘Perde-se a forma no silêncio’, 2018

Lucas Simões: Ressaca, individual na Casa Triângulo, abertura em 11/8.

A mostra apresenta uma grande instalação composta por 52 painéis metálicos articulados entre si. Os 65 metros de comprimento deste trabalho equivalem a extensão da divisa do terreno da Casa Triângulo com o espaço público. A instalação é um convite aos visitantes reconfigurarem o espaço da galeria gerando novos percursos e espacialidades diversas. Paralelo à instalação será apresentada uma nova série de esculturas intitulada “you text nothing like you look”. 


Rodrigo Sassi, Série “Walk the Line”, 2016

Rodrigo Sassi: Esquinas que me atravessam, individual no Centro Cultural Banco do Brasil em SP, abertura em 11/8.

Com curadoria de Mario Gioia, abriga uma grande instalação central (Corpo Acomodado, 2018), em madeira e concreto, construída a partir dos moldes das fôrmas de concreto armado. No percurso circular proposto pelo próprio espaço expositivo estão as esculturas de parede em menores dimensões, produzidas em madeira, concreto e metal (séries Walk the line e Cestas, e as obras Qualquer dia da semana é primaveraSer reativo eSpyro Gyro); além de uma série de cinco xilogravuras sobre papel, feita a partir de matrizes igualmente originárias dos vestígios de edificações urbanas.


Lenora de Barros, ‘No País da Língua Grande, Dai Carne a Quem Quer Carne’, 1998

Lenora de Barros: Só Línguas, individual no anexo da Galeria Millan, abertura em 14/8

A mostra acontece por ocasião da coletiva “Mulheres Radicais: Arte Latino-americana 1960-1985”, que abre na Pinacoteca de São Paulo dia 18/08 e na qual a artista participa com a foto-performance “Poema” (1979) e o vídeo “Homenagem a George Segal” (1985).


Luiz Zerbini, ‘Cor’, 2018

Elogios da Cor, coletiva na Carbono Galeria, abertura em 11/8

“A quase totalidade dos artistas desta exposição é constituída por pintores. A proposição, no entanto, era a de que pensassem o uso da cor fora dos limites do quadro: dos pincéis, da palheta e do linho. Assim, obras em gravura, fotografia, objetos e dispositivos digitais, foram chamados a elucidar, primordialmente, a distinção da cor como questão de linguagem, como estado de vibração do visível e da anima das imagens”, diz a curadora Ligia Canongia.


André Rigatti: Sol e Neblina, individual na Galeria Virgilio, abertura em 11/8

O título da exposição sugere um olhar para o etéreo, vistas aéreas ou eventuais paisagens. Percebe-se que nas pinturas em grande formato tonalidades cinzas dominam o campo pictórico recobrindo uma série de erros e acertos de planos anteriores compostos por impressões serigráficas, respingos e traços escorridos. Surgem para o olhar do espectador através de recortes, fissuras, brechas ou fendas criadas na superfície. Já nas pinturas em papel os recortes sugerem linhas do horizonte enaltecendo possíveis paisagens ensolaradas e desérticas.


 

Para empoderar as mulheres (e os negros)

Mulheres negras marcham em São Paulo em 2016. FOTO: Tuane Fernandes-Mídia NINJA

Setenta e cinco anos atrás, em 1943, a CLT proibia pagar salários diferentes a homens e mulheres pelo mesmo trabalho. Você sabia disso? Eu, não. O deputado Bolsonaro também não, ele que se opôs, na entrevista à Globo News, a qualquer medida legal que proíba a discriminação entre homens e mulheres. O artigo 461 da CLT foi sendo mudado ao longo dos anos – em 1952 se acrescentou a proibição de discriminar por nacionalidade ou idade, em 2017 (e somente em 2017!) a de distinguir por etnia – mas não é cumprido. Pior, quem é a favor, como eu, não sabe que ele existe, e quem é contra, como o candidato Bolsonaro, também não.

Há porém um meio seguro de torná-lo letra viva, assim como de cortar pela raiz a maior parte das discriminações contra mulheres, negros, indígenas. Ele passa por uma grande mudança de foco: passar das ações afirmativas à disputa pelo poder.

