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Diferentes perspectivas globais de experimentação no V Seminário da ARTE!Brasileiros

 

Realizado na quinta-feira, dia 6 de setembro, no Auditório Ibirapuera, o V Seminário Internacional ARTE!Brasileiros, intitulado “Arte Além da Arte”, contou com a participação de importantes artistas, curadores, diretores de museus e historiadores de arte de vários países. O evento começou pela manhã com a projeção do trabalho “Again”, do alemão Mario Pfeifer, e com o painel “Geopolítica e Arte” e seguiu à tarde com a mesa “A Arte Além da Arte”, com participação de Gabriel Péres-Barreiro, Nydia Gutierrez, Paulo Tavares e Anneliek Sijbrandij.

Gabriel Péres-Barreiro, curador da 33a Bienal de São Paulo

Primeiro a fazer sua apresentação, Péres-Barreiro, curador da 33a Bienal de São Paulo, falou sobre a proposta curatorial que resultou na mostra “Afinidades Afetivas”, em exposição até dezembro no Pavilhão do Parque Ibirapuera. Na verdade, mais do que explicar a linha curatorial, ele se propôs a falar um pouco sobre o processo de criação da mostra. “Todos vocês podem ir lá ver e formar suas próprias opiniões, ter suas próprias experiências, então não faz sentido eu explicar como é esta bienal.”

Perés-Barreiro se propôs, assim, a fazer uma breve reflexão sobre o estado atual da curadoria contemporânea. “Quando você é chamado para fazer uma bienal já surge toda uma especulação sobre qual vai ser a temática, quem serão os artistas e qual vai ser o conteúdo. Como se, a partir do convite, isso tudo já fosse uma certeza. Eu quis fazer um trabalho em que o processo em si fosse criativo e gerasse os conteúdos, algo que não se limitasse ao poder autoral do curador e dos circuitos e pessoas que esse curador conhecesse.”

Assim se deu a proposta de dividir a curadoria da mostra – algo que Barreiro já havia tentado em escalas menores – com outros artistas, como modo de fugir de modelos de bienais “que muitas vezes estão ficando repetitivas”, disse ele. “Essa figura do artista curador não é novidade, mas forma uma certa história paralela a essa coisa do curador profissional, de uma curadoria que se dá de cima para baixo.”

Daí surgiu o convite aos sete artistas que dividem com Barreiro a curadoria da 33a Bienal, numa tentativa de trabalho horizontal e que fugisse da exposição de “discurso único”. “Gostaria de pensar que hoje estejamos prontos para pensar uma mostra que tenha diversidade na sua própria estrutura”, disse Barreiro.

O curador ressaltou ainda características positivas que enxerga nas estruturas das duas principais Bienais que acontecem no Brasil, a de São Paulo e a do Mercosul, ou seja, “a estabilidade e as condições de trabalho oferecidas, tanto para curadores quanto para os artistas”. Barreiro afirmou que, em suas organizações e condutas, estes eventos estão muito mais consolidados do que muitos outros mundo afora. “O que a gente propõe é realizado exatamente como queremos, com todo o apoio.”

Barreiro destacou também a importância do programa educativo da Bienal de São Paulo, que faz com que a mostra tenha força durante todo o período em exibição e um número enorme de visitações. “Há bienais pelo mundo em que no começo estão todas as celebridade do universo da arte, todas as obras bem cuidadas, e depois elas ficam abandonadas e vazias. Isso não acontece aqui.”

Por fim, Barreiro falou sobre a estranheza de estar comemorando a abertura desta bienal produzida com toda a estrutura necessária e com bons recursos na mesma semana em que o Museu Nacional pegou fogo no Rio de Janeiro. “É muito triste, é muito difícil viver esse momento de celebração, em uma instituição que funciona, assistindo tamanha tragédia acontecendo em outra que ficou abandonada pelo Estado.”

A segunda fala do painel foi da venezuelana Nydia Gutierrez, diretora artística do Museu de Antioquia, em Medellín, na Colômbia, e diretora-artística do Encontro Internacional de Arte de Medellín (MDE15). Gutierrez iniciou sua apresentação falando sobre a localização do Museu de Antioquia em uma cidade que foi, nos anos 1980 e 1990, uma das mais violentas do mundo, dada a guerra de cartéis de drogas que tomou conta da Colômbia. Como consequência, no entanto, houve a partir dos anos 2000 uma enorme reação da sociedade e de prefeituras que ajudaram a revitalizar Medellín.

Sobre este período, Gutierrez falou também da importância de o museu ter recebido uma enorme coleção de obras de Fernando Botero, doada em 2000, não só pela qualidade artística do pintor e escultor, mas por esta coleção atrair um vasto público para as atividades da instituição desde então. Foi neste momento que Antioquia passou a ser o museu mais popular da cidade e pode se mudar para um grande edifício no centro da cidade.

Segundo a diretora, a instituição, com 137 anos de existência, quer definir-se hoje como um museu contemporâneo a partir do modo como trabalha e interage com seu entorno. “Mas entendemos a contemporaneidade a partir da instituição, não do objeto. Ou seja, não somos um museu de arte contemporânea, mas um museu contemporâneo, que abriga a coleção histórica mais importante da região”, afirmou. “Pois cuidar de uma coleção histórica implica um permanente reconhecimento do presente que atualize continuamente a visão do passado.”

Além desta premissa de “revisar criticamente os legados que nos foram deixados”, como explicou Gutierrez, há também o compromisso de se voltar para as populações mais oprimidas e vulneráveis e de dialogar com o entorno urbano. “O compromisso social é um dever para o museu.” Isso se dá, por exemplo, no trabalho em diálogo com as populações de Medellín e com o território onde o museu está localizado, no centro histórico. “Mas não devemos esquecer que somos uma instituição de arte, não uma ONG ou outro tipo de organização.”

A partir daí a diretora falou de uma série de projetos realizados pelo museu ao longo dos anos, como o Encontro Internacional de Arte de Medellín de 2015, intitulado “Histórias Locais/ Práticas Globais”. Para além das exposições no museu, outras mostras se espalharam por espaços independentes da cidade, na tentativa de dialogar com o maior número possível de pessoas, muitas vezes também em espaços públicos e abertos.

Após Péres-Barreiro e Gutierrez, foi a vez da holandesa Anneliek Sijbrandij falar sobre o projeto Verbier Art Summit, fundado por ela e realizado desde 2017 na cidade suíça de Verbier, nos Alpes, a 1500 metros de altitude. O evento, que reúne influentes artistas, pensadores, galeristas e colecionadores de vários cantos do mundo e que a cada edição se pauta em um grande tema, se propõe a ser um espaço multidisciplinar de discussão e inovação que, segundo Sijbrandij, “possa trazer de volta o valor cultural da arte”.

Para a diretora, a busca é por realizar conversas aprofundadas que possam ter influências reais no mundo da arte ao debater as complexidades do sistema vigente. Segundo Sijbrandij, a localização do evento em uma pequena cidade em meio às montanhas nevadas da Suíça possibilita que os participantes se distanciem de suas vidas cotidianas. “Isolados das distrações da vida urbana, as pessoas podem focar, trocar ideias, socializar e se conectar.”

Iniciativa independente realizada por uma organização não lucrativa, o Summit debateu, nas edições anteriores, o crescimento dos museus e a arte na era digital. O primeiro evento teve curadoria de Beatrix Ruf, do Stedelijk Museum Amsterdam, e o segundo de Daniel Birnbaum, do Moderna Museet Stockholm.

