O Museu de Arte do Rio Grande do Sul apresenta, até 17/02/2019, a exposição “Desconstruções e articulações”, do artista Marcos Amaro. Presidente da Fundação Marcos Amaro, a obra do colecionador foi curada por Fábio Magalhães.
A proposta inicia-se na desmontagem de aviões que estão paralisados, transformados pelo artista em grandes esculturas. O ar catastrófico remete à ação provocada pelo tempo. A ressignificação daquilo que perdeu sua função primária rege a exposição itinerante.
Amaro incorpora também outros objetos e materiais banalizados e descartados. Ao colocá-los enquanto parte da obra, confere a cada um deles novos sentidos sem deixar de lado a memória. Os fragmentos de cada um dos materiais reorganizados por ele, fazem referência a seus significados e usos anteriores.
Imagens: Stefânia Sangi
Imagem: Stefânia Sangi
Imagem: Stefânia Sangi
O Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli – MARGS é uma das mais importantes instituições culturais de seu Estado. Com mais de 3.660 obras de arte, que abrangem a primeira metade do século XIX até os dias atuais, o acervo enfatiza a produção de artistas gaúchos.
Curadoria
Fábio Magalhães, curador da exposição, desenvolve trabalhos com a mídia da Pintura e suas obras surgem de metáforas criadas a partir de condições psíquicas e conclusões do imaginário pessoa. Seu método criativo parte da fotografia e materializa-se em pintura. Seu trabalho compõe um vasto currículo.
A impressionante exposição imersiva A Biblioteca à Noite, iniciativa do escritor argentino Alberto Manguel com cenografia do artista multimídia Robert Lepage e do coletivo Ex Machina já passou pelo Canadá, pela França e pela Rússia. Até fevereiro de 2019, o público poderá conferir a exposição no Sesc Avenida Paulista, prédio inaugurado recentemente pela instituição.
Por conter atividades de imersão, a visitação do público requer que um agendamento prévio. São duas salas, sendo a primeira uma recriação da biblioteca de Manguel na França, na qual o visitante é introduzido à ideia do universo que é o ambiente bibliotecário. A segunda coloca o visitante, por meio da realidade virtual 3D, para conhecer 10 bibliotecas, reais ou imaginárias, sendo uma delas a biblioteca de Nautilus, do livro Vinte e Mil Léguas Submarinas, de Júlio Verne.
Além da experiência imperdível da imersão, o público também tem disponíveis uma série de atividades vinculadas à mostra, passando por vários núcleos (literatura, audiovisual, tecnologia, etc), como oficinas de encadernação e de criação de vídeos 360°.
Confira no vídeo a entrevista com Lilian Salles, supervisora do núcleo de Artes Visuais, e saiba mais sobre A Biblioteca à Noite.
Gildo Xavier, João Pessoa, Retrato de Famílias, 2017, acrílica sobre tela
A arte ajuda a se libertar e a lidar com o sofrimento. Há alguns anos vivemos uma grande reviravolta no Brasil e no mundo com a convocação de diferentes forças, tanto políticas, como religiosas e sociais, que optaram por ideários e estratégias ideológicas já ultrapassadas há mais de 50 anos.
De repente, nossa falta de soluções econômicas, nossa decepção com a administração do Estado e o comportamento de partidos e instituições e o fracasso das elites, incapazes de dividir nada, se tornaram terreno propício para a escolha pelo atraso, ao contrário de países desenvolvidos que tiveram o papel de zelar pelo cidadão comum, produzindo certo avanço na democracia e nos costumes.
É interessante ver que, apesar de tudo ter começado como um argumento de certos grupos isolados que enalteciam a luta contra a corrupção, rapidamente isto se mostrou “secundário” e até falso.
As máscaras caíram, como na pintura de Andre Griffo, nas páginas desta edição, e o verdadeiro discurso apareceu: “a ideologia é pior que a corrupção” disse nas midias o ciais Jair Bolsonaro, Presidente eleito no Brasil por 1/3 dos votos no país.
Não tenha a menor dúvida, o que importa é a ideologia. A ideologia de cada um é nosso capital cultural, o que pensamos sobre… no que acreditamos… o que valorizamos e a quem. O quanto nos indignamos com o sofrimento que nos é impingido e aos outros. Quais são nossos valores? Nossa ética. E, é verdade, dependendo de tudo isso, você até também vai ser um corrupto.
Detalhe da obra Pregação, 2017, de Antonio Obá exposta no Museu de Arte do Rio de Janeiro. Foto: Patricia Rousseaux
Na arte, a capacidade de criar e falar é infinita. Por isso, também a arte é passível de censura. À arte nada escapa. A arte tem a capacidade de fazer pensar, antes de obedecer. E tem a capacidade de criar disrupções molestas seja quando é explícita ou quando é sutil. O fato de entrarmos em contato com a obra já é mobilizador.