Sempre fui favorável às cotas, mas perdemos a mira, quando nos limitamos a multiplicar os lugares onde devem ser implantadas. Ficamos indo de baixo para cima. O melhor é realizar a igualdade de gênero e de etnia, exatamente no centro de poder talhado para a proporcionalidade: na Câmara dos Deputados.

Como teremos metade de mulheres na Câmara? No Brasil, elegemos os deputados pelo voto proporcional. Devem representar a diversidade de opiniões existente no País. Basta introduzir a lista fechada, que se torna possível garantir o equilíbrio de gênero e de etnia na Câmara – assim como nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Na lista fechada, o eleitor vota no partido já sabendo qual a ordem dos candidatos que serão eleitos. Portanto, se o partido conseguir votos suficientes para cinco deputados, serão os cinco primeiros da lista.

Precisamos apenas emendar a lei eleitoral – só isso – e determinar que na lista deverão ser alternados nomes de homens e mulheres. (Depois, falarei dos negros). Assim, se um partido encabeçar sua lista com um homem, todos os números pares da lista serão de mulheres (e os impares, de homens). Ou vice-versa.

Essa medida resultará praticamente numa paridade. Cerca de metade dos eleitos serão mulheres.

O que isso significará? A lei atual manda cada partido apresentar um terço de mulheres em sua lista, mas muitas estão lá só para inglês ver. Não são votadas, não são eleitas. Agora, se elas se alternarem com os homens nas listas de candidatos, terão poder – e os partidos escolherão as melhores, claro, não apenas figurantes.

Imaginem o resultado. Nunca mais ouviremos um presidente dizer que mulheres são importantes para o país porque comparam os preços nos supermercados… Nem haverá leniência com o feminicídio e crimes de ódio contra elas. O machismo terá os dias contados. Os salários tenderão a se igualar para a mesma função e com a mesma produtividade e perfeição técnica (copio aqui o artigo 461 da CLT).

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A mesma regra pode ser aplicada quanto às assim chamadas minorias étnicas, que estão em torno de 50% da população – um pouco menos, se pensarmos apenas nos afrodescendentes, um tanto mais, se incluirmos os indígenas e os que descendem deles.

Se tivermos metade de deputados entre descendentes de africanos e de indígenas, acabarão as invasões policiais às favelas. O negro não servirá mais de alvo a exercícios de tiro. O duplo padrão de abordagem policial – delicado nos bairros ricos, agressivo nos pobres – desaparecerá. Mais importante: a qualidade de vida, as oportunidades de emprego, as posições na sociedade gradualmente – mas não a perder de vista! – ficarão mais próximas. Conseguiremos a igualdade de oportunidades, marca distintiva de uma sociedade decente.

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O difícil, claro, é combinar as duas regras, isto é, estabelecer cotas de eleição tanto para mulheres quanto para negros. Não tenho uma fórmula pronta. Na verdade, o que aqui pretendo é colocar o tema em discussão. Não dá para esperarmos que o mero passar do tempo promova a igualdade real de nossos compatriotas. Quem espera, nunca alcança! diz um contra-ditado, mais verdadeiro do que a mera espera.

O Brasil está atrasadíssimo. No Canadá, quando o atual premier, Justin Trudeau, deu posse a seu gabinete, lhe perguntaram por que havia metade de mulheres: “Porque estamos em 2015”, respondeu. Isso, poucos meses antes de Temer empossar seu ministério, sem nenhuma mulher (ou negro ou indígena). Na Colômbia, o novo presidente – conservador – nomeou estes dias seu gabinete, também com metade de mulheres. Na Espanha, o atual ministério de esquerda tem mais mulheres do que homens. Conservadores na Colômbia, progressistas na Espanha assumem a mesma agenda de direitos.

Enquanto isso, continuamos capengando. Precisamos mudar esse cenário de forma decisiva. É claro que nesta eleição não dá mais. Uma medida dessas tem que ser discutida. Mas está na hora de a colocarmos na agenda brasileira.

