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A Troia de Taipa

Cerca de 400 jagunços, mulheres e crianças feitos prisioneiros no final da guerra de Canudos, em outubro de 1917. Foto: Flávio de Barros / Álbum Canônico Virtual de Canudos / Acervo Instituto Moreira Salles / Museu da República

“Canudos não se rendeu.” A frase, de enorme impacto, está na penúltima página de Os Sertões. A essa altura, o leitor está com a respiração suspensa, ouvindo o rugido raivoso de cinco mil soldados. Da enorme comunidade surgida em torno de Antonio Conselheiro restam apenas quatro, dentre eles um velho e uma criança. Todos os demais foram massacrados, não sem antes oferecer uma resistência nunca vista na História, que humilhou o exército republicano.

Euclides da Cunha presenciou apenas os últimos dias da guerra de Canudos, na condição de jornalista enviado pelo jornal O Estado de S. Paulo, comissionado como adido do marechal Macedo Bittencourt. Mas foi o suficiente para que se comovesse a ponto de rever todas as suas convicções. O resultado dessa experiência, uma série de reportagens que só seriam reunidas em livro muitos anos após sua morte, serviria de base para que escrevesse Os Sertões, uma obra-prima sem igual na literatura mundial, comparável apenas a livros do porte de Guerra e Paz e Ilíada. Obra à qual o autor chamou de “um ataque”. Seu objetivo era explícito: denunciar o fratricídio perpetrado pelos militares e responsabilizar os governos federal e baiano, e a Igreja (como bem nota Roberto Ventura).

A nova edição, primeiro lançamento da nascente Ubu editora, ao lado da Edições Sesc, faz jus ao trabalho visionário de Euclides da Cunha (1866-1909). Primeiro porque reproduz, num volume à parte, o exaustivo trabalho feito pela crítica e professora Walnice Nogueira Galvão de coligir as cerca de dez mil variantes existentes entre a primeira edição, de 1902, e a terceira, de 1905, determinadas pelo próprio autor, um obcecado por mínimas questões de estilo; segundo porque acresce 12 artigos de grandes críticos literários, também selecionados e editados por Walnice, juntamente com reproduções da caderneta de campo do autor e as célebres fotos de Flávio de Barros, mostrando as marcas da destruição e o estado miserável dos combatentes.

Dentre os artigos, chama atenção os três primeiros textos, pois feitos no calor da hora, assim que Os Sertões foi lançado. O grande crítico da época, José Veríssimo, por exemplo, resume bem a obra (tão difícil de definir), ao dizer que “é ao mesmo tempo o livro de um homem de ciência, um geógrafo, um geólogo, um etnógrafo; de um homem de pensamento, um filósofo, um sociólogo, um historiador; e de um homem de sentimento, um poeta, um romancista, um artista, que sabe ver e descrever, que vibra e sente tanto aos aspectos da natureza, como ao contato do homem, e estremece todo, tocado até o fundo d’alma, comovido até às lágrimas, em face da dor humana.”

Em ensaio de 1943, Gilberto Freyre também exalta, com seu característico estilo frondoso, o talento incomum de Euclides, destacando a forma como desvelou, para os sulistas ricos, uma realidade escondida no Brasil profundo: “O artista os interpretou [os sertões] em palavras cheias de força para ferir os ouvidos e sacolejar a alma dos bacharéis pálidos do litoral com o som de uma voz moça e às vezes dura, clamando a favor do deserto incompreendido, dos sertões abandonados, dos sertanejos esquecidos.”

Antonio Candido, por sua vez, escreve em 1952, com precisão e poesia, que há no livro “uma visão por assim dizer trágica dos movimentos sociais e da relação da personalidade com o meio – físico e espiritual. Trágica, no sentido clássico, de visão agônica em que o destino humano aparece dirigido de cima. O homem euclidiano é o homem guiado pelas forças telúricas, engolfado na vertigem das correntes coletivas, garroteado pelas determinações biopsíquicas: – e, no entanto, elevando-se para pelejar e compor a vida na confluência dessas fatalidades”.