Não obstante, em momentos agudos de enfrentamento, a arte se torna um canal libertador e muitos artistas escolhem a obra e seu trabalho como forma de militância. Não por nada, de um jeito ou de outro, nossas edições deste ano trazem exposições e coletivas plenas de significados.
Hoje, nos perguntamos. Quem decidiu que este é um País de brancos? Os brancos. Quem decidiu que este é um País de indivíduos sem autonomia na escolha de gênero? Os brancos e negros incapazes de respeitar as diferenças. Quem decidiu que a escola não vai ser um espaço democrático para discutir as diferentes ideologias? Os brancos e negros incapazes de respeitar as diferenças e que têm, sim, uma determinada ideologia. Quem decidiu que o Estado não é mais laico? Os brancos e negros incapazes de respeitar as diferenças e que têm uma determinada ideologia e que defendem sim, uma religião só. Na contra mão, nós, vamos em frente, com tudo aquilo que aprendemos, acompanhamos e respeitamos do que é produzido e criado na diversidade deste país.
Como símbolo, está aí na capa, Rubem Valentim, brasileiro, negro, pintor da década de 50/60, maravilhoso, seja como construtivista ou exímio representante da sua “ideologia”. E dentro da edição uma coletânea de textos, artigos, memórias, exposições e obras que representam em toda sua magnitude uma enorme quantidade de trabalho pelo desejo de liberdade. Boa leitura!
Na noite de ontem, 26/11, o Itaú Cultural recebeu o corpo representante da Fundação Edson Queiroz no evento de lançamento de seu Catálogo Coleção. Composto por dois livros, a edição traz 870 obras de mais de 300 artistas, majoritariamente brasileiros, e delineia cinco séculos de arte e história brasileiras.
O projeto
Idealizado por Airton Queiroz, irmão de Lenise Queiroz Rocha, atual Presidente da Fundação, o projeto é produto do desejo de sistematizar o trabalho realizado há anos no espaço da Universidade de Fortaleza. A Universidade privada fundada por seus pais, organiza mostras de arte abertas ao público no seu prédio.
A coleção conta com dois volumes. Foto: Iara Morselli
Lenise explica que seu irmão Airton foi o grande responsável pelo acervo atual. “Ele sempre acreditou no ensino através da cultura.” Viabilizar o acesso à cultura no Ceará gera um enorme impacto. Fora do eixo Rio-São Paulo, são menores as possibilidades do segmento. “Através da arte se aprende com mais facilidade, porque ela envolve emoção.
A arte e o futuro
A reprodução de um vídeo Institucional da Fundação Edson Queiroz abriu o evento, elucidando a atuação da Instituição em sua comunidade. Eduardo Saron apontou para a relevância do material publicado por ela. “Vivemos em um país que só se preocupa em inovar. É importante, mas impossível inovar sem conservar as memórias do Brasil”, opinou.
Max Perlingeiro enfatizou o conceito de coleção viva, fazendo referência às mais de 800 obras e os tantos artistas que compõem o volume. O organizador contou que, ao ser questionado sobre a impressão dos livros na era mais tecnológica já vivida, respondeu que era importante fazê-lo. “As bibliotecas existem e resistem”, acrescentou, colaborando com o posicionamento de Saron.
O historiador Pedro Corrêa do Lago apresentou 30 obras selecionadas ao público. “Confesso que algumas delas foram escolhidas pelo meu coração”, iniciou. Suas áreas de estudo, como os “artistas viajantes”, somaram-se aos aspectos de relevância, no sentido de preservação da história brasileira, por ele considerados.
Obras documentais e o retrato de Maurício de Nassau iniciaram a linha cronológica. As pinturas de Frans Post das terras brasileiras ganharam destaque. “O Brasil foi o primeiro país das Américas a ser pintado por um artista europeu profissional”, comentou.
A aquarela precedente ao quadro panorâmico da cidade de São Paulo, encomendado por D. Pedro, também presente na mostra “Brasiliana”, no Itaú Cultural, além de quadros de Debret, de Araújo Porto Alegre (seu aluno), Victor Meirelles, Belmiro de Almeida, Portinari, Di Cavalcanti, Ismael Nery, Tarsila do Amaral, Antonio Bandeira, entre tantos outros, foram comentados por ele. Corrêa do Lago enfatizou a importância de cada um dos trabalhos no delineamento da história brasileira por meio da arte.
Os impactos da arte
A Presidente da Fundação comentou que impactos positivos podem ser observados a partir dos projetos que desenvolvem junto à comunidade local, como a Escola de aplicação Yolanda Queiroz, Projeto Jovem Voluntário, entre outros.
“A arte tem o poder de integrar, ela proporciona aos artistas e seus consumidores a possibilidade de se expressar”, finaliza.