Hora de tomar decisões

ARTE!Brasileiros nasceu oito anos atrás, e chega à sua 44ª. edição e à 5ª. edição do seu Seminário Internacional. Sua vocação e seu trabalho, reconhecidos no Brasil e no mundo, precisavam ganhar um espaço mais claro e maior na plataforma digital, além dos seus produtos impressos, a revista bilingue e especiais.

Escutamos nossos leitores e concluímos que, desde o lançamento do paginaB.com.br, ficou muito confusa nossa comunicação, criando um obstáculo para a busca e o acompanhamento do conteúdo que desenvolvemos em torno da cultura e da arte contemporânea, cada vez mais interligadas.

A arte, quase que como uma linguagem síntese, um canal por excelência da singularidade abriga e dá espaço para reflexões na área da filosofia, da psicanálise, da antropologia, da sociologia, assim como tem evoluído na discussão em torno das políticas identitárias e do posicionamento político do agente da arte, que não é outro que cada um de nós.

E a arte como experiência estética e ética está cada vez mais presente e necessária no nosso dia a dia.  Enquanto muitas áreas se tornam refratárias a novos debates, a arte como campo experimental da liberdade tem reunido além dos artistas, acadêmicos e agentes sociais engajados na transformação da sociedade.

É no meio da arte que muitas das reflexões mais urgentes e profundas tem sido realizadas e um dos objetivos de ARTE!Brasileiros sempre foi ser uma plataforma de visibilidade para esses debates. Seja nos seminários, seja na revista, temos buscado dar espaço a obras, artistas e ao pensamento mais necessários para o momento atual.

Neste sentido tomamos a decisão de focar todos nossos esforços de produção de conteúdo na plataforma ARTE!Brasileiros na revista impressa, artebrasileiros no instagram, @artebrasileiros no twitter e a partir do dia 18 de agosto facebook.com/aartebrasileiros onde o usuário poderá acompanhar diariamente toda a nossa cobertura.

Agenda: confira os destaques da semana 4 a 10 de agosto

ABERTURAS

Lygia Clark, ‘Bicho em si’, 1962, 

O Outro Trans-Atlântico: Arte Ótica E Cinética No Leste Europeu e na América Latina Entre os Anos 50 e 70, coletiva no Sesc Pinheiros, abertura em 9/8.

A exposição foi organizada pelo museu polonês em 2017 e, em 2018, esteve em cartaz
no Garage Museum of Contemporary, em Moscou (Rússia). Agora, O Outro Trans-
Atlântico traz ao público brasileiro obras originalmente exibidas em Varsóvia e
Moscou, acrescida de trabalhos latino-americanos, em especial de brasileiros. O
conjunto é apresentado, segundo a curadora, em uma narrativa que reflete fatos
comuns entre seus interesses e intuição criativa.


Valeska Soares, Doubleface

Valeska Soares: Entrementes, individual na Pinacoteca de São Paulo, abertura em 4/8.

Para a exposição na Pinacoteca, a curadora Julia Rebouças selecionou um conjunto de obras provenientes do acervo do museu, de coleções particulares e da própria artista, sendo que algumas dessas últimas são inéditas no Brasil. São pinturas, colagens, objetos, instalações e esculturas que, como o título sugere, apresentam zonas intermediárias de contato: intersecções entre o indivíduo e a sociedade, entre o encoberto/misterioso e o explícito, passado e futuro, etc.


Flavio Cerqueira, “Iceberg”

Arte pra sentir, coletiva na Caixa Cultural de São Paulo, abertura em 4/8.

com curadoria de Isabel Portella, foi pensado principalmente para que fossem exibidas obras de arte acessíveis a todos ao estimularem a percepção através dos cinco sentidos (visão, audição, paladar, olfato e tato) o que dificilmente acontece numa mostra simplesmente de artes visuais. Sendo então extremamente importante garantir o direito a autonomia do público deficiente que deve ter suas necessidades contempladas, assim como seus direitos ao acesso à cultura e o patrimônio como cidadãos respeitados.


Iván Navarro, ‘Extraña devoción (strange devotion)’, 2013

Iván Navarro: The Bright Sun, individual na galeria Luciana Brito, abertura em 4/8.

A produção de Iván Navarro baseia-se na interação entre dois eixos principais: a história da arte e a história da política. Por um lado, sob um ponto de vista formalista, seus trabalhos são cuidadosamente construídos e estabelecem um diálogo direto com o Minimalismo, especialmente através do uso da luz como seu suporte principal.