A próxima edição, de 2019, tem curadoria do alemão radicado no Brasil Jochen Volz, curador da 32a Bienal de São Paulo e atual diretor da Pinacoteca. Intitulado “We are many: art, the political and multiple truths”, o Summit debaterá as múltiplas narrativas artísticas e políticas em um mundo marcado pela incerteza. Participarão, entre outros, os artistas Tania Bruguera, Grada Kilomba, Ernesto Neto e Naine Terena, a curadora Gabi Ngcobo, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, a diretora da Tate, Maria Balshaw, e o neurocientista Wolf Singer.

Para alcançar um público maior do que os participantes que conseguem se deslocar para Verbier, o Summit disponibiliza online todas as discussões e debates, em geral com live streaming, e organiza todo ano uma publicação impressa.

O último participante a falar no painel “Arte Além da Arte” foi Paulo Tavares, co-curador da próxima Bienal de Arquitetura de Chicago e professor da Universidade de Brasília. Tavares iniciou sua fala propondo uma pergunta: “Se a cidade e o território são direitos, pode ser a arquitetura concebida como uma forma de advocacia deste direito? E o que isso significa?”.

O arquiteto e curador apresentou o projeto Memória da Terra, relacionado ao processo de deslocamento forçado dos índios Xavante do Mato Grosso, no qual, justamente, a arquitetura – “o desenho, a modelagem, o mapeamento” – são utilizados como instrumento de advocacia de direitos.

“É preciso dizer que o processo de modernização do território brasileiro tem uma fundação intrinsicamente colonial”, disse ele. Tavares afirmou que o projeto de destruição ambiental vivido pelo Brasil no século 20, especialmente no período da ditadura militar, foi também um projeto arquitetônico de território. Ele discorreu sobre o que foi chamado de “processo de pacificação”, ou seja, a criação de postos indígenas que concentraram as populações ameríndias e, retirando-as de seus territórios originais, liberaram as terras para exploração.

Dada a dificuldade de mapear fisicamente o desaparecimento de populações indígenas, justamente pela falta de registros governamentais, o projeto Memória da Terra passou a investigar a remoção forçada dos povos Xavante de seus territórios a partir das imagens existentes. Com fotos feitas por jornalistas da época sobre a “conquista” das terras indígenas, Tavares e os outros integrantes do projeto passaram a fazer uma espécie de “arqueologia da imagem”, utilizando estratégias da arquitetura para reconstituir o mapa dessas aldeias desaparecidas.

Assim, relacionando o desenho das aldeias – sempre uma espécie de estrutura em arco – vistos nas fotos com imagens de satélites antigas recentemente tornadas públicas pelos EUA, os pesquisadores do projeto conseguiram mapear as aldeias. Também se utilizaram das marcas que se podem ver nos territórios, como assinaturas no chão, definidas pelo padrão botânico. “As árvores cresceram na mesma estrutura em arco em que eram desenhadas as aldeias. Assim, a história desse povo continua registrada na própria composição botânica da floresta.”

Esse desenho botânico, portanto, é fruto direto da arquitetura dessas aldeias, explicou Tavares. “São produtos das ruínas, mas são ruínas vivas. Podemos então entender árvores e plantas como monumentos históricos? Pode ser a floresta considerada um patrimônio urbano, arquitetônico? Pode ela ser vista como cultura, não natureza?”

Considerando a resposta positiva para estas questões, o projeto se desdobrou em um relatório que, junto com as outras provas colhidas pelo Ministério Público, servem como “material evidenciário” para uma petição que foi feita ao Iphan e a Unesco para que este solo seja considerado um patrimônio arquitetônico. O trabalho tem sido feito também em parceria com as populações indígenas da região, como mostrou Tavares ao longo de sua exposição.

Morre Almir Mavignier, expoente do construtivismo

Geometría é a matriz da obra de Almir da Silva Mavignier, artista carioca que morreu no início deste mês em Hamburgo, onde morava. Ele é um dos nomes seminais da abstração geométrica brasileira e, com Mário Pedrosa, Ivan Serpa e Abraham Palatnik criou o núcleo de arte construtiva do Rio de Janeiro, no fim dos anos 1940.

Sua aproximação natural com o geometrismo começa ainda no Brasil, quando problematiza a rigidez e a interpretação gestual do formato inflexível do movimento, ao qual esteve ligado toda sua vida. Recordo que em 1987, quando visitei Mavignier em Hamburgo, na Alemanha, com Ana Mae Barbosa e o crítico Reynaldo Roels, em sua casa ateliê, compreendi o universo de Mavignier, o registro visual e linguístico inspirados em uma estrutura lírica, limpa e asséptica. O movimento corporal, seu modo simples, mas refinado de receber e falar português sem sotaque, apesar dos mais de 50 anos de Alemanha, tudo parecia extensão de sua elegante obra. Assim como Geraldo de Barros e Alexandre Wollner, Mavignier também cursou e ensinou na Escola Superior da Forma, de Ulm, na qual Max Bill, premiado na 1ª Bienal de São Paulo em 1951, foi seu professor.

Falar da produção de Mavignier requer imaginação analítica. A arte para ele é como um olho com retina repleta de ângulos, linhas, pontos, que ilustram um perfeccionismo formal pouco visto na arte brasileira. Sua trajetória  começa em 1946 no Rio de Janeiro, onde estuda pintura com Árpád Szenes e, cinco anos depois, já expõe no Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde tem contato com as obras de Willi BaumeisterRichard Paul LohseCamille Graeser e Verena Loewensberg que o influenciam fortemente. Seu interesse por outsiders o aproxima da psicanalista Nise da Silveira e, entre 1946 e 1951, monta um ateliê no hospital psiquiátrico do Engenho de Dentro, no Rio. A vivência com esses pacientes reforça sua ideia de que a fantasia criativa nasce no interior do indivíduo. Nos anos iniciais, Mavignier produz trabalhos abstratos, desenvolvidos entre a forma geométrica e a figuração orgânica. A experiência com Nise da Silveira o aproxima do crítico Mário Pedrosa e dos artistas Ivan Serpa e Abraham Palatnik, o que muda radicalmente seu trabalho. Mavignier se deixa influenciar pela tese de Pedrosa A Influência da Teoria da Gestalt sobre a Obra de Arte que o faz compreender que o conteúdo de uma forma não se encontra na sua associação com formas da natureza. “Esse conhecimento me permitiu abandonar uma pintura naturalista e iniciar uma pintura de pesquisas concretas de formas livres de associações”.

Destino natural de muitos artistas na época, em 1951 Mavignier muda-se para Paris e, no ano seguinte para Zurique, onde conhece Max Bill, que assumiria a direção da famosa Faculdade de Design de Ulm. Nessa época parece que sua essência era a insatisfação. Uma energia contida, o desejo de descobrir o novo, parecia tomar conta de Mavignier, que já deixara o Rio de Janeiro, Paris, Zurique e decidiu mudar para Ulm. Foi desencorajado por Max Bill, que acreditava que a pequena cidade seria um desafio enorme para um jovem que acabara de deixar a efervescente Paris dos anos 50. Max Bill dizia que “morar em Ulm é para uma nova geração alemã do pós-guerra que foi separada da cultura europeia e não para artistas românticos que vivem em Paris”.