“Além de uma vasta produção crítica e acadêmica na área, Maria Angélica também contribuiu para a formação de nomes importantes da arte contemporânea brasileira, como Cinthia Marcelle, Paulo Nazareth e Marilá Dardot”
Há uma intensa delicadeza e grande sensibilidade nos textos do livro “Estratégias da Arte em uma Era de Catástrofes” (Cobogó, R$ 56), lançado agora no início do ano pela argentina radicada no Brasil Maria Angélica Melendi.
O título, mais adequado impossível para o atual momento do país, na verdade refere-se a um período mais amplo, que tem início nos anos 1960, por conta das ditaduras latino-americanas. Ela mesmo sai da Argentina em 1975, um ano antes da intervenção militar que tirou do governo a presidenta Isabelita Perón, para viver em Belo Horizonte, onde desenvolveu carreira acadêmica.
Professora aposentada do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, Melendi segue lá coordenando o grupo de estudos em arte contemporânea Estratégias da Arte em uma Era de Catástrofes, que dá nome ao novo livro, iniciado há 20 anos na Escola Guignard, da UEMG.
Entre a Escola Guignard e a Universidade Federal, Melendi exerceu grande influência em uma geração de mineiros e mineiras nas artes que inclui Julia Rebouças, Cinthia Marcelle, Lais Myrrha, Sara Ramo, Marilá Dardot e Paulo Nazareth, entre tantos outros.
A publicação é uma reunião de 19 ensaios, escritos a partir dos anos 1990, selecionados pelo também professor da Federal de Minas Gerais, Eduardo Jesus, divididos em cinco sessões: Estratégias do Pensamento; Políticas da Memória; Arquivos; Monumentos; Espaços da Memória. A maioria deles foi publicado em revistas e coletâneas, especialmente estrangeiras, mas alguns são inéditos.
A delicadeza do livro está, em primeiro lugar, no respeito com o qual Melendi trata de cada obra de arte, o que não se vê em muitos ensaístas contemporâneos, que frente à uma produção complexa, muitas vezes preferem ironiza-la. Outra particularidade importante no trabalho da autora é a relação das chamadas artes visuais com outras produções culturais como a literatura ou a arquitetura.
No texto “Sobre as ruínas do futuro”, por exemplo, Melendi parte de uma estrutura de concreto na Alemanha, construída em 1942, para testar o solo de Berlim, transformando-se em uma estrutura abandonada, uma ruína, “o membro amputado de um corpo que nunca vingou”. A essa ruína ela vai agregando várias outras, seja a cidade de Brasília “congelada e imutável”, seja a cidade de Havana pelas obras de Carlos Garaicoa na 26ª Bienal, de 2003, ou mesmo uma intervenção de Seth Wulsin em um edifício abandona de Buenos Aires, chegando a obra de Ai Weiwei na documenta XII, de Kassel, em 2007. Essas sobreposições de histórias, ao contrário de muitos textos acadêmicos, não visam uma síntese, mas constroem-se em mosaico.
Com tal estratégia, Melendi acaba criando pequenos inventários de temais relevantes para a produção artística como o uso de mapas, não por acaso o tema do primeiro ensaio “Da adversidade vivemos ou Uma cartografia em construção”. Nele, a professora reúne desde o icônico “Mapa Invertido” da América do Sul, desenho de Joaquim Torres-Garcia, de 1946, ao desconhecido mapa de Marcel Duchamp, “Adieu à Florine”, de 1918, quando o pai da arte conceitual deixa Nova York para viver em Buenos Aires. O grande ponto de interrogação sobre a América do Sul não deixa de ser um contraponto divertido frente à inversão de Torres-Garcia.
Assim, em cada texto, Melendi agrega ao tema, muitas vezes brutal como a violência da ditadura militar, obras, autores e casos que permitem ao leitor perceber como artistas vem abordando questões essenciais como a memória, o corpo, ou arquivos. Para compreender a arte contemporânea é um livro essencial.
Ministros Sérgio Sá Leitão (MinC) e Valter Casimiro (MTPA) discutiram regulamentação do conceito de atividade cívico-cultural. Foto: Clara Angeleas (Ascom/MinC) / Reprodução/ Divulgação
O Diário Oficial desta quarta (21/11) publicou uma resolução do Conac (Conselho de Aviação Civil) que promete descomplicar o cenário de cobrança de taxas aeroportuárias sobre obras de arte.
Os itens armazenados nos aeroportos internacionais, se tarifados pelo valor de mercado, podem custar milhares de reais. Sendo assim, a partir de hoje, a cobrança volta a ser feita pelo peso da obra.