Paulo Pasta, ‘Variação 3ª’

Compartiarte, coletiva beneficente no Centro Brasileiro Britânico, de 8 a 10/8.

Participam desta edição 70 artistas, entre os quais Erika Verzutti, Lina Kim, Paulo Pasta, Regina Silveira, Sandra Cinto, Andrey Zignatto, Sônia Dias e muitos outros. Todos doam pelo menos 50% do valor arrecadado com venda de suas obras, muitas delas oferecidas com valores mais acessíveis. Juntos, eles apresentam ao público pinturas, esculturas, desenhos, aquarelas, gravuras e fotografias, além dois vasos da Arte Floral Ikebana, criados especialmente por Iran do Espírito Santo e Lilian Tone.


Daniel Moreira, Sem título

Daniel Moreira: Paisagem Ambulante 381, individual no Centro Cultural FIESP, abertura em 8/8.

Numa plena e constante imersão pelo trecho de duzentos quilômetros da BR-381, o fotógrafo mineiro Daniel Moreira registrou a dinâmica social da rodovia por meio de retratos de andarilhos e suas paisagens, levando o espectador a refletir sobre a teia de relações que se estabelece entre o ser e a estrada.


Alan Fontes, Monroe Invertido montado em duas partes, 2018. Foto: Daniel Pinho

Alan Fontes: Exposição Nacional, individual na Luciana Caravello Arte Contemporânea, no RJ, abertura em 7/8.

Serão apresentadas nove pinturas, em óleo e encáustica sobre tela, e quatro livros-objetos, em óleo e afresco sobre concreto, em que o artista dá continuidade ao projeto iniciado há três anos, em que pesquisa o espaço urbano do Rio de Janeiro, trabalhando nas lacunas de uma memória em constante mutação.

2011 | Antonio Dias: construção de um lugar que não acaba

Manivelas (Cranks), 1999. Foto: Divulgação

*Por Moacir dos Anjos

A obra de Antonio Dias (1944-2018) é múltipla. Não se reduz a estilos e tampouco é fiel a técnicas ou à eleição de temas. Ao longo de quase 40 anos, o artista fez pinturas, objetos, instalações, disco, fotografias e filmes, promovendo um desmonte rigoroso de qualquer hierarquia entre os meios de expressão que usa. Por vezes se refere de modo explícito à política, embora nunca resvale para o ativismo. Noutras, discute o funcionamento do meio institucional da arte, preferindo, contudo, o comentário oblíquo, ao que se apresenta como imediato e aparente.

O lugar incerto do corpo no mundo é, a todo instante, também insinuado como questão importante, mas não como relato da memória ou como mecanismo de subjetivação da obra. Ainda que cada conjunto de trabalhos assemelhados de Antonio Dias (agrupados em séries conceitualmente coesas ou apenas por aproximações do suporte usado) possua a marca da singularidade e do acontecimento único – sendo irredutíveis, portanto, a uma totalidade ausente -, não há nessa individuação sinais de dispersão ou isolamento. Considerada em conjunto, sua obra permite contínuos deslizamentos semânticos e se torna lugar de trânsito e contágio entre o que é diferente e distante. Pondo em contato cadeias de significação distintas, a obra de Antonio Dias é rizoma, modelo de realizar alianças provisórias, mas amplas.