Determinado, Mavignier não lhe deu ouvidos, foi para lá e provou o contrário. Adapta-se facilmente ao ritmo lento da cidade, torna-se bom aluno de Max Bill, Josef AlbersMax Bense, entre outros, torna-se depois professor e faz nome como artista. Mais tarde, transfere-se para Hamburgo onde é convidado a ensinar na Faculdade de Arte. Como designer gráfico, notabiliza-se pela produção de cartazes, que inicia quando estuda com Max Bill, nos quais incorpora novas pesquisas formais. No final dos anos 50, esses cartazes assumem caráter “modular”, como os definia e, em vários deles usa a repetição para transformar elementos compositivos e cromáticos em constantes matemáticas.

Em 1958, Mavignier se aproxima do Grupo Zero, que teve ramificação na Alemanha. Participa de alguns projetos com seus integrantes e, um ano depois, cria seu próprio estúdio em Ulm e se destaca especialmente como designer gráfico. Mavignier permanece na cidade até 1958 quando já atuava como professor na famosa escola. São dessa época imagens pontuais, que parecem vibrar opticamente. A partir de 1960, surgem os famosos “cartazes aditivos”, cada um pensado para ser apresentado ao lado de uma impressão de si mesmo, estabelecendo um trabalho repetitivo e contínuo.

Em nossa conversa em Hamburgo, Mavignier comentou que sua passagem por Ulm e seus professores foram determinantes para desenvolver um trabalho que mais tarde o lançaria no circuito internacional. Sua obra é marcante pela cor que não é apenas um portador de significado. Meu interesse está nas questões de percepção ótica que experimento nas pinturas”.

Mavignier nasceu em 1º de maio de 1925, no Rio de Janeiro e se identificava com a data, mas sem qualquer conotação ideológica. “Produzir diariamente me mantém vivo”. O tempo prova que sua máxima é verdadeira, Mavignier morre aos 93 anos e deixa uma extensa obra reconhecida no Brasil e na Alemanha. Ao contrário do que alguns jornalistas de arte, equivocadamente, insistem em afirmar, alguns artistas brasileiros participam da Documenta de Kassel, desde sua criação em 1955 (ano do chamado milagre econômico alemão) e não só a partir de 1991, como vem sendo publicado constantemente. A prova disso é que Mavignier foi convidado, como brasileiro, por duas vezes, em 1964 e 1968. Na conversa com ele e com o livro Künstlerlexiton mit Registren zu Documenta 1-8, editado pela Verlag Weber & Weidemeyer (Kassel 1987) descubro o que pouca gente do circuito de arte sabe. Na mostra inaugural de 1955 já estava Alberto Di Fiori; em 1959 Fayga Ostrower e Arthur Luiz Pisa; em 1964 Almir Mavignier; em 1968 Almir Mavignier outra vez e Sérgio Camargo (sala montada com ajuda de Maria Bonomi); e em 1977 León Hirszman (cineasta).

As últimas mostras mais significativas de Mavignier foram no Museu de Arte Concreta em Ingolstadt, em 2003, e um ano depois no Museu de Arte Aplicada de Frankfurt com seus Cartazes Aditivos. A Dan galeria de São Paulo, organiza a mostra Momentos de Luz, com cartaz e catálogo e premiados pela APCA. Em sua filial em Nova York, a Galeria Nara Roesler mostrou Almir Mavignier: Forma Privilegiada, em março/abril deste ano.

Com sua morte, o Museu de Ulm organiza uma retrospectiva com obras representativas de vários períodos de Mavignier, o artista que compreendeu que “o presente é tão veloz que não se pode deixar escapá-lo”.

 

 

 

 

 

 

Um Flavio-Shiró por completo

The Biginning, 2012-2103

No início dos anos 2000, a Pinakotheke projetou uma trilogia de livros que homenageasse grandes artistas nipo-brasileiros. A iniciativa tomou forma em parceria com a BTG Pactual. O início se deu em uma reunião da obra de Manabu Mabe produzida durante a década de 50. O livro seguinte homenageou o construtivismo de Tomie Ohtake. Para encerrar a trilogia, um mergulho na trajetória de Flávio-Shiró foi produzido.

Em ocasião da exposição que homenageou os 90 anos de nascimento de Shiró na sede paulistana da galeria – a partir de 24 de setembro na carioca –, a Pinakotheke decidiu  atualizar o volume, lançado em 2015, que traz a obra do artista nascido na ilha de Hokkaido, no Japão. A versão atual, de julho de 2018, agrega uma série de novos trabalhos de Flávio, incluindo os produzidos no ano vigente.

Com apresentação de Max Perlingeiro, diretor da galeria, o livro tem como fio condutor um texto de Paulo Herkenhoff sobre o artista, também autor dos textos nos outros livros da coletânea. Exímio conhecedor e apreciador da arte nipo-brasileira, o crítico já produziu, em 2008, uma exposição com cerca de 400 obras que demonstravam a relação Brasil-Japão no Instituto Tomie Ohtake. Além disso, Paulo tem uma relação próxima de Shiró há mais de 40 anos, conta Perligeiro. Desta forma, não há dúvidas de que a presença dos escritos de Herkenhoff no livro é parte essencial.

Na década de 1960, o artista exibia suas obras em paris, Nova York, Rio de Janeiro e Chile

O livro cuida de pontuar, mesmo de forma não explícita, todas as influências que Shiró tem dos lugares por onde passou. Especialmente daqueles onde se fixou como morador e teve uma vivência a qual passa a suas obras. É notável uma França, um Japão e um Brasil em sua produção. Desta forma, ter esses pontos definem a capacidade do artista de se colocar em um espaço.

Para Max, é importante se voltar a um percurso como o de Shiró, que “é um artista indescritível, com uma erudição incrível”. E aí está outro ponto importante do livro, que não mede nenhum esforço para oferecer ao público uma visão privilegiada de quadros de um artista que ao longo da vida se alimentou das imagens do teatro e do cinema, inclusive tendo contato com nomes como Akira Kuroswa.

Esgotada desde 2015, a primeira edição do livro podia ser encontrada até mesmo sendo leiloadas. Isso demonstra a importância da obra de um artista como Shiró ser catalogada. Além de tudo, sem dúvidas, o atualização do livro e a exposição-homenagem neste momento da vida de Shiró mostram, acima de uma compilação de seu trabalho, a grandiosidade de um artista que, aos 90 anos de idade, continua pintando com uma consciência indiscutível daquilo que faz.

“Escolhi você para fazer meu último livro e minha última exposição”, é assim que, segundo Perlingeiro, Shiró fala jocoso quando se encontram. O galerista rebate: “Todo último é o penúltimo”. Com a energia de Shiró, produzindo constantemente, não há como negar que essa é apenas a primeira atualização deste livro.

Flavio-Shiró, Edições Pinakotheke, 216 páginas, R$90

 

Memória restaurada e rumos ampliados

Diana caçadora, réplica da obra do escultor francês Jean-Antoine Houdon (1742–1828) feita pelos alunos do Liceu de Artes e Ofícios De são paulo. Restaurada após ser depredada no Vale do Anhangabaú, agora faz parte dos jardins do novo Liceu. Foto: Hélio Campos Mello

*Por Angélica de Moraes, colaboradora

 

Quando aconteceu o incêndio do Centro Cultural do Liceu de Artes e Ofícios, em 2014, a tristeza dos que prezam o patrimônio histórico e artístico do país foi enorme. A História da cidade de São Paulo foi gravemente atingida. Embora grande parte da construção e o acervo que ela abrigava restassem destruídos pelo fogo, a memória da instituição centenária, fundada em 1873, pôde ser pesquisada em várias fontes e coleções privadas. Renasceu em detalhes, em fotos de época, objetos de decoração e móveis de refinado desenho e execução. Emocionantes detalhes, que garantem visita prazerosa ao passado de um projeto dedicado ao ensino técnico de qualidade, que chega ao presente com cursos atualizados para o futuro: os desafios do design com computação gráfica e da internet das coisas.