A decisão estimula o fomento cultural no país. O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, em nota divulgada pelo Ministério da Cultura, enfatiza que a cobrança pelo valor de mercado das obras inviabilizaria a realização de exposições e concertos musicais com coleções vindas de fora – e sugere que a medida garante estabilidade jurídica.
A taxa
A nota demonstra que o impasse referente à alteração na cobrança de taxas de armazenagem para itens culturais foi iniciado no fim de 2017. Na ocasião, a tentativa de mudança colocou-se referente aos instrumentos da Orquestra Nacional do Conservatório de Toulouse, que apresentou-se no Teatro Cultura Artística, em São Paulo.
No início deste ano, parte dos aeroportos passaram a utilizar-se de uma reinterpretação do termo “cívico-cultural”, aplicado pela Anac em 1983. O Aeroporto Internacional de São Paulo, por exemplo, argumentou que a feira SP-Arte não era “patriótica.”
Reação da comunidade museológica e resolução do Conac
Obra de Leon Ferrari / Divulgação Nara Roesler
A comunidade museológica e de galeristas posicionou-se de forma contrária à medida e alegou que o aumento de custos trazido pela medida prejudicaria o cenário cultural brasileiro. A exemplo disto, está a obra do argentino León Ferrari. Trazido pela galeria Nara Roesler para a SP-Arte, seu trabalho foi taxado em R$ 17 mil. Caso a taxação por peso tivesse sido respeitada, o valor seria de R$ 200.
De modo geral, a modalidade de cobrança elevou alguns valores em até mesmo mais de 900%. Durante o período, instituições como o Museu de Artes de São Paulo (MASP) e a Bienal de Arte de São Paulo recorreram à Justiça a fim de dar continuidade às suas exposições e evitar a cobrança de tarifas abusivas. A taxa sobre o valor das mercadorias poderia dificultar também feiras como SP-Arte, ArtRio, além do recebimento de obras estrangeiras por galerias nacionais.
A nova resolução é fruto dos empenhos conjunhtos do Ministério da Cultura e do Ministério dos Transportes.
No seminário “Arte Além da Arte” (6 de setembro de 2018), Paulo Tavares, co-curador da Bienal de Arquitetura de Chicago de 2019 e professor da Universidade de Brasília, iniciou sua fala propondo uma pergunta: “Se a cidade e o território são direitos, pode ser a arquitetura concebida como uma forma de advocacia deste direito? E o que isso significa?”.
O arquiteto e curador apresentou o projeto Memória da Terra, relacionado ao processo de deslocamento forçado dos índios Xavante do Mato Grosso, no qual, justamente, a arquitetura – “o desenho, a modelagem, o mapeamento” – são utilizados como instrumento de advocacia de direitos.
“É preciso dizer que o processo de modernização do território brasileiro tem uma fundação intrinsicamente colonial”, disse ele. Tavares afirmou que o projeto de destruição ambiental vivido pelo Brasil no século 20, especialmente no período da ditadura militar, foi também um projeto arquitetônico de território. Ele discorreu sobre o que foi chamado de “processo de pacificação”, ou seja, a criação de postos indígenas que concentraram as populações ameríndias e, retirando-as de seus territórios originais, liberaram as terras para exploração.
Dada a dificuldade de mapear fisicamente o desaparecimento de populações indígenas, justamente pela falta de registros governamentais, o projeto Memória da Terra passou a investigar a remoção forçada dos povos Xavante de seus territórios a partir das imagens existentes. Com fotos feitas por jornalistas da época sobre a “conquista” das terras indígenas, Tavares e os outros integrantes do projeto passaram a fazer uma espécie de “arqueologia da imagem”, utilizando estratégias da arquitetura para reconstituir o mapa dessas aldeias desaparecidas.
Assim, relacionando o desenho das aldeias – sempre uma espécie de estrutura em arco – vistos nas fotos com imagens de satélites antigas recentemente tornadas públicas pelos EUA, os pesquisadores do projeto conseguiram mapear as aldeias. Também se utilizaram das marcas que se podem ver nos territórios, como assinaturas no chão, definidas pelo padrão botânico. “As árvores cresceram na mesma estrutura em arco em que eram desenhadas as aldeias. Assim, a história desse povo continua registrada na própria composição botânica da floresta.”
Esse desenho botânico, portanto, é fruto direto da arquitetura dessas aldeias, explicou Tavares. “São produtos das ruínas, mas são ruínas vivas. Podemos então entender árvores e plantas como monumentos históricos? Pode ser a floresta considerada um patrimônio urbano, arquitetônico? Pode ela ser vista como cultura, não natureza?”
Considerando a resposta positiva para estas questões, o projeto se desdobrou em um relatório que, junto com as outras provas colhidas pelo Ministério Público, servem como “material evidenciário” para uma petição que foi feita ao Iphan e a Unesco para que este solo seja considerado um patrimônio arquitetônico. O trabalho tem sido feito também em parceria com as populações indígenas da região, como mostrou Tavares ao longo de sua exposição.