Muitos dos trabalhos de Antonio Dias carregam, inscritos em sua forma aparente, as marcas do embate e do enlace simbólicos que perpassam toda a sua produção. Em várias das pinturas da década de 1960, a figuração esquemática trazida da cultura popular e de massa (principalmente do graffiti e das histórias em quadrinhos) é deliberadamente truncada, bloqueando a fluidez narrativa e a capacidade de comunicação ligeira encontradas em suas referências de origem. A contenção cromática desses trabalhos (há neles quase apenas preto, amarelo, vermelho e branco) e a ordenação precisa das figuras no suporte pintado revelam, ademais, a adesão do artista a um código construtivista que tampouco tem aqui preservados seus ideais de afastamento do que é incerto ou impuro. Em Nota sobre a Morte Imprevista (1965), trabalho característico desse período de improvável sobreposição de tradições tão distantes, três dos quatro quadrados em que o suporte se divide são ocupados por imagens que parecem deslizar para fora dos espaços em que estão inscritos, não chegando a compor a história de violência que sugerem existir no mundo. No quadrado que resta de tal superfície, essa dinâmica centrífuga se acentua mais ainda, fazendo com que as imagens ganhem volume e se tornem objeto mole, projetando horizontalmente os signos de morte antes contidos no espaço vertical da pintura. A aproximação entre suporte pintado e lugares vividos e o simultâneo desmanche da rigidez construtiva contidos nesses trabalhos, fazem ecoar, na produção inicial de Antonio Dias, as duas principais vertentes que, à época, se afirmavam em seu entorno: a Nova Figuração brasileira e o Neoconcretismo. Não há qualquer sentido de síntese, contudo, nesse avizinhamento crítico; há, antes, tensionamento entre características daquelas vertentes, agenciado pelos deslizamentos entre significados diversos que marcam a obra do artista.

Essa exuberância sintática é abandonada em grande parte da produção da década seguinte, a qual se volta, ao contrário, para a magreza do conceito preciso. É desse período a série A Ilustração da Arte (1974), composta de trabalhos que investigam a própria demarcação simbólica do que é arte e sua inserção no espaço coisificado das trocas mercantis. Fiel à sua visão inclusiva e contaminada do mundo contemporâneo, Antonio Dias explora nessa série a ideia de circuito, modelo descritivo adequado para apreender o deslizamento contínuo entre valores estéticos e econômicos por meio do qual emerge o consenso – sempre provisório e sempre aspirante à permanência – em torno da suposta validade universal de determinados padrões de juízo. Em A Ilustração da Arte/Um & Três/Gerador (1974-1975), a circularidade cumulativa dessa relação é representada como imagem gráfica que é, ela própria, contudo, também artefato de arte – ambigüidade que apenas confirma o atamento entre os termos sobre os quais se debruça o artista. A volatilidade desse processo valorativo é ainda trazida por Antonio Dias para o âmbito da apresentação formal de sua obra no trabalho A Ilustração da Arte/Um & Três/Chassis(1974-1975): fazendo de quatro hastes metáfora do espaço que o quadro (arte) ocupa no mundo, ele as retrai e expande, como a ilustrar, por meio desse deslizamento físico, dois casos exemplares de sua acomodação aos mecanismos que regem o mercado de produtos artísticos.

A partir do contato que estabelece, em 1976, com artesãos nepaleses que fabricam papel em variadas texturas, Antonio Dias realiza trabalhos que parecem apontar para um campo de investigação criativa em tudo diverso de suas preocupações então correntes. Há também nesses trabalhos, contudo, as marcas da atenção que o artista concede aos fluxos simbólicos que, a todo instante, produzem atritos entre cadeias semânticas distintas. Ao incorporar, de maneira deliberada e precisa, os materiais e as técnicas dos artesãos do Nepal em sua própria obra, Antonio Dias transporta-os para o circuito da arte culta, o qual lhes atribui sentidos e valores diferentes dos que possuíam antes. Esse processo de re-significação opera, entretanto, também no sentido inverso: chamando um desses trabalhos de A Ilustração da Arte (Eu e os Outros) (1977) ou gravando juntas, em A Ilustração da Arte/Ferramenta & Trabalho (1977), a marca de sua mão e a do artesão que lhe dá auxílio, Antonio Dias parece propor a ampliação daquele circuito para que igualmente abarque, de forma crítica, a discussão sobre os limites entre arte e artesania, entre autoria e gesto repetido, entre o interesse somente pelo conceito e o encanto tátil pela matéria crua.