Um dos textos mais completos é o de Franklin de Oliveira, publicado em 1982, em que aborda o conflito interno de Euclides e defende sua honestidade intelectual: “Antes de visitar Canudos, ele via a tragédia sertaneja de um ângulo reacionário. Considerava-a reação monárquica pura e simples. Fazia coro com os que preconizavam o seu esmagamento. Depois de testemunhar a luta dos sertanejos, de conhecer-lhes as condições de vida, de sabê-los proscritos da civilização, réprobos sociais, mudou radicalmente de posição. E escreveu o livro vingador.” Afirma que o escritor fundou a mímesis brasileira e ressalta, com fervor, a força de seu estilo: “Não é um verbalismo frouxo, ralo, reles, de quem não tem o que dizer e inflaciona a frase. É pletora verbal de quem tem muito a dizer e, por força da pressão expressiva, necessitava violar os padrões clássicos, subverter normas, inovar, renovar, revolucionar. Ou fazer o contrário: ressuscitar arcaísmos, em busca do insólito.”

E de fato, ao contrário da ideia corrente de que é melhor ler o livro a partir da terceira parte, A Luta, naturalmente a mais empolgante, as duas primeiras, A Terra e O Homem, trazem momentos de grande imaginação verbal. Do ponto de vista puramente literário, é possível dizer mesmo, em coro com Walnice Nogueira Galvão e o escritor Marcelino Freire, que o começo de Os Sertões é seu ponto alto. Ao descrever um cavalo atingido na refrega, o autor sai-se com um parágrafo que impressiona pela beleza evocativa e que, além de fundir os diversos elementos da natureza num mesmo quadro vivo, mostra a força da arte diante da finitude: “Fora a montada de um valente, o alferes Wanderley, e abatera-se, morto juntamente com o cavaleiro. Ao resvalar, porém, estrebuchando malferido, pela rampa íngreme, quedou, adiante, à meia encosta, entalado entre fraguedos. Ficou quase em pé, com as patas dianteiras firmes num ressalto da pedra…E ali estacou feito um animal fantástico, aprumado sobre a ladeira, num quase curvetear, no último arremesso da carga paralisada, com todas as aparências de vida, sobretudo quando, ao passarem as rajadas ríspidas do nordeste, se lhe agitavam as longas crinas ondulantes…”

Prêmio de Arte Marcos Amaro anuncia os cinco finalistas

Estela Sokol, André Komatsu, Jonathas de Andrade, Marcelo Moscheta e Virginia de Medeiros. FOTOS: Divulgação

Foram anunciados nesta quarta-feira, dia 19, os cinco finalistas do Prêmio de Arte Marcos Amaro, realizado pela Fundação Marcos Amaro em parceria com a SP-Arte. Os escolhidos desta edição são André Komatsu (galeria Vermelho), Estela Sokol (Anita Schwartz Galeria de Arte), Jonathas de Andrade (galeria Vermelho), Marcelo Moscheta (galeria Vermelho) e Virginia de Medeiros (Galeria Nara Roesler).

O vencedor, que será anunciado no dia 4 de abril, durante a 15ª edição da SP-Arte, receberá uma premiação no valor de R$ 50 mil e terá mais R$ 45 mil para desenvolver um projeto inédito, a ser exposto na Fábrica de Arte Marcos Amaro (Itu, São Paulo) em 2020, paralelamente à 16ª edição da SP-Arte. A orientação do projeto ficará a cargo do curador Ricardo Resende e, posteriormente, o trabalho poderá ser incorporado ao acervo da Fundação Marcos Amaro.