José Rufino constrói ao longo de sua vida um labirinto, vivido e ficcional, com enigmas que ecoam e constituem o tecido de um processo de produção permanente. Desde infância foi impulsionado pelos cenários de sua indignação: casa grande senzala, perseguição política aos pais, fome no campo, testemunha da destruição das relações humanas.
Limbo
Como um vídeowall, a exposição Limbo, em cartaz até domingo na Biblioteca Mário de Andrade, nos lembra em retrospectiva, o caminho trilhado por Rufino com trabalhos que se manifestam em circunstância atemporais. Sondagem/transformação é um binômio que se junta a outros interesses como passado, memória, morte, oprimido-opressor. Nos anos de 1980, período de intensa produção e proliferação de novas mídias, como libertação de vontades criativas reprimidas pela ditadura, Rufino trabalha as cartas do avô, poderoso senhor de engenho, escritas em um período de particular opressão. A visão retrospectiva do artista, no sentido de que a arte de uma época deve envolver, e não simplesmente gerar sucesso, tem conduzido seu percurso. Dentro dessa linha do tempo há rupturas, mas não contradições, mesmo quando expõe um desenho desenvolvido aos dez anos, cuja imagem imprecisa lembra o teste de Rorschach, que anos mais tarde ele desenvolveria em várias séries.
A retrospectiva é uma versão evolutiva de uma arte que revela alguns princípios adotados por acaso, como a minimal art, com simplicidade formal e complexidade de conteúdo. Rufino trabalhou um acúmulo de escolhas e redescobertas de obras guardadas, esquecidas, algumas inconclusas na espreita para serem exibidas, em um contexto mais amplo. Entre dezenas delas há o que ele classifica de pré-obras ou proto-obras, além de desenhos,
maquetes, poesia concreta e visual e arte-postal. Limbo é feito de camadas de poesia, denúncia, e da atrofia de espaços de seres marginalizados, que abrange o período
de 1970 a 2018, além de obras recentes O impulso que conduz a retrospectiva vem de um
processo íntimo e complexo, dentro de uma poética que lida com vazios e asperezas, para alinhavar uma história que já foi exposta em cerca de duzentas mostras no Brasil e no Exterior. Em Rufino, o silêncio e a ausência se tornam presenças, como tem demonstrado também como curador da Usina de Arte, em plena zona da mata, no sul de Pernambuco.
Imagem: José Rufino / DivulgaçãoImagem: José Rufino / Divulgação
Visitação: até 18 de novembro de 2018 Todos os dias, das 08h às 19h. Local: Hall da Consolação, Saguão e Sala Oval Rua da Consolação, 94 Entrada Gratuita
Imagem: Divulgação / Alex Flemming, Sistema Uniplanetário, 2008
Alex Femming no MAM-Rio
A instalação de Flemming “A exposição Sistema Uniplanetário – In Memorian Galileu Galilei” foi exposta pela primeira vez em 2008, nas ruínas da Igreja St. Johannes Evangelist, em Berlim. Em ocasião dos 70 anos do MAM-Rio, ganha espaço ao lado de outras obras e artistas.
Uma seleção de trabalhos dos acervos do MAM, produzidas por meio de diferentes meios e suportes, com foco no panorama de transformações da pintura de paisagem à modernidade e os dias atuais, foi reavivado. Assim, com curadoria Fernando Cocchiarale e Fernanda Lopes, Flemming recoloca-se em destaque.
*Por Diogo Mesquita, em novembro de 2009
A exposição Sistema Uniplanetário – In Memorian Galileu Galilei, do artista Alex Flemming, aconteceu em 2010 na Pinacoteca do Estado, em São Paulo, dentro do Projeto Octágono Arte Contemporânea.
Flemming propunha a inversão da teoria do heliocentrismo. A tese de que a Terra gira em torno do sol, comprovada por Galileu Galilei, ganha destaque em sua obra. Com curadoria de Ivo Mesquita, 50 globos escolares rodavam em órbita sobre 50 vitrolas.
“Minha proposta é retratar uma visão de mundo ideal – e até certo ponto utópica – na qual todos os indivíduos deveriam viver em órbitas diferentes, mesmo que em velocidades e ritmos diversos, mas harmônicas entre si”, disse na ocasião o artista brasileiro, radicado na Alemanha desde os anos 1990.