Embora o amolecimento da rigidez gráfica que marca a maior parte da série A Ilustração da Arte ganhe visibilidade apenas a partir de seu contato com outra cultura, trabalhos feitos simultaneamente àqueles incluídos na série e executados em uma variedade grande de mídias, dão forma nova à convulsão simbólica que anos antes inaugurara a obra do artista. São exemplos eloqüentes disso os trabalhos Partitura para Intérpretes Perigosos (1972), Conversation Piece (1973) e Uma Mosca no Meu Filme (1976). É o trabalho intitulado Poeta/Pornógrafo (1973), entretanto, que dentre esses melhor indica, em sua arquitetura simples, o desdobrar constante de significados que é a obra de Antonio Dias. O trabalho é formado por dois pares de semicírculos de neon pendurados desde o teto: um emanando calma luz azul (o poeta) e o outro um rosa luxuriante (o pornógrafo). A despeito da polaridade aludida no título e confirmada pela disposição espacial do objeto, há nesse trabalho sugestão de unidade cindida, de círculos inteiros que se teriam quebrado em metades e deslizado em sentidos opostos. Não existe aqui nostalgia, contudo, de uma situação de suposta completude. A ruptura do que se poderia imaginar inteiro é ontológica e o deslizamento de volta a círculos íntegros, uma possibilidade que não se realiza nunca. Há apenas o pulso contínuo de um movimento que jamais se completa, que se prolonga no percurso infinito que, simultaneamente, aproxima e separa territórios simbólicos distintos.

Essa operação de deslizamento se faz também visível, de outros modos, nas pinturas recentes do artista. Em Caramuru (1992), duas telas de grande dimensão são justapostas e cobertas por, além de tinta acrílica, materiais condutores de energia (grafite, ouro, malaquita), trazendo em potência a idéia de fluxo que o diagrama aplicado sobre elas só acentua. Na recorrência a uma forma que lembra um circuito, há também remissão aos conceitos que marcam a série A Ilustração da Arte – autofagia artística que permanentemente adensa e expande a trama poética tecida por Antonio Dias. Já nas pinturas da série Autonomias (2000), telas de variados formatos e tamanhos são colocadas lado a lado e também sobrepostas, criando a ilusão de que podem deslizar umas sobre as demais e produzir configurações diferentes das apresentadas pelo próprio artista. O fato de porções do suporte serem cobertas por matérias e padrões diversos (do monocromo à mancha) obriga também o olho a mover-se entre as várias texturas e áreas cromáticas de que se compõem esses quase-objetos.

É talvez Anywhere is My Land (1968), contudo, o trabalho do artista que melhor realize essa operação metonímica em relação ao conjunto de sua obra. Salpicando a tela pintada de negro com tinta branca, Antonio Dias cria sobre sua superfície uma miríade de pontos desordenados e de diversos tamanhos. Superpõe, ainda, a este espaço, uma malha reticulada e larga, igualmente pintada, conferindo valor idêntico a qualquer dos pontos ali situados. Essa anulação de hierarquia – sugerida desde o título do trabalho – faz com que cada um desses pontos seja um acesso possível à metafórica e fluida geografia que representa na tela.

Assim como em Anywhere is My Land, a obra de Antonio Dias é formada por pontos (trabalhos) que se conectam entre si, sem ordenação de importância ou de cronologia. Embora retrospectivamente os trabalhos se agrupem em conjuntos ou séries, eles resistem a enquadramentos estanques e, a todo momento, anunciam deslizamentos rumo às fronteiras que somente aparentam isolá-los de outros tempos ou conteúdos simbólicos. A obra de Antonio Dias é refratária, portanto, a qualquer genealogia formativa, o que permite que trabalhos passados ganhem significações distintas das já assentadas, a partir de seu contato e confronto com trabalhos mais novos. É esse acolhimento generoso de sentidos variados que produz o enervamento extenso e denso da obra.