O prédio, nas cercanias do Parque da Luz, foi revitalizado por projeto de restauro e reconstrução comandado pelo arquiteto Ricardo Julião. Ganhou amplos espaços iluminados por luz natural e pé direito de 11 metros, adequados às demandas atuais. Tudo pontuado por referências ao tempo aderido a detalhes como o uso dos tijolos originais nas colunas. Parte da estrutura metálica que queimou foi recuperada e pintada. Não mais apóia o peso da construção: ancora a memória construtiva do conjunto, de grande leveza visual.

A reabertura do espaço expositivo do Liceu acontece com uma curadoria de Denise Mattar articulada em três momentos O Ontem, o Hoje e o Amanhã e duas mostras simultâneas e complementares, em cartaz desde final de agosto. Uma, sob curadoria da designer Fernanda Sarmento, denominada “Design Brasil Século XXI”, fica em cartaz por quatro meses e é uma afinada prospecção de projetos de móveis que reduzem o impacto ambiental de sua produção. O elenco coloca lado a lado nomes consagrados como os irmãos Campana e certeiras apostas em jovens talentos.

A outra mostra, denominada “História e Memória”, resultou de pesquisa que ocupou Denise e sua equipe por mais de dois anos e ficará em cartaz até agosto de 2019. O minucioso levantamento da instituição centenária, fundada em 1873 por um grupo de prósperos empresários ligados à cafeicultura, rendeu uma linha do tempo que costura todo o percurso da mostra. Os 145 anos do Liceu, com seus personagens e obras, são materializados em fotografias e ampliações fotográficas entremeadas com objetos (móveis, luminárias, desenhos e instrumentos de trabalho).

A marcenaria e ao lado, os novos salões. Foto: Patricia Rousseaux

Há fotos curiosíssimas, como o almoço oferecido pelo Liceu à equipe de artesãos que fez a fundição da estátua eqüestre de Duque de Caxias, obra do escultor modernista Victor Brecheret (1894-1955) instalada na praça Princesa Isabel. O local do almoço: o interior da barriga do cavalo, ainda sem a metade superior.

O Liceu surge aos olhos dos visitantes como história viva e importante testemunho de um projeto exemplar de qualificação de mão de obra para atender a demanda por marcenaria e serralheria de alta qualidade na época em que a cidade se sofisticava.O período mais importante desses começos, situa Denise, “foi entre 1895 e 1928, quando o arquiteto Ramos de Azevedo orientava os trabalhos de acabamento de seus prédios no Liceu”.

Moldes originais feitos na serralheria do Liceu

Foi nas oficinas do Liceu que se faziam os móveis e elementos decorativos dos ambientes que ainda constituem o centro antigo da cidade. Foi lá que foram feitas as poltronas em veludo vermelho esculpidas em madeira do Theatro Municipal, assim como o desenho e a fundição das sinuosas grades de ferro das antigas sedes centrais do Banco do Brasil e outros prédios da região mais antiga da metrópole.

A coleção de gessos com réplicas em tamanho natural de famosas esculturas da História da Arte, que serviram de modelo para aulas de desenho, foram muito atingidas pelo fogo. Livio de Vivo, presidente do Conselho do Liceu, lembra que, das 28 peças existentes na coleção, restaram apenas oito. Quatro delas estão na exposição, com destaque para uma cópia da Pietá de Michelangelo, restaurada por Júlio Moraes, nome de excelência no setor no país.

A renomada escola ligada ao Liceu, que ganhou muitos prêmios internacionais (Saint Louis, EUA; Turim, Itália, etc…), oferece ensino médio regular pago e curso técnico gratuito em período semi-integral para alunos carentes. Neste segundo semestre de 2018, passa a ter cursos de teoria e prática para soluções tecnológicas avançadas em automação industrial e internet das coisas. “A Liceu Tech atualiza e desenvolve a missão de excelência iniciada pelo Liceu”, observa Patrícia Macedo, diretora da escola. Os alunos fazem estágio em empresas parceiras, porta de entrada para o mercado de trabalho. O Brasil que deu certo está a ensinar o Brasil que precisa dar certo.

Pufe Balanço branco de Nido Campolongo na exposição de design

Carmela Gross

Grande Hotel, Neón. Saguão de entrada Sesc 24 de Maio, São Paulo

Em plena ditadura militar, na Bienal de São Paulo de 1968, a artista Carmela Gross apresentou três obras, entre elas “Barril”, uma referência ao instrumento de tortura usado na época pela polícia para provocar uma situação de afogamento nos presos.

A obra foi apresentada justamente na Bienal do Boicote, assim chamada porque muitos artistas deixaram de participar da mostra em sinal de protesto contra a situação vivida pelo país. “Como instrumento de tortura, ele [o barril] já era, por sua vez, resíduo da indústria norte-americana do petróleo. Metáfora reduzida ao mínimo, quase uma não metáfora, mas que implicava a dominação estrangeira e a dependência brasileira, inclusive, nas práticas clandestinas da ditadura”. O depoimento atual, que após 50 anos apresenta um Brasil ainda submisso aos EUA e com a democracia ameaçada, é da própria artista no livro “Carmela Gross”.

A nova publicação traça um panorama da obra de Gross desde 1967 até 2017, portanto uma visão ampla de 50 anos de carreira, apresentando 76 obras de forma detalhada, muitas delas com relatos da artista, como é o caso de “Barril”.

Gross tem sido uma artista com forte presença na cidade de São Paulo, seja em mostras temporárias como a Bienal de São Paulo (1968, 1989 e 2002), seja em obras de caráter permanente, caso de “Grande Hotel”, a mais recente apresentada no livro. Ela se encontra no Sesc 24 de Maio, projetado por Paulo Mendes da Rocha, inaugurado no ano passado no centro da cidade. “O letreiro luminoso GRANDE HOTEL, instalado na praça de entrada do edifício, combina a descoberta de um sítio perdido com a evocação de uma promessa – a da cidade como o lugar maior de seus habitantes”, descreve a artista na publicação.

Luminosos criados a partir de luzes neon ocupam muito da obra de Gross, uma maneira de estabelecer vínculos com as formas de comunicação da própria cidade, subvertidos, contudo, conforme seu desejo. Ela escreveu Hotel sobre a Bienal de São Paulo, em 2002, uma forma que pode apontar tanto para o caráter temporário e passageiro da mostra, como para o caráter limitante e de privilégios que ela encerra.

Esse é um bom exemplo, aliás, dessa relação muito estreita entre a poética da artista e os códigos urbanos, uma linha dominante na publicação, que também ocorre com a apropriação das placas metálicas que em geral denominam nomes de rua, mas na obra de Gross se transformam em estratégias para nomear os que nem sempre possuem visibilidade.

Figurantes, 25 placas de ferro esmaltado

“Figurantes” (2015) retrata bem essa possibilidade, já que: “Alude a um cortejo insólito de dúbias figuras. São aquelas listadas por Marx em O 18 Brumário de Luis Bonaparte (1852), como membros da Sociedade 10 de Dezembro, constituída de biscateiros, herdeiros arruinados, vagabundos e desocupados de toda ordem”, segundo relato de Gross no livro.