Devido ao grande número de inscrições, 139 ao todo, com nomes de artistas consagrados e jovens talentos, o júri – composto por integrantes do conselho consultivo da Fábrica de Arte Marcos Amaro – não teve tarefa fácil na escolha dos finalistas. Os selecionadores Marcos Amaro, Ricardo Resende, Raquel Fayad, Aracy Amaral, Fábio Magalhães, Gilberto Salvador e Patricia Rousseaux (publisher da ARTE!Brasileiros) avaliaram com base no corpo da obra dos artistas e no projeto proposto para o acervo.

O Prêmio de Arte Marcos Amaro nasceu em 2017, durante a 13ª SP-Arte, a partir da proposta de valorizar e dar visibilidade para artistas brasileiros e estrangeiros. Ivan Grilo (Casa Triângulo) e Brígida Baltar (Galeria Nara Roesler) foram os premiados em 2017 e 2018, respectivamente.

 

Rodrigo Moura é o novo curador chefe do Museo del Barrio

Para Patrick Charpenel, Rodrigo tem uma visão alinhada a ideia do museu. FOTO: Divulgação/MASP

A exposição de Djanira da Motta e Silva, com co-curadoria de Isabella Rjeille, encerra os trabalhos de Rodrigo Moura como curador adjunto no MASP. Ele foi anunciado, nesta sexta-feira (15), como o novo curador-chefe do Museo del Barrio, na cidade de Nova Iorque.

Com a integração de Moura ao quadro de profissionais, o museu busca “expandir o entendimento e o alcance de sua Coleção Permanente, fomentar as relações com os emergentes e estabelecidos artistas”, segundo nota divulgada. Além disso, a instituição acredita que tê-lo na equipe irá aprofundar relações com comunidades latino-americanas e caribenhas.

Para o diretor executivo do museu, Patrick Charpenel, no cargo desde 2017, “Rodrigo traz uma visão curatorial arrojada para o El Museo del Barrio, combinando pensamento inovador enérgico com habilidades de liderança aperfeiçoadas ao longo de doze anos em uma das principais instituições culturais do Brasil”. O diretor faz referência ao tempo que Moura passou em Inhotim, onde atuou como curador e diretor artístico. Em 2016, ele foi para o MASP, assumindo o cargo de curador-adjunto de arte brasileira.

No museu paulistano, executou exposições como Portinari popular, Agostinho Batista de Freitas e Imagens do Aleijadinho. Em comunicado à imprensa, Rodrigo afirma: “É com grande entusiasmo que me uno à equipe do El Museo del Barrio para imaginar e implementar uma nova visão curatorial para esta instituição histórica e singular”.

 

 

As pias da discórdia de Alex Flemming

Série "Ecce Homo", de Alex Flemming. FOTO: Divulgação

Alex Flemming costuma olhar para sua própria obra sob dois pontos de vista distintos, por mais que eles estejam sempre entrelaçados. Por um lado, a produção artística deve ser politicamente contundente, com mensagens fortes, seja quando trata de opressão e autoritarismo, de extremismos religiosos, de questões ambientais, de liberdade sexual ou da sensualidade do corpo. Por outro lado, a arte deve ser bela e sedutora, mesmo quando fala sobre estas “questões cortantes”, diz ele, “por mais que eu entenda que isso não é uma unanimidade do pensamento crítico”.

“Minha vida tem sido a pesquisa da cor, do material e do corpo. Sou um colorista que já se utilizou de bichos empalhados, tapetes persas, computadores velhos, cuecas, móveis e outras superfícies para fazer meus objetos”, afirma Flemming, paulistano radicado em Berlim há cerca de três décadas. Em sua nova série, Ecce Homo, exposta na Galeria Emmathomas, o artista de 64 anos segue fiel à essa trajetória.