Por promover conexões entre cadeias semânticas diversas, a obra de Antonio Dias põe em evidência aquilo que está no meio, o que habita os interstícios de campos de significação precisos e o que mina de lugares que se supunham vedados. No trabalho intitulado O Espaço Entre (1969-1999), dois grandes blocos de minério – mármore branco e granito negro – são perfurados em inúmeros pontos e têm seus buracos “recheados” com a matéria extraída do bloco de cor distinta, criando espaços de permuta e contato íntimo entre as duas matérias. Carregando um deles a inscrição The Beginning (O Começo) e o outro a inscrição The End (O Fim), esses dois blocos híbridos evocam, quando aproximados, o que há de possibilidade comunicativa latente no que é comumente tomado por lugar de ausências. Operação semelhante é realizada no tríptico chamado Projeto para o “Corpo” (1970), em que duas telas (uma branca salpicada de tinta preta e outra pintada de modo inverso) acolhem, respectivamente, as inscrições energy (energia) e memory (memória) e ladeiam uma terceira tela, deixada vazia como recipiente para tudo o que o ato criativo engendra. É esse intervalo de infinitos possíveis que Antonio Dias assinala, ainda de outra forma, no disco de vinil chamado Record: The Space Between (1971). Em um lado do disco, se encontra A Teoria do Contar, gravação do som ritmado de um relógio, interrompida, a cada três segundos, por momentos de silêncio de duração idêntica e onde qualquer coisa cabe. No outro lado, pode-se escutar A Teoria da Densidade, registro do ciclo respiratório de uma pessoa, intercalado por pausas que trazem, em potência, toda a força cognitiva da língua e da fala. Por demarcar a distância que separa o ruído mecânico do orgânico, o objeto delgado e leve em que estão gravados, subverte, no plano simbólico, sua própria corporeidade: o disco se torna espesso e denso, plataforma para o que não se conhece. São muitas as maneiras pelas quais o artista enuncia a natureza incompleta e fecunda de sua obra.

Esse lugar de possibilidades diversas é tratado de maneira propositiva no trabalho Faça Você Mesmo: Território Liberdade (1968), diagrama construído no piso que sugere a existência de um espaço simbólico para a experimentação e o invento. Em vez de representado de modo elíptico como em outros trabalhos, tal espaço assume aqui a concreção autoral própria dos mapas, construções feitas a partir do que o cartógrafo assinala como marcos que orientam seu percurso sobre um certo território. É nesse espaço de afirmação das singularidades que Antonio Dias finca a bandeira de O País Inventado (1976), pano vermelho que ostenta a mais recorrente marca de sua obra: a ausência do canto superior direito do que, a olhos habituados aos perímetros de formas regulares, seria um retângulo. Índice de aspecto central da produção de Antonio Dias, essa marca remete a uma falta absoluta, irreparável e difusa; à inexistência de uma totalidade que resuma e explique uma obra em mutação constante – obra que é construção de um lugar que não acaba. O que há nela de permanente e o que ancora a poética firme do artista é justo a afirmação de sua transitoriedade e incompletude. Uma obra por onde deslizam, em torrente simbólica incessante, as impurezas de que se constitui o mundo.

Sesc_VideoBrasil traz mudanças na próxima edição: agora é uma Bienal

Exibição de obras do 20° Sesc_Videobrasil: à esquerda, 'Contornos', de Ximena Garrido-Lecca, e, ao fundo, 'Há terra!', de Ana Vaz. FOTO:: Everton Ballardin

Ao abrir a convocatória para a próxima edição do Sesc_VideoBrasil, as entidades parceiras trouxeram uma novidade: decidiram substituir o título “festival” por “bienal”. A mudança tem como objetivo colocar-se de forma mais explícita no contexto global da arte. Até o dia 10 de agosto, serão recebidas, portanto, as inscrições para a 21ª Bienal de Arte Contemporânea Sesc_VideoBrasil.

Para Solange O. Farkas, fundadora da Associação Cultural Videobrasil e curadora do projeto, que este ano também tem no painel curatorial Gabriel Bogossian, Luísa Duarte e Miguel López, as atualizações – como a mudança do nome – já são comuns na história do Sesc_VideoBrasil. “Eu chamo de fases. Já passamos por várias delas, fomos de um festival nacional apenas de vídeo para um festival internacional focado nos países do Sul geopolítico. Depois tornou-se um festival mais híbrido, não apenas de uma linguagem como o vídeo, mas pensando em mais linguagens”, explica Solange. Desta forma, as alterações tornaram-se coisas comuns em seu julgamento.

A mudança no nome não modifica bruscamente o projeto. Afinal, ele já tinha todas as características de uma Bienal: acontece de dois em dois anos, volta-se para a arte contemporânea e tem um recorte para uma área do planeta (o Sul). Solange acredita que é esse recorte geopolítico que enfatiza o papel particular do Sesc_VideoBrasil como uma Bienal: “Não é apenas mais uma Bienal, é uma Bienal que tenta suprir uma lacuna importante. Uma Bienal que dá voz a essa produção desse lugar do mundo que ainda tem dificuldade de acesso e visibilidade”.