É bastante generosa essa maneira de abordar a carreira de Gross, usando junto às imagens das obras seus próprios depoimentos em primeira pessoa para se conhecer o processo de criação da artista, suas inspirações e objetivos. Afinal, a arte contemporânea nem sempre é de fácil comunicação, mas os textos claros e precisos da artista são uma maneira de dar algumas pistas além da própria visibilidade de cada trabalho.

Essa preocupação reflexiva se expande ainda mais na segunda parte do livro organizado pelo curador Douglas de Freitas. “Carmela Gross” reúne ainda uma entrevista da artista conduzida por ele e três ensaios escritos pelos curadores Paulo Miyada, Luisa Duarte e Clarissa Diniz.

Editora Cobogó, 280 págs., R$ 150

Os preciosos retratos de Bob Wolfenson

Rita Lee, 1976, São Paulo

Referência no sofisticado mundo da moda brasileira, o fotógrafo apresenta sua retrospectiva, Bob Wolfenson: Retratos, no Espaço Cultural Porto Seguro, com mais de 200 fotos, feitas em 45 anos de trabalho. A exposição abre no dia 23 de agosto e permanece em cartaz até 9 de dezembro de 2018.

Bob nasceu no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, e começou sua carreira aos 16 anos como uma espécie de office boy na então pujante Editora Abril, no Estúdio Abril, que foi, comandado por Chico Albuquerque, a meca da fotografia de moda.

Entrou como office boy e saiu fotógrafo. Aos 20 anos, abriu seu próprio estúdio com dois amigos, Dudu Tresca e Leonardo Costa. Anos depois, deixou o Brasil e foi trabalhar em Nova York, no estúdio de Bill King, incensado fotógrafo que, entre outras mega celebridades, colocou Twiggy e Cindy Crawford na capa da Vogue americana.

Ficou um tempo por lá e trouxe a experiência americana na bagagem, o que facilitou bastante sua vida por aqui. Tanto que, recém chegado, já foi chamado para fotografar para a Vogue brasileira. A partir de então, seu sucesso foi crescente.

Se Nova York fez bem a sua carreira, o Bom Retiro fez bem ao seu caráter.

Hoje com uma composição étnica mais variada, com predominância coreana e boliviana, quando Bob ganhou sua primeira câmera de seu pai, era o bairro dos judeus. De familia progressista, dona de malharia, ele cursou o Colégio de Aplicação, da Faculdade de Filosofia da USP, e depois fez Ciências Sociais, curso que interrompeu quando a fotografia tomou as rédeas de seu tempo.

Mas a formação humanista fez bem.

Em um ramo onde os egos costumam padecer de gigantismo, Bob cuida bem do seu. Isso fica evidente no contato pessoal e é verbalizado no livro que escreveu em 2009 para a Editora Campus, Cartas a um jovem fotógrafo.

Na publicação de pouco mais de 200 páginas, ele diz na introdução: “… só posso e quero falar daquele que sou – sem nenhuma afetação narcísica, assim espero”.  E mais adiante ressalta que escreve “para contar um pouco dessa profissão, do ambiente que a cerca e das armadilhas, do ego e do mercado…”.

O senso crítico e o bom humor aparecem quando se refere à fase pós experiência novaiorquina:

“Não me lembro direito de tudo o que fiz nesse período, mas algumas destas fotos eram muito ruins.”

Com o mesmo espírito relata os bastidores da foto de Oscar Niemeyer, exposta na retrospectiva. No escritório do arquiteto, no Rio, ele pediu para Niemeyer deitar em uma poltrona, projeto de sua autoria. A resposta veio torta: ”Isso eu não faço. Não deito”.  Aí Bob sugeriu que ele, então, sentasse na tal poltrona. A resposta, mais torta ainda: “Não sento”. Para acabar logo com o sofrimento, Bob conta que ,enquanto se virava para colocar um fundo branco atrás de Niemeyer, o arquiteto provocava: “Por que você fotografa homens? Se eu fosse você, só fotografava mulher”.

“Mas é o que eu mais faço”, respondeu.

Apesar de tudo, o fotógrafo gostou do resultado.

Bem humorado, Bob já disse que deixou o Bom Retiro mas o Bom Retiro não o deixou.

E, como uma imprevista comprovação disso, agora, passados alguns anos, a retrospectiva de sua carreira está a poucas quadras de onde ele nasceu e viveu sua infância e juventude.

As mais de 200 fotos que compõem a exposição têm Rodrigo Villela como curador e estão no Espaço Cultural Porto Seguro, destino obrigatório no roteiro cultural de São Paulo, que fica na Alameda Barão de Piracicaba, na fronteira entre os bairros dos Campos Elísios e do Bom Retiro, e a pouco mais de dez quarteirões de distância da rua Afonso Pena com rua Guarani, onde o fotógrafo passou a infância. Para Rodrigo Villela, o trabalho de curadoria foi árduo mas prazeroso. Para chegar nas fotos escolhidas, mais de mil foram vistas. A mais antiga é de José Celso Martinez Corrêa, de 1973, e a de Sebastião Salgado foi feita há alguns meses.

“Com um arco temporal tão extenso, podemos observar no trabalho de Bob também uma crônica de costumes, um viés possível inclusive para uma apreciação histórica”, destaca o curador.

E se é uma curiosa coincidência a mostra estar a poucas quadras de onde Bob nasceu é também interessante que haja outra importante retrospectiva na cidade com alguma relação com ele, mesmo que tênue. Em sua fase americana, para conseguir o emprego com Bill King,  Wolfenson mandou cartas com o mesmo pedido para outros fotógrafos, como Richard Avedon, Arthur Elgort, Barry Lategan e Irving Penn. Só King respondeu.

Irving, um dos que não respondeu, tem também sua retrospectiva, Irving Penn: centenário, com mais de 200 fotos, em São Paulo, na Avenida Paulista, no IMS, Instituto Moreira Salles. Um pouco mais distante do Bom Retiro. Mas também imperdível.

Agenda: confira os destaques da semana 15 a 21 de setembro

 

INSTITUIÇÕES

Ernesto de Sousa, frame de ‘Happy People’, 1969

FUSO: Anual de Video Arte Internacional de Lisboa, coletiva no Galpão VB, em 15/9.

Sempre no final do mês de agosto, com entrada gratuita, o FUSO saúda as noites do verão português com obras em vídeo que cruzam as artes plásticas, a performance, o cinema, a literatura e os meios digitais, propondo uma nova abertura à imagem em movimento do século 21.

No Galpão VB, serão exibidos dois programas derivados da mostra. O primeiro, curado por Marta Mestre, se concentra na produção portuguesa contemporânea e apresenta uma seleção de obras premiadas em suas diferentes edições. O segundo programa, curado por Isabel Alves, traz três obras históricas de Ernesto de Sousa, autor incontornável na produção audiovisual em Portugal.


Maíra Dietrich, ‘Miragem’, 2017

Maíra Dietrich: Visão Periférica, individual no Paço das Artes, abertura em 18/9.

Integrante da Temporada de Projetos do Paço das Artes, a exposição é constituída por três obras: a peça sonora que dá nome à mostra, composta por cinco falantes sincronizados; “papelzinho”, uma projeção de slides com imagens de processos de trabalho realizados de 2008 a 2018; e o trabalho “Ptit Poema”, que são anotações curtas realizadas diretamente sobre o espaço. Segundo a artista, “visão periférica é o nome dado a toda percepção visual  que ocorre fora do foco ocular, a visão não-central, a habilidade de perceber o que está ao redor da mira, um exercício de compreender e se colocar em relação ao contexto que nos circunda”. Trata-se, também, de um termo adotado pela artista para definir sua metodologia de trabalho, que consiste em relacionar o que é visto e ouvido em diferentes
espaços de tempo.