O artista viajante
As andanças, típicas do artista de sucesso na contemporaneidade, quase sempre levam o andarilho a dedicar um olhar descuidado, superficial ou anestesiado diante das realidades encontradas. Não é o caso de Alex Flemming, que tem o hábito de levar consigo um diário de viagem, no qual anota reflexões sobre os distintos aspectos dos lugares visitados e seus habitantes. Neles, o artista demonstra curiosidade, mas também sua adesão ou repúdio frente às situações vividas. Tudo lhe interessa e é anotado sem hierarquia, desde aspectos relevantes, como fatos históricos, até as ocorrências mais prosaicas, como um anúncio impresso em um jornal local de alguém que solicita companhia para enfrentar a solidão do cotidiano. Muitas anotações são incorporadas a seus projetos artísticos.
Ao homenagear o telescópio, Flemming joga com metáforas e poéticas que tratam do tema da visão, um dos elementos essenciais da linguagem artística – o saber ver. Do grego “tele”, que quer dizer longe, e “scopio”, que quer dizer observar, a intenção é permitir estender a capacidade dos olhos humanos. O objetivo do artista é permitir olhar longe e ir até os limites da consciência possível de seu tempo.
A história registra que, em 1608, Hans Lippershey, fabricante de lentes holandês, construiu em Middelburg, pequena cidade dos Países Baixos, o primeiro telescópio. A notícia chegou ao conhecimento de Galileu Galilei, que em 1609 apresentou um aparelho feito por ele mesmo a partir de experimentações e polimento de vidro. Nesse mesmo ano, Galileu apontou seu telescópio para o céu noturno para observar a Lua. Assim, foi o primeiro a usar esse tipo de aparelho para investigação astronômica. O instrumento ficou conhecido popularmente como luneta.
Sistema Uniplanetário
Para realizar a instalação na Pinacoteca, Alex reuniu 50 globos escolares que giram sobre toca-discos. O artista afirmou que “o globo simboliza o mundo que é cada um de nós, todos iguais, mas ao mesmo tempo diferentes. Cada qual em sua rotação, uns muito rápidos, outros prestes a parar, outros já parados para sempre. E os toca-discos são uma espécie de arqueologia do cotidiano, que recupera parte da parafernália elétrico-eletrônica com que nos cercamos na tentativa de ser feliz”.
A proposta foi apresentar um conjunto que contraria as observações de Galileu, provocando um jogo de contradições com a história. Os globos, ou os planetas de Alex, não giram em torno do Sol, nem obedecem a lógica sistêmica, astronômica. Giram em torno de si mesmos, como individualidades, com rotações variadas, lentas ou aceleradas. Alguns simplesmente não giram e são meros figurantes entre bailarinos. Com essas variantes desempenhos diferenciados, Flemming criou um conjunto estimulante e provocador, pelas ilações e interferências de outras lógicas e outras realidades. Envereda por novas poéticas. Sugere as alegorias da individualidade (cada globo girando em torno de si mesmo) e de sociabilidade (a dinâmica dos 50 globos).
Os movimentos silenciosos dos toca-discos e as relações formais entre a esfera e o disco criam situações de coreografias visuais sedutoras que podem, até mesmo, provocar efeitos hipnóticos pela constância e articulação cronométrica da compilação.
A obra de Alex Flemming
A utilização de ícones da história e não apenas da história da arte é uma atitude recorrente na sua obra. Na instalação da Pinacoteca o título chama nossa atenção para os fatos históricos ocorridos na Itália no século XVI. Há a reavivação na memória sobre o conflito entre a ciência e a religião, entre a verdade e o poder. Galileu, para não contrariar dogmas da Igreja, foi obrigado pelo Tribunal da Inquisição a retroceder nas suas conclusões sobre o heliocentrismo, sob a ameaça de prisão e morte. Não há dúvida de que o significado extraordinário desse conflito motivou Alex Flemming. Os temas da injustiça e da violência sempre instigaram o artista e estão presentes nas diversas fases da sua produção. Talvez, ao dar título a essa instalação, Flemming tenha pensado na frase de Galileu: “A verdade é filha do tempo e não da autoridade”.
Antes de iniciar sua carreira, Alex esteve ligado ao cinema. Realizou sete curtas-metragens em super-8. Contudo, a experiência cinematográfica incorporou-se ao seu olhar e modo de abordar variados temas. Na sua primeira exposição, realizada em 1978, Alex mostrou obras de caráter documental – eram nove fotogravuras compunham a série Natureza Morta. Esse pequeno conjunto impressiona pela contundência, crueza e violência de suas imagens, que denunciam o absurdo da tortura. Cenas de corpos fragmentados, dentes sendo arrancados por alicates, o pênis sendo eletrocutado. Na época, em plena ditadura militar, a dor escancarada nas gravuras adquiria força dramática e provocava a consciência por retratar situações parte da realidade.
Nos projetos seguintes e ao longo de sua vasta e diversificada carreira, Alex Flemming não perdeu o olhar cinematográfico e documental. Mesmo nas obras em que esse olhar não é prevalente, percebe-se p apreço ao documento, como quem, por meio dele, procura dar veracidade à sua poética. Na série Alturas, os sofás usados e os animais empalhados são documentos que tentam deter a caminhada do tempo ou testemunhar nossa solidão, desejos e frustrações.