Desta vez, o material escolhido foram pias industriais brasileiras de diferentes cores – em tons pastéis –, provenientes dos anos 1970 e 1980. Nelas, Flemming desenhou, com pontas de diamante, mãos humanas em variadas posições, propondo uma metáfora entre uma passagem bíblica e o Brasil atual. O artista encontrou no episódio da condenação de Jesus Cristo por Pôncio Pilatos uma relação com a “situação escabrosa” em que o Brasil se encontra, consequência direta de “todos nós termos lavados as mãos”.

“Não foi Pilatos quem lavou as mãos e deixou o Brasil chegar ao estado em que está, e sim as elites, nela incluindo o egoísmo de todos os partidos políticos, a omissão das instituições e a ganância do mercado”, diz ele. “Penso que nós, inclusive da esquerda, temos que fazer uma autocrítica. Porque se as coisas chegaram a esse nível, também somos culpados”.

Sobre a escolha das pias, Flemming explica que sempre teve interesse em utilizar o material, encontrado em qualquer lugar do mundo – “de Bangladesh ao México, do Chile à Suécia” –, mas praticamente não utilizado na história da arte. Após as primeiras experiências em Berlim, “onde só existem pias brancas”, procurou os lavatórios em cidades brasileiras, já que a ideia era retratar uma temática de seu país de origem. Encontrou por aqui pias roxas, verdes, beges e cor de abóbora, e nelas gravou seus desenhos durante a residência artística realizada na Fábrica de Arte Marcos Amaro (FAMA), em Itu.

“Pias dessas cores não existem na Alemanha. Isso tem a ver com um Brasil colorido, multifacetado”, diz Flemming. Curiosamente, para ele as formas destes objetos remetem diretamente a duas coisas: os altares brasileiros domésticos das fazendas dos séculos 18 e 19 e às antigas televisões de bobina do século 20.

Ao falar novamente sobre a crítica de arte e sobre as dificuldades para a produção cultural no Brasil, que devem se intensificar sob um governo conservador, Flemming conclui: “Estou expondo o mais íntimo do meu ser, minha alma, meus pensamentos. Fico muito contente com as pessoas que gostam e respeito as que não gostam. Mas eu crio porque isso grita dentro de mim, porque é minha vida. Quer dizer, não podemos depender só de apoio, de editais. A arte é independente de partidos e, sem dúvida, do Estado”.

Alex Flemming – Série Ecce Homo

Até 22 de março

Galeria Emmathomas – Alameda Franca, 1054 – Jardim Paulista (São Paulo)

Entrada gratuita

 

Marc Ferrez ganha grande retrospectiva no IMS

Uma ampla exposição focada em diferentes períodos e facetas da obra de Marc Ferrez (184-1923) ocupa, a partir do dia 26 de março, as salas do IMS Paulista, com fotos, álbuns originais, câmeras, equipamentos e documentos que dão um vasto panorama da produção do fotógrafo carioca.

Intitulada Marc Ferrez: Território e Imagem, a mostra, com mais de 300 itens, retrata as mudanças vividas pelo Brasil do fim do século 19 ao início do 20, durante os cerca de 50 anos de atuação do fotógrafo. Segundo o curador Sergio Burgi, coordenador da área de Fotografia do IMS, o legado de Ferrez “constitui uma plataforma única e singular para a compreensão do país e de sua representação, das últimas décadas do Império às primeiras da República”.

Vista da enseada de Botafogo a partir do Corcovado em 1885. FOTO: Marc Ferrez/Acervo IMS

A exposição percorre diferentes períodos do trabalho do fotógrafo, partindo das imagens de paisagens cariocas do início de sua carreira e passando por sua produção como fotógrafo oficial da Comissão Geológica do Império do Brasil – que inclui, por exemplo, fotos dos índios botocudos do sul da Bahia. Há ainda imagens de obras públicas – como a construção e modernização de ferrovias –, de cidades e construções urbanas, registros do trabalho escravo nas fazendas de café do vale do Paraíba e fotos pessoais, de viagens e visitas a amigos, que mostram um viés mais intimista do fotógrafo.