Millôr Fernandesm Desenho para publicação em IstoÉ, 15.08.1990. IMAGEM: Acervo Millôr Fernandes / IMS

Millôr: Obra Gráfica, individual no IMS Paulista, abertura em 18/9.

A mostra divide em cinco grandes conjuntos a obra gráfica de Millôr, dos autorretratos à crítica implacável da vida brasileira, passando pelas relações humanas, o prazer de desenhar e a imensa e importante produção do “Pif-Paf”, seção que manteve na revista O Cruzeiro entre 1945 e 1963. O acervo de Millôr, que reúne mais de seis mil desenhos e seu arquivo pessoal, está sob a guarda do Instituto Moreira Salles desde 2013.


Leila Ao sul do futuro #1, 2018

Leila Danziger: Ao Sul do Futuro, individual no Museu Lasar Segall, abertura em 15/9.

O que Leila Danziger propõe em sua pesquisa como artista visual e poeta é um convite a um olhar cético, fruto dos traumas históricos que nos trazem ao agora. Para alcançarmos isso, é preciso termos um pé no aqui (presente) e o outro no lá (passado).

As narrativas acerca do processo de migração não apenas de sua família, mas de milhares de judeus-alemães que enxergavam o Brasil como território para um novo começo, são centrais nesta exposição.


Projeto de Paulo Mendes da Rocha exposto na ocupação. FOTO: Rovena Rosa/Ag. Brasil.

Ocupação Paulo Mendes da Rocha, Itaú Cultural de São Paulo, até 14/11

Com curadoria do arquiteto Guilherme Wisnik e do instituto, a mostra reúne croquis, fotografias, maquetes, textos críticos e depoimentos de Mendes da Rocha que expõem sua obra e suas perspectivas criativas. O tema que guia a exposição são as águas, elemento que atravessa o trabalho do urbanista e professor de várias formas: desde o imaginário dos rios e dos mares até a proposta de um sistema fluvial para a América Latina, passando pela piscina como ideal de espaço público.


C+P Arquitetura; Rodrigo Calvino e Diego Portas, Hostel Villa 25, vencedor do segundo lugar. FOTO: Federico Cairoli.

Prêmio de Arquitetura Instituto Tomie Ohtake AkzoNobel, coletiva no Instituto Tomie Ohtake, até 23 de setembro.

A seleção dos projetos foi feita por um júri formado pelos arquitetos Adriana Benguela, Fábio Mariz Gonçalves, José Lira, Marcos Boldarini e Priscyla Gomes. Os 13 projetos finalistas, selecionados entre os 244 inscritos, provenientes de 17 estados brasileiros e Distrito Federal, fazem parte da exposição.


Jaime Lauriano, ‘Combate #1’, 2017. FOTO: Filipe Berndt

Quem não luta tá morto, coletiva no Museu de Arte do Rio, abertura em 15/9.

Assinada por Moacir dos Anjos, um dos mais importantes curadores do país, com passagens pelas Bienais de São Paulo e Veneza, a mostra faz parte do programa de comemoração dos 5 anos da instituição.
Sem ter pretensão de apresentar um panorama conclusivo, exposição traz exemplos do pensamento utópico que marca a arte brasileira recente. Trabalhos artísticos realizados em momentos passados também estarão presentes, além de propostas e ações realizadas por grupos comunitários, associações e outras articulações da sociedade civil que visam a construção de estruturas de atuação política e social.

Raffaello Sanzio, Scuola di Atene, 1508-11

Rafael e a Definição da Beleza: Da Divina Proporção à Graça, coletiva no Centro Cultural FIESP, abertura em 18/9.

Com curadoria de Elisa Byington e produção da Base7 Projetos Culturais, a mostra se antecipa às celebrações que marcam os 500 anos de morte de Rafael, em 2020. A exposição traz obras de grandes mestres do Renascimento de diversas coleções italianas como a Galleria Nazionale da Umbria e de Modena, a Galleria Borghese e o Palazzo Barberini de Roma, a Santa Casa e o Museo del Tesoro de Loreto, e o Museo Nazionale di Capodimonti de Nápoles. Conta também com obras inéditas da coleção Yunes, de São Paulo, da Fundação Eva Klabin, do Rio de Janeiro, e um conjunto de mais de 50 gravuras produzidas no ateliê de Rafael e seus discípulos que hoje integra o acervo da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.


Lawrence Weiner, ‘Deep Blue Sky’, 2007.

Tarefas infinitas, coletiva no Sesc Pompéia, até 30/09

A mostra já passou pela Europa e chegou ao Brasil em agosto, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc e na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. Exposição, Fórum de debates e visitas mediadas com convidados especiais compõem a programação.

O conceito da exposição Tarefas Infinitas “quando a arte e o livro se ilimitam”, originalmente realizado em Lisboa na Fundação Calouste Gulbenkian, norteia-se pela apresentação do livro enquanto laboratório de experiências estéticas, um meio que abre infinitas possibilidades à arte, além de questionar a definição e função do livro a priori.


GALERIAS

Yuri Firmeza . Ouro Branco, Inferno Verde #1, 2018

Com o ar pesado demais pra respirar, coletiva na Galeria Athena, abertura em 20/09

Coletiva com curadoria de Lisette Lagnado reúne obras de André Griffo, Anna Bella Geiger, Antonio Dias, Antonio Manuel, Artur Barrio, Franz Weissmann, Igor Vidor, Iole de Freitas, Lais Myrrha, Laura Belém, Leonilson, Leticia Parente | Matheus Rocha Pitta, Rubens Gerchman.


Delson Uchôa, Fiacão, 2009

Delson Uchôa: Autofagia, Corrupio no Olhar, individual na Zipper Galeria, abertura em 20/9.

Nas obras reunidas nesta seleção, é possível identificar alguns pontos de partida do artista: padrões, formas geométricas e tonalidades recorrentes na produção de Delson nos anos 1980. A variedade de materiais também está presente – lona, lá, algodão, camurça, madeira, plástico e metal mesclam-se à pintura acrílica como testemunhos de um arquivo objetual reunido pelo artista.


Rubens Azevedo, Sem Título

Grandes nomes, pequenos formatos, coletiva na galeria MAPA, abertura em 18/9.

“O petit format é um clássico noutras culturas, ele é a maneira mais rápida e concisa de seduzir o espectador, com maestria e versatilidade. Esta exposição mostra como artistas de épocas diferentes, e que divulgamos, admiramos, e/ou perseguimos, trabalham essa questão específica.”, escreve o curador João Pedrosa.


 

Lourival Cuquinha | Apólice do Apocalipse, 2018

Lourival Cuquinha: Dos meus comunistas, cuido eu, individual na OMA Galeria, até 28/10.

trabalho de forte crítica política e social, Cuquinha discute em sua poética a liberdade do individuo frente ao meio social e capital, questionando assim até mesmo a prática do mercado de arte, tendo um trabalho transgressor o artista se posiciona de forma provocativa diante de um sistema movido pelo poder econômico.


EXTERNA

Regina Parra, simulação de exibição da obra É Preciso Continuar

8ª Mostra 3M de Arte, coletiva no Largo da Batata, abertura em 15/8.

A mostra ao ar livre busca a valorização artística do trabalho pertencente a um projeto consistente que é realizado há oito anos e já apresentou renomados artistas nacionais e internacionais: Guto Lacaz, Giselle Beiguelman, Paulo Bruscky, Nicola Constantino e Bill Viola.


Obra de Bruno Novaes na mostra

Aluga-se Triplex, no Edifício Maria Paula, Sé, até 27/10

Com curadoria de Márcio Harum, a mostra traz trabalhos que serão exibidos nos três andares do endereço, como esculturas, colagens, desenhos, instalação, fotografias, objetos e uma obra performático-cênica. A programação é aberta ao público e conta com oficinas artísticas e educativas voltadas à formação de jovens e adultos, falas, debates, visitas mediadas com especialistas do campo da arte, etc.

O projeto reúne membros do Grupo Aluga-se mais convidados num triplex no centro da cidade de São Paulo. Com curadoria de Márcio Harum, os trabalhos perpassam por questões de memória e política. Participam Yara Dewachter, Evandro Prado, Giba Gomes, José Rufino, Laerte Ramos, Zé Carlos Garcia e outros.

Fim do Ibram é novo golpe na Cultura

"O Ibram como autarquia federal era um consenso na área e sua extinção não foi feita após consulta ou estudos preliminares sérios". FOTO: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Tudo leva a crer que a atual Medida Provisória no. 850 que extinguiu o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), tornada pública na última segunda, dia 10 de setembro, não tenha sido concebida após a destruição criminosa do Museu Nacional do Rio de Janeiro, no dia 2, mas bem antes.

O site do Ministério da Cultura anunciou, em 31 de agosto, na sexta-feira véspera do incêndio que chocou o mundo todo, a saída do presidente do Ibram, Marcelo Mattos Araújo, com um desses elogios que certamente mascaram desavenças, como se pode perceber nas aspas de  Sérgio Sá Leitão, o ministro da Cultura, para quem “o Ministério da Cultura perde muito com a saída de Araújo, que ‘demonstrou a mais absoluta competência na gestão da política pública museológica e dos museus federais brasileiros’”.

Seria um cala-boca? O silêncio do ex-diretor da Pinacoteca do Estado amplifica esse mistério.

Por ironia do destino, Araújo não teve a exoneração publicada antes do incêndio e precisou cuidar do trabalho em torno da catástrofe nos dias seguintes por uma questão formal. Até que no dia 10, extinto o Ibram, ficou livre para seguir fora do governo Temer, uma opção controversa na visão de muitos de seus amigos próximos.

Contudo, sua saída há poucos meses do fim do governo só pode ter uma razão de fato, a discordância com a extinção do Ibram, afinal, se fosse por discordar do governo, o melhor momento teria sido junto com Marcelo Calero, em novembro de 2016, quando corajosamente denunciou o então ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, que também acabaria caindo uma semana depois.

“O Ibram como autarquia federal era um consenso na área e sua extinção não foi feita após consulta ou estudos preliminares sérios”. FOTO: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A criação do Ibram foi um marco na história dos museus brasileiros, que nunca tinham tido um órgão independente para tratar desse tema. Até 2009, outro órgão federal, o Iphan, cuidava dos museus federais, mas sem uma política nacional, como passou a ocorrer com o Ibram. Desde então, estudos, encontros, editais tornaram-se frequentes no cenário dos museus brasileiros, propiciando iniciativas como as semanas dos museus, ou reflexões conjuntas inéditas entre as dezenas de museus do país.

Uma das importantes iniciativas do Ibram para a identificação da atividade museológica no país foi o Cadastro Nacional de Museus,  que mapeou mais de 3.700 instituições de todo país e publicou, baseado nas informações coletadas, duas publicações relevantes: Museus em Números e Guia dos Museus Brasileiros.

Essa articulação toda é que foi extinta, e não é por acaso a resistência à criação da Abram, Agência Brasileira de Museus entre os profissionais da área. Nas redes sociais está claro como a perda chocou e pegou de forma inesperada os museus do país. O Ibram como autarquia federal era um consenso na área e sua extinção não foi feita após consulta ou estudos preliminares sérios.

O que está se propondo em seu lugar, a Agência Brasileira de Museus (Abram) será responsável apenas pelos 23 museus federais, deixando centenas de outros museus do país não mais contemplados com a nova medida.

A polêmica em torno dos fundos para essa agência, parte deles viria do Sebrae, já chegou inclusive ao Supremo Tribunal Federal (STF) com um mandado de segurança pedindo que seja suspensa a medida provisória que criou Abram, pois o Sebrae questiona a utilização de parte de seus recursos para a criação da agência.

Torna-se claro, portanto, que se trata de um ato precipitado, irresponsável, e que só pode ter sido motivado como mais um ato de desmonte do setor cultural. Não se pode esquecer que uma das primeiras medidas foi a tentativa de extinção do Ministério da Cultura. O fim do Ibram é, certamente, parte do ataque e da falta de respeito de um governo sem a menor intenção de valorizar de fato a cultura. O incêndio do Museu Nacional ficará como o melhor exemplo da política cultural do governo Temer.

 

 

 

Exit provoca fricção entre arte e arquitetura

Regina Silveira, videoinstalação Sumidouro, 2018 FOTO: Patricia Rousseaux

Vista de cima, a paisagem plana, feérica, que dá brilho ao centro do Mube – Museu Brasileiro da Escultura, é traduzida por linhas iluminadas com igual intensidade que desenham geometricamente um labirinto para onde o espectador é seduzido a experimentar a sensação do espaço no tempo e vice-versa. A contrassenha desse lugar é o estado de imersão, potencializado pelos óculos com projeção virtual, que permite ao visitante divagar, com ele mesmo, por instantes. Essa experiência, compõe a exposição Exit, um encontro poético/político entre arte e arquitetura, envolvendo 41 obras de Regina Silveira, entre instalações, vídeos, gravuras e objetos, produzidos entre 1970 e 2018, com curadoria de Cauê Alves.

O labirinto pode ressignificar elementos que compõem a realidade como a migração. “O espaço é desconfortável, quero que o público ao percorrê-lo seja estimulado a pensar”. A forma mítica do labirinto tem ressonâncias sobre o visitante e mexe com seus hábitos perceptivos e cognitivos, numa experiência lúdica e inquietante. Regina propõe um jogo interativo, em realidade aumentada, no qual o público ao andar pelo labirinto, com óculos com projeção, vê surgir muros que aparecem e desaparecem na superfície. Com entradas e saídas nos quatro lados, e desenho alternado de rotas, Exit leva o visitante a uma percepção temporal. No momento sócio-político atual em que vários países levantam muros, refugiados são barrados física e psicologicamente, esse trabalho pode ser metafórico dessa situação de barbárie que vivenciamos.

  A ideia do labirinto é um tema recorrente no trabalho de Regina desde os anos 70, quando ainda morava em Porto Rico, e aparece em períodos e com obras de diversas épocas. “Os labirintos são ancestrais, mentais, interculturais, imemoriais e, muitas culturas têm os seus. Nesta exposição, eles são falsos porque todos têm saídas”. Anteriormente a artista criou um labirinto de compartimentações, quando usou, pela primeira vez, uma imagem apropriada. “ Na verdade, é uma imagem que serve de recheio para todas as compartimentações que realizei”. Regina levou os labirintos para o céu, para as cidades, aos executivos, para falarem sobre noção de poder.

“Essa exposição surgiu quando pensei em criar um discurso que juntasse as partes dessa recorrência de motivos. Metáforas das questões migratórias, dos muros interiores, de como as barreiras se fecham quando se coloca os óculos de projeção, de como o labirinto que tinha saída, agora é substituído por esses muros que fecham o espaço”. O escritor argentino Jorge Luis Borges se valeu dessa imagem, cercada de mistérios, para escrever O Labirinto. Borges via o mundo como um imenso labirinto, do qual é impossível fugir porque seus caminhos são desorientadores e ilusórios.