A partir de Alturas, Flemming passou a acrescentar letras, inicialmente com função de escrever o nome dos retratados e, posteriormente, com novo protagonismo – revelavam e ocultavam conceitos e poéticas. Textos de Haroldo de Campos, de Heinrich Heine eram gravados na superfície da tela. A disposição das letras, no entanto, dificultava sua leitura. Os textos seguem lógica particular a cada série. Por exemplo, nos móveis pintados, Alex reuniu textos de anúncios de jornais. Nos retratos realizados para a estação Sumaré do metrô paulistano, o artista selecionou um poema para cada personagem, sempre de autores diferentes, abrangendo vasto período da poesia brasileira – de José de Anchieta a Torquato Neto.
Tudo que se refere ao corpo fascina o artista. A juventude e sua beleza, a carnalidade no êxtase e na dor, mesmo as frias ilustrações de anatomia ou trabalhos de taxidermia. Eros acompanha toda a obra de Alex Flemming, revela desejo febril perante um corpo jovem e decepção perante a escatologia do tempo. A beleza física é efêmera e a juventude fugaz.
Em 1987 inicia as telas Atletas, retomando muitas dessas imagens em 1989, nos Body-builders. Nas duas séries há a clara intenção de seduzir, entretanto, nos Body-builders há sedução e violência política. O corpo masculino é retratado frontalmente, coberto por uma sunga que revela o volume de seu conteúdo, o tórax musculoso sobre o qual Alex fundiu à pele mapas e geografias que se referem a conflitos armados. As telas respiram erotismo, mas trazem também a presença da morte e suscitam questões sobre o tempo e a transitoriedade da vida. Na entrevista a Henrique Luz, o artista afirma: “Na série política de Body-builders utilizei textos do Antigo Testamento que pregam a guerra e o extermínio do outro”.
Em 1990, eu era diretor do Museu da Arte de São Paulo e Alex Flemming propôs realizar uma instalação na escadaria do museu situado na avenida Paulista. O artista chamou-a de Tauromaquia – Ex-Touros e era composta de diversas cabeças de touro empalhadas (daquelas que são exibidas em churrascarias), pintadas de um azul que lembra Yves Klein, dispostas sobre latas de lixo, colocadas de ponta-cabeça sugerindo colunas gregas. As cabeças estavam ao ar livre ladeando os degraus que davam acesso ao museu. Os Ex-Touros abriram caminho para a instalação O Sacrifício, realizada no ano seguinte, na XXI Bienal Internacional de São Paulo. Esta, serviu de rito de iniciação para os inúmeros trabalhos de animais empalhados que se seguiram na sua obra. Àquele momento, Alex Flemming frequentou o Museu de História Natural de São Paulo, que não era aberto ao público, e convenceu os professores e os cientistas a lhe doarem animais empalhados que seriam incinerados por já estarem deteriorados ou pela falta de interesse científico. “Com esse lixo da ciência montei minha participação na Bienal”, disse mais tarde o artista.
Flemming nunca deu suas costas para a história, a conjuntura social e política. Muitas obras tratam explicitamente dos conflitos políticos, das ideias e das polêmicas de seu tempo. Pouco depois da ação terrorista às torres gêmeas de Nova York e em pleno período de retaliação militar ao Iraque e Afeganistão, desenvolveu o projeto Flying Carpet com obras feitas a partir de tapetes persas que eram recortados para assumirem as formas de silhuetas de aviões de caça ou de bombardeio norte-americanos.
Suas obras estão presentes nos principais museus brasileiros.
No dia 08 de novembro, o Sesc Belenzinho abriu as portas da exposição “Campos da Invisibilidade.” A curadoria é de Cláudio Bueno, Ligia Nobre e assistência curatorial de Ruy Cézar Campos, que também apresenta duas obras.
Por meio da organização de 23 produções de 18 artistas brasileiros e estrangeiros, propõe-se a imersão e reflexão sobre o que há efetivamente por trás das várias conquistas tecnológicas presentes no dia a dia do sujeito contemporâneo. Ou seja, quais os processos industriais e impactos geopolíticos por eles gerados. Fotografias, vídeos, áudios, mapas e instalações questionam o mito da imaterialidade implantado pelas tecnologias e denunciam os altíssimos custos para o meio ambiente.
Campos da Invisibilidadeconcentra trabalhos que carregam diferentes bagagens dos artistas brasileiros, ingleses, britânicos, colombianos, canadenses, franceses, africanos e franco-guianenses, com a reflexão comum.
Campos da invisibilidade: a humanidade esvaziada
A mostra coletiva foi dividida em cinco núcleos que estabelecem conexões entre si: A Praia do Futuro, Adeus a Sete Quedas, Ouroboros, Cosmogramas e Visualizações do mundo.