Proposta

Usando uma estratégia comum a bienais, o projeto adota a iniciativa de partir de um conceito. “A partir de agora, usamos de uma proposta curatorial para selecionar os artistas”, conta a curadora. Para ela, essa talvez seja a grande mudança que o peso do novo título carrega. O open call ainda será considerado para a escolha dos artistas que participarão, mas agora há a sugestão de um ponto de partida para o pensamento e construção da obra.

Nesta edição 21 do Sesc_VideoBrasil, que terá as peças selecionadas expostas no Sesc 24 de Maio entre outubro de 2019 e fevereiro de 2020, a proposta das instituições aos artistas consiste na ideia de Comunidades imaginadas. Pega de empréstimo de um estudo de Benedict Anderson, a noção de comunidades imaginadas surge para o projeto pegando como exemplo o estudo das comunidades indígenas.

Inclusive, foi aberta a participação para artistas oriundos dessas diferentes comunidades étnicas. “Sabemos que existe uma produção superimportante de artistas que fazem parte de grupos étnicos e que acabam operando apenas dentro de seus universos. O universo das artes não olha tanto para esse lugar. Ainda há certo preconceito contra isso”, conta Solange. Há a perspectiva de inclusão ao voltar esse olhar para a produção desses grupos.

A noção de comunidades imaginadas busca discutir a questão do nacionalismo e de como esses grupos o conduzem na arte. Um episódio ocorrido na Organização Mundial do Comércio, no qual um comunicado criticava a tendência a rejeitar aquilo que se é estrangeiro foi uma das coisas que fomentaram a escolha do tema: “Ficamos olhando por todos os lados, percebendo os espectros políticos disso, como a chave para a compreensão de disputas”.

A escolha também relaciona-se com a pesquisa que o curador Gabriel Bogossian desenvolveu ao se debruçar sobre o trabalho de Pasolini. “A ideia concebida por ele de um terceiro mundo transnacional, que começava nas periferias de Roma e se estendia a países fora dessa categoria, é importante nesse processo”, comenta Farkas. E completa: “Queremos trabalhar com essas comunidades que estão às margens do conceito de Estado ou de nação, ou nas suas brechas, nas suas bordas. Podemos falar de comunidades de artistas, de comunidades indígenas. Estamos falando de comunidades nos sentido de grupos que estão à margem do conceito clássico de comunidade. Às vezes até mesmo banido deste conceito”.

A curadora acredita que o tema é muito atual, do agora. “Eu acho que é necessário pensar e discutir essas questões, falando de certa forma também de comunidades fictícias ou utópicas. Em geral, de comunidades clandestinas, que geram políticas minoritárias”, diz. A intenção também é fazer pensar e refletir sobre formas deturpadas de nacionalismo pregadas por alguns políticos ao redor do globo hoje: “São pontos que, no campo da arte, temos esse poder e essa responsabilidade de através de uma produção do sensível, que é a arte, fazer pensar sobre essas questões que nos afetam muito hoje em dia. Não apenas nos países do Sul, mas principalmente nesse lugar do mundo onde a Bienal Sesc_VideoBrasil opera”, finaliza.

 

Ismaïl Bahri: ‘instrumentos’

Ismaïl Bahri convoca a voz e o pensamento do homem comum que circula pelas ruas de Túnis, como intérpretes de territórios afetivos que um dia ele deixou para trás e que agora resgata poética, intelectual e politicamente no filme Foyer.

Nas ruas, ele filma uma folha de papel em branco, fixada a poucos centímetros da objetiva de sua câmera. O experimento, aparentemente formal, aos poucos é adensado pelas vozes dos transeuntes, intrigados com o estranho artifício em torno do qual se reúnem.

O trabalho faz parte da mostra Instrumentos, em cartaz no Espaço Centro Porto Seguro, até 5 de agosto. Em entrevista à ARTE!Brasileiros ele falou com Leonor Amarante.