Além das imagens em si, a mostra trata também das mudanças tecnológicas vividas pela fotografia no período, época de rápida modernização das técnicas e profundas transformações no campo da imagem. A exposição contará ainda com uma programação paralela que inclui debates, um curso e o lançamento do livro Marc Ferrez, Uma Cronologia da Vida e da Obra, de Ileana Pradilla Ceron.

Marc Ferrez: Território e Imagem

Instituto Moreira Salles – Avenida Paulista, 2424

De 26 de março a 21 de julho

Entrada gratuita

Prêmio PIPA divulga lista completa dos indicados de 2019

Obra de Arjan Martins, vencedor da última edição do PIPA. FOTO: Divulgação

A lista completa dos indicados ao Prêmio PIPA 2019 foi divulgada nesta sexta-feira, dia 15, no site da instituição. Entre os 76 nomes estão artistas contemporâneos de diferentes idades e que trabalham com diversas plataformas, entre eles Ana Prata, Berna Reale, Bruno Dunley, Erika Verzutti, Paulo Nimer Pjota, Lia Chaia, Daniel Jablonsky, Daniel de Paula, Maxwell Alexandre, Vivian Caccuri, Marina Rheingantz, Regina Parra, Letícia Ramos, Armando Queiroz, Jaime Lauriano, Marilá Dardot, Cristiano Lenhardt, Rosana Paulino e  o coletivo OPAVIVARÁ. Confira a lista completa aqui.

Da lista de 76 participantes serão escolhidos os quatro finalistas, que recebem R$ 30 mil reais cada e doam uma obra para o Instituto PIPA, e, na sequência, o grande vencedor, que recebe mais R$ 30 mil para o desenvolvimento de um projeto. Da lista inicial sai também o vencedor do PIPA Online (votação do público), que recebe R$ 15 mil e doa uma obra para o instituto.

O processo de escolha dos indicados e vencedores passa por diferentes etapas e júris: o Conselho, com os representantes do prêmio Roberto Vinhaes, Lucrécia Vinhaes e Luiz Camillo Osorio e os convidados Flávio Pinheiro, Moacir dos Anjos, Luís Antônio Almeida Braga e Tadeu Chiarelli; o Comitê de indicação, com 30 críticos, artistas e curadores; e o Júri de Premiação, ainda não divulgado.

O prêmio tem como missão, segundo sua página oficial: “Divulgar a arte e artistas brasileiros; estimular a produção nacional de arte contemporânea, motivando e apoiando novos artistas brasileiros (não necessariamente jovens); além de servir como uma alternativa de modelo para o terceiro setor”. De 2010 para cá os vencedores foram, respectivamente, Renata Lucas, Tatiana Blass, Marcius Galan, Cadu, Alice Miceli, Virginia de Medeiros, Paulo Nazareth, Bárbara Wagner e Arjan Martins.

Vergara em retrospectiva de sua arte em movimento

A arte de Carlos Vergara não adere a territórios, é desenvolvida nas viagens constantes que ele faz pelo mundo impulsionado pela magia da descoberta. Conhecido como artista viajante, ele se desloca para outras culturas e enriquece sua obra com associações de cores, matérias, traços. Parte de seu universo estará na retrospectiva que tomará todo o espaço da galeria Bolsa de Arte de São Paulo a partir de 30 de março.

A mostra abrange cinco séries de trabalhos realizados a partir das expedições à Serra da   Bodoquena, em Mato Grosso do Sul, à Capadócia, ao Caminho de Santiago de Compostela, à Pompéia, ao Cazaquistão, entre outros locais. O público fará uma imersão nas suas escolhas e achados, tudo dentro da prática libertária de Vergara conviver com o mundo. “Essa mostra é um acontecimento digno de nota que enfrento em dois ataques, um na área da pintura e outro na escultura”. Para ele não se trata de uma mera exibição de artista: “trabalho olhando para fora e para dentro e as ideias determinam o material com que vou desenvolvê-las”. Vergara é inquieto, mas seletivo e rigoroso com o resultado de seus trabalhos tanto em pintura sobre tela, desenhos em papel, escultura com aço, monotipias sobre telas grandes ou simples lenços de bolso.