Produzido por Ruy, o vídeo “A chegada de Monet” abre o espaço do Sesc Belenzinho em diálogo com as obras de Tabita Rezaire e Louis Henderson. Seus trabalhos questionam o uso e privação territorial, material e social envolvidos nos processos exploratórios do meio ambiente em função de infraestruturas tecnológicas.
Para Tabita Rezaire, os espaços digitais são responsáveis pela continuidade de uma herança colonial, promovendo exclusão e opressão. A artista estabelece relação entre a reprodução do racismo nesses ambientes apontando para a utilização de rotas de navios negreiros enquanto caminho de cabos de transmissão.
A obra de Carolina Caycedo, por sua vez, chama a atenção devido às dimensões: uma foto de satélite, de mais de 2 metros de altura e 3 de comprimento, mostra a região de Mariana, Minas Gerais, após a catástrofe ocorrida em novembro de 2015. Anteriormente exposta na Bienal de São Paulo (2016), a imagem evidencia a dimensão da vitimação dos ecossistemas devido ao descaso humano em prol de um suposto desenvolvimento industrial.
“Sete quedas por mim passaram, / E todas sete se esvaíram.
Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele / A memória dos índios, pulverizada,
Já não desperta o mínimo arrepio. / (…) Os sete fantasmas das águas assassinadas
Por mão do homem, dono do planeta.
(…) Aqui sete visões, sete esculturas / De líquido perfil / Dissolvem-se entre cálculos computadorizados / De um país que vai deixando de ser humano / Para tornar-se empresa gélida, mais nada.
(…) Que luz e força tarifadas geram /À custa de outro bem que não tem preço / Nem resgate, empobrecendo a vida / Na feroz ilusão de enriquecê-la.”
(Carlos Drummond de Andrade, Adeus a Sete Quedas, 1982)
Logo atrás, uma espécie de cabine abriga a projeção de um vídeo intitulado “A Gente Rio.” A narração do poema de Carlos Drummond de Andrade sobrepõe-se a imagens de cachoeiras e rios, que pouco a pouco dão lugar à represas e usinas hidrelétricas. O vídeo flui em conversa com personagens que falam da exploração dos ambientes em que vivem.
Os demais painéis abordam, em comunhão, a exploração petrolífera, do carvão, diagramas que pensam a comunicação a partir da observação de bactérias e de outras espécies, a exibição de mapas em tempo real das rotas de aviões, navios, cabos submarinos e minas abandonadas, além do gráfico de movimentações da Bolsa de Valores de São Paulo. É por meio deles que os curadores buscam evidenciar a presença física e massiva da infraestrutura tecnológica no funcionamento da vida no segundo milênio da humanidade.
O Brasil do futuro que chegou
Para introduzir as diversas camadas e abordagens propostas na navegação que pode ser escolhida ao desbravar a mostra, como coloca Lígia, no dia 07 de novembro, antecedente à abertura, às 18h30, aconteceu o Encontro Campos da Invisibilidade. A mesa trouxe a artista, professora da PUC-Rio e pesquisadora do CNPq, Débora Danowski, e a artista-contadora de histórias, Tabita Rezaire.
Encontro Campos da Invisibilidade/ Imagem: Divulgação, Sesc Belenzinho
Débora comenta as sensações resultantes do recém-findado período eleitoral. Os contextos violentos em que o processo submergiu-se, diz, a coloca em choque. Isso, porque pode-se notar a ascensão da extrema-direita no Brasil, que traz consigo ideias negacionistas no que diz respeito às minorias sociais e questões ambientais.
A artista e professora estuda, nos últimos anos, a ideia do fim do mundo ocasionado pelas progressivas alterações climáticas e ecologia global, devidas principalmente pela queima de grandes quantidades de combustíveis fósseis e outras práticas que movem a atividade capitalista desde meados do século passado. “Confesso que não esperava que o céu começasse a cair sobre nossas cabeças tão cedo”, lamenta Danowski.
Para o curador, o Brasil vive um um momento de importante virada política, que o coloca diante de um suposto desenvolvimento. “Ele (Bolsonaro) diz que não haverá mais terras indígenas, entre outras coisas. Ignora histórias, memórias e populações. Isso implica também no projeto tecnológico que se debate aqui”, aponta.
Tabita finaliza com a proposição de alternativas a partir de suas experiências, pesquisas e obra, “Cura Decolonial: Tecnologia, Espiritualidade e o Erótico.” Para ela, a importância dos trabalhos expostos é possibilitar a plantação de sementes. “Vivemos atravessados por normas impostas e ilusórias. Mas estamos aqui, existimos e não desistimos. Temos que lutar com amor”, finaliza.