Planos geométricos iluminados compõem Exit, Um Labirinto com entradas e saídas para um outro universo. FOTO: Patricia Rousseaux

A paisagem exageradamente plana é ficcional. “Eu não quis fazer nos óculos uma modelagem do lugar, senão ficaria preso a aquele local. Por isso há uma imagem que sobe e desce. Nessa realidade virtual, você está em imersão total e não vê o que está em seu redor”. De qualquer forma, a realidade virtual pode enganar seu corpo e mente, fazendo você pensar que está em outro lugar, afinal é um universo de interfaces e atravessamentos com outras linguagens. “Esse trabalho é esperto porque é modular, construído com 196 placas iguais de madeira revestidas com tecido, que podem ser divididas, seccionadas, transportadas e adaptadas a outros espaços”.  A obra não pertence mais a Regina, mas ao acervo do Itaú Cultural, que vai gerenciar e cuidar do futuro dela.

Apesar dos atrativos do labirinto, chama a atenção Sumidouro, um vídeo inédito que dialoga com a estrutura arquitetônica do museu. Este trabalho é um dos temas mais atuais da mostra, dentro do conceito de arte/arquitetura. Ele impõe que só haja imagem a pensar para além do princípio da visibilidade, da oposição entre o visível e o  invisível. Regina mais uma vez parte da geometria, agora em movimento contínuo, quase apagada, mimetizada no cinza do concreto, em oposição ao labirinto estático e iluminado. É um recorte de ritmo continuo em que a geometria constitui um espaço especial, com encenação que se desdobra para além da visibilidade. Nele, a artista distorce as vigas e grades do teto e prolonga as paredes do Mube.

Regina teve a ideia de fazer este trabalho quando foi pela primeira vez ao local estudar o espaço, pensando na exposição. “Olhei para a grade e soube exatamente o que ia fazer: colocar a arquitetura para devorar ela mesma”. A grade está espalhada por todo o museu projetado por Paulo Mendes de Almeida, a quem Regina chama de arquiteto modular. “Encomendei para o Rodrigo Barbosa o desenho da grade, a fotografia desde um ponto de vista certo, o meio da rampa”. Tudo foi construído para casar, em escala e em ponto de vista, com o que se vê do teto naquele lugar. “Ao olhar para cima, o espectador tem a sensação de profundidade virtual sem limite, uma animação em loops do espaço devorando a si mesmo e por isso eu o chamo de Sumidouro”. A artista queria que as bordas da projeção ficassem arredondadas como uma máscara, como uma fantasmagoria projetada sobre o concreto cinza e conseguiu. Regina tem razão, essa obra é sutil, um site specific. Pena que seja efêmera e tenha de sair de lá.

A Força da Delicadeza

Quase invisíveis de tão delicadas, as intervenções de Marco Maggi no Museu Brasileiro de Escultura têm uma força visual e uma potência poética impressionantes. Na contramão do que ocorre com frequência nos tempos atuais, em que as obras parecem gritar para atrair o público, as pequenas construções de Maggi apenas sussurram e convidam gentilmente a nossa atenção.

O visitante desavisado, que se depara logo à entrada com dúzias de resmas de papel da mesma altura (sempre 500 folhas, tamanho A4), organizadamente dispostas no chão, vai ficar intrigado. Só aos poucos vai perceber a diferença que existe entre coisas aparentemente similares. As pilhas são idênticas e aparentemente banais. Mas para além da regularidade, elas servem de suporte – como se fossem pedestais – para paisagens crespas, vibrantes, formadas por pequenos cortes, dobraduras, delicadezas, como arcos extremamente finos que se soltaram do lugar de origem para se lançar-se no espaço.

THESIS, 2016

É preciso tempo para atender ao convite de uma observação atenta. A mesma desaceleração do ritmo e o mesmo movimento de recuo e aproximação é exigido nos outros trabalhos dessa pequena porém potente antologia. Todos eles lidam com o que o curador Cauê Alves definiu como “materialidade da ideia”. Questões como escala, profundidade, contraste entre luz e sombra fazem parte do repertório de Maggi. Dois aspectos, porém, chamam especial atenção nesta mostra: o instigante diálogo criado com a arquitetura, enfatizado por sua relação com o conciso do museu feito por Paulo Mendes da Rocha e, o jogo que ele propõe com escalas e invisibilidades.

A mão delicada, o olho atento e o gesto preciso do artista uruguaio fazem com que elementos banais como papéis em branco ou envelopes coloridos adquiram potência no espaço. Muitas das construções de Maggi se assemelham a maquetes. Parecem projetos utópicos de plantas urbanas vistas do alto. Diante de “Assunto pendente”, obra composta por dois rolos em cascata, com mais de mil etiquetas amarelas, que servem de suporte para intervenções com pequeninos pedaços de papel autocolante nas cores branco, cinza e negro, ficamos na dúvida se estamos diante de um jogo abstrato, de placas internas de um estranho computador ou de plantas aéreas de uma cidade fictícia. “Tese” também tem esse efeito perturbador. Ao colar sobre uma simples bolinha de ping-pong uma trama sugestiva de padrões regulares que apontam tanto para um futurismo utópico como para uma abstração arqueológica, Maggi contrapõe imaginários distintos e dá a esfera mínima uma potência planetária.

a força da delicadeza
Logo à entrada dúzias de resmas de papel da mesma altura (Sempre 500 Folhas, Tamanho a4)

Mestre da contraposição – seja entre ideia e gesto, passado e futuro, o minúsculo e o imensamente grande –, Maggi realiza nessa exposição um contraste profundamente instigante entre duas formas de ver seu próprio trabalho. Em duas esquinas próximas, porém opostas, do espaço expositivo, foram dispostos dois trabalhos intimamente conectados. Na primeira delas o visitante é surpreendido com um vídeo, intitulado “Linguagem em Residência”, filmado por ocasião da participação do artista como representante do Uruguai no 56ª Bienal de Veneza. No trabalho, feito em parceria com Maria Ines Arrillaga, vemos uma sucessão de visitantes num espaço expositivo. Eles entram, olham, conversam, fazem registros, se aproximam e se afastam com uma fisionomia ora perplexa, ora encantada. Nada surpreendente não fosse o fato de nós, espectadores do vídeo, vermos apenas uma parede branca. A obra de Maggi simplesmente desaparece para o vídeo, tal é sua delicadeza e capacidade de se revelar apenas aos poucos, dentro de uma intimidade física, epidérmica.

Na esquina oposta o visitante descobre finalmente aquilo que o vídeo, ou melhor a distância da tomada, tiveram “a amabilidade de apagar”, como diz o artista. Milhares de papeizinhos recortados com vagar e cuidado repousam sobre a parede, compõem pequenos nichos, contaminam as superfícies com sua suavidade. Trata-se de um grande plano, formado por uma sucessão de pequenos jogos, metáforas e equilíbrios sedutores, como o pequeno gancho em papel que segura um finíssimo aro, que dança no espaço como um pequeno móbile de Calder, projetando sua sombra distorcida sobre a parede. Intitulada “Miopia Global (parágrafo no canto)”, a obra (que deriva da instalação feita para Veneza), funciona como uma caligrafia sutil, que exige entrega, que intriga e ao mesmo tempo seduz nosso olhar cada dia mais míope.