Com giros e buscas persegue sinais para o sagrado, “não no sentido religioso, mas o sagrado em um sentido mais amplo, contido na vontade de suplantar o estado humano, no grandioso”. Os sudários, feitos do decalque do chão, de superfície e locais escolhidos por ele, são embebidos das cores da terra e vivificam a trama do tecido, seja tela ou lona. Isso é evidenciado nas monotipias obtidas na Serra da Bodoquena, onde habitam os Kadiveu, índios que lutaram no front brasileiro na Guerra do Paraguai. Esses trabalhos foram realizados em formatos e suportes diferentes, impregnados de memória, história, antropologia. Ainda dessa série estão os lenços de bolso, de formato idênticos, que juntos têm a intensidade de um mapa dentro de uma cartografia viva. Como um geólogo, Vergara realiza os decalques curvado, agachado, ajoelhado, sobre calçamentos irregulares e diferentes. Ele trabalha os contrários, mimetizando a delicadeza do lenço com a aspereza da superfície das ruas. As cenas dessa “performance” parecem captar o aspirar e expirar do artista em ação. “Os lenços foram trabalhados no Caminho Português de Santiago de Compostela, sem auxiliares”. A contrassenha dessa poética transcendental é o registro de caminhares em tempos passados. Cada peça é um elemento simbólico de território, ocupação e sentimento de pertencimento. Os “desenhos” no solo surgem ao acaso ou são construídos. Há rastro de cidades, como tampas de bueiro e grades de contenção de lixo.

Todo processo de produção costuma deixar sua marca. Dentro da série Natureza Inventada, as esculturas são feitas em aço e trazem vestígios de uma eventual paisagem. As peças são recortadas e se encaixam numa espécie de jogo. Cinco delas têm grandes dimensões, com cerca de dois metros e meio de altura por um e vinte de largura e dão envergadura à mostra. Paralelamente sucedem-se outras peças de pequenos formatos, feitas em aço inox.

No início da década de 1960 Vergara foi influenciado pela pop arte e pelo expressionismo abstrato, movimento ao qual Iberê Camargo se ligou e com quem Vergara trabalhou por um bom tempo. Da pintura com gestos figurativos, grafismos e cores primárias ele muda seu trabalho durante a ditadura militar. Integra a antológica mostra Opinião 65, ao lado de Antonio Dias, Rubens Gerchman, quando sua obra começa a ganhar notoriedade. Em 1980 participa da 39ª Bienal de Veneza junto com Antonio Dias, Ana Bella Geiger e Paulo Roberto Leal e cria um imenso painel com papel craft e que agora revisita. Em sua releitura, também faz novas versões das colunas que se desfolham por meio de cortes precisos de estilete. Toda exposição, de qualquer artista, é uma visão temporária da obra cujo olhar pode se modificar dependendo de onde ela é exposta.

Uma das partes inéditas da retrospectiva é uma série de assemblages, termo usado para definir colagens com objetos, realizada com asfalto líquido e parafina. Ao contrário de formas fechadas, essa série se coloca como espaço ativo e expandido da pintura. O conjunto de obras define Vergara como um artista profícuo e atuante que, ao longo dos anos, provoca ações e descobertas em uma fruição contínua.

Bienal de Sharjah vai até junho nos Emirados Árabes Unidos

Cena de vídeo da artista Alia Farid
Cena de vídeo da artista Alia Farid que está exposto na bienal. FOTO: Divulgação

Um dos mais destacados eventos de arte contemporânea do mundo árabe, a Bienal de Sharjah realiza sua 14ª edição entre os dias 7 de março e 10 de junho nos Emirados Árabes Unidos. A mostra reúne trabalhos de mais de 80 artistas, a maior parte com obras inéditas, e está dividida em três partes, com curadorias de Zoe Butt, Omar Kholeif e Claire Tancons.

Intitulada Leaving the Echo Chamber (deixando a câmara de eco), a bienal pretende, segundo os curadores, “explorar as possibilidades e propósitos de produzir arte quando as notícias são alimentadas por fontes monopolizadas, a história é cada vez mais ficcionalizada, as ideias de “sociedade” são invariavelmente deslocadas e quando fronteiras e crenças são ditadas por sistemas culturais, sociais e políticos”.

Para além das três exposições, a bienal expõe instalações e obras em locais públicos e organiza sessões de performances, cinema e música, com o intuito de criar uma série de provocações sobre “como alguém poderia renegociar a forma e a função da ‘câmara de eco’ da vida contemporânea”. O evento acontece em diferentes espaços da cidade de Sharjah, incluindo sítios históricos. Saiba mais no site da instituição.

I Bienal Latino-Americana de São Paulo, de 1978, é tema de mostra no CCSP

Trabalho de Mazda Perez
Trabalho de Mazda Perez que integra a mostra. FOTO: Divulgação

A partir deste sábado, dia 15, o Centro Cultural São Paulo (CCSP) apresenta a mostra I Bienal Latino-Americana de São Paulo – 40 Anos Depois, com uma seleção de documentos variados sobre o evento realizado em 1978 no Pavilhão das Culturas Brasileiras, no Parque Ibirapuera.

Com curadoria de Fabrícia Jordão, a mostra apresenta material proveniente do Arquivo Multimeios do CCSP. Vídeos, imagens de ápoca e textos tratam de uma bienal que produziu relevante discussão acerca da geopolítica das artes e da pertinência de se reivindicar a existência de uma arte latino-americana.

“A I Bienal Latino-Americana surgiu com a intenção de indagar acerca do comportamento visual, social e artístico dessa região imensa do Continente Americano, procurar seus denominadores comuns e instaurar a preocupação pela pesquisa e análise, com finalidade de reconhecer nossas identidades e potencialidades”, dizia o texto de apresentação da mostra à época.

O evento tinha como fio condutor o tema “Mito e Magia”, relacionado à debates sobre questões indígenas, origens africanas e euroasiáticas e a mestiçagem. Os 14 países participantes foram Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Equador, Honduras, México, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai.

I Bienal Latino-Americana de São Paulo – 40 Anos Depois

Centro Cultural São Paulo – Rua Vergueiro, 1000

Até 5 de maio de 2019

 

Antoni Tàpies ganha mostra individual em São Paulo

Obra "Oval i signes", 2004, de Antoni Tàpies. FOTO: Divulgação

Um dos artistas mais influentes da segunda metade do século 20, o pintor e escultor espanhol Antoni Tàpies (1923-2012) ganha uma pequena – porém potente – mostra na galeria Bergamin & Gomide, em São Paulo, entre os dias 12 de março e 27 de abril.

São 13 obras produzidas a partir dos anos 1970 que, segundo escreve o historiador Valentin Roma na apresentação da exposição, formam uma “antologia que transita por todas as vertentes mais substanciais do artista, pela escultura, tela, instalação e pelo papel. Também estão aqui todos os seus materiais prediletos: verniz, pó de mármore, espuma, madeira…”.

Tàpies, nascido em Barcelona no período entreguerras, desenvolveu um estilo abstrato próprio, que bebeu no surrealismo e nas obras de Picasso, Miró e Paul Klee, mas deu passos originais em outros sentidos. O catalão foi identificado também com o que se chamou de informalismo na Europa do pós-guerra – tendência que surgiu em paralelo ao expressionismo abstrato norte-americano.

Obra “Díptic amb fusta”, 1983, de Antoni Tàpies.

O artista também ficou conhecido por