Aquele Vestígio Assim... Feérico, na Casa triângulo

Um conjunto de tapetes pendurados no teto se movimentam, girando em ritmos distintos, criando uma sensação de dinamismo, quando mostras em galerias costumam ter uma energia quase sepulcral, especialmente pelo pouco público que as frequenta.

Em Aquele Vestígio Assim… Feérico, que esteve em cartaz até 27 de outubro na Casa Triângulo, o assumed vivid astro focus (avaf) fez sua própria festa, mesmo quando não havia público. Em uma fase obscura do país, de clima de guerra nas redes sociais, a experiência de movimento da cor foi como um oasis.

O projeto é um desdobramento da exposição abstracto viajero andino fetichizados, realizada, em 2017, no Museu Mario Testino (MATE), em Lima, no Peru, quando o avaf produziu uma série de quatro tapeçarias inspiradas na cultura Wari, que surgiu na região andina por volta de 680 dC, criadas em conjunto com  Elvia Paucar Orihuela, uma artesã de San Pedro de Cajas.

Em São Paulo, foram seis tapetes, realizados também com Orihuela, em padrões semelhantes às 17 pinturas expostas na mesma sala, número calculado para cobrir todas as paredes, criando um ambiente imersivo. Para chegar a esses padrões, Eli Sudbrack, que criou o avaf em 2001, deu uma espécie de zoom em antigos trabalhos, como se os observasse com uma lente de aumento em busca de seus componentes genéticos. Cria-se, assim, uma imersão na obra do coletivo, que se transforma em realidade e ficção, já que mesmo partindo de imagens existentes, chega a formatos totalmente distintos do original.
Esse procedimento um tanto caleidoscópico, contudo, repete-se com o programa avalanches volcanoes asteroids floods, que tem por base um arquivo de vídeos de Sudbrack, onde são exibidos 66 pequenos trechos selecionados de registros dos últimos 15 anos. Há um pouco de tudo lá, relacionado ao artista, é claro. De trechos de performances, como a realizada em 2008, no encerramento catártico da Bienal do Vazio (28ª. Bienal de São Paulo), a cenas privadas, do cºnvívio afetuoso com amigos. É como se fosse possível, por cerca de duas horas, entrar não só nas memórias do avaf, como no círculo íntimo que ajuda a construir sua obra.

Finalmente, a mostra é composta ainda por um quarto trabalho, na verdade uma instalação que reúne pinturas de assistentes, ex-alunos e amigos de Sudbrack (Camila Rocha, Gilson Rodrigues, Thiago Barbalho, Ricardo Alvez e Nadja Abt) em uma estrutura criada por ele.
Ali ganha força a noção de coletivo, já que não há identificação de autoria no conjunto. Desde seu início, em 2001, avaf tem sido um estranho no ninho no universo das artes plásticas, já que evitou identificar ou singularizar seus membros em uma cena onde ainda conta muito a ideia mítica de autor, para deleite dos colecionadores. Ocasionalmente avaf se transforma em uma dupla com o artista parisiense Christophe Hamaide-Pierson, que também desenvolve projetos avaf independentemente. E o avaf também se transforma em um coletivo, dependendo dos diferentes projetos em que estão envolvidos.

O próprio nome avaf é um acrônimo que muda conforme o local e o momento onde alguma obra é produzida, como o recente America Votes Against Fascism. Obviamente, trata-se de uma atitude política em acreditar na necessidade do esforço coletivo, que pressupõe elementos tão em falta nesses tempos, como respeito, liberdade, coragem e generosidade.
Uma obra composta por tantas mãos, como essa instalação na Triângulo, só é possível quando há um empenho genuíno por novas práticas, que partem de atitudes libertárias. Para o avaf esse compromisso é mantido em clima de festa, talvez por isso a cor seja tão importante em sua trajetória e esteja sempre vibrando de maneira tão intensa.

Novas atitudes _e o mistério em definir quem e o que é avaf merece ser visto como parte dessa estratégia _ precisam ser construídas com uma força criativa potente e é justamente isso que se observa nos tapetes, nas pinturas, nos vídeos e na instalação. Há uma interdependência entre todos esses trabalhos, é bom lembrar, que também merece ser visto como parte de uma estratégia política, ao buscar em pequenos detalhes de antigas obras novas imagens, em considerar histórias aparentemente sem relevância como essenciais, em reunir pessoas e obras de forma inesperada.

Além da mostra na Casa Triângulo, avaf ainda pode ser visto na reTRANSpectiva #2, outra ironia política ao evitar o termo usual retrospectiva para se aproximar de novas construções identitárias com o prefixo trans. Realizada na Viva Projects até 21 de dezembro (rua Cristiano Viana 201, São Paulo), a mostra reúne um conjunto de 27 trabalhos efêmeros, muitos deles produtos utilitários, realizados em diversas parcerias, entre elas com marcas como Amapô ou comme des garçons.

Festa costuma ser um espaço de liberdade, onde é preciso estar livre de condições pré-estabelecidas e em busca de uma alegria libertadora. A vertigem nas obras e atitudes do AVAF nada mais é que um desejo por novas utopias, da festa como um elemento dionisíaco unificador, onde nem sempre essas utopias são esperadas: seja na galeria, seja em uma marca comercial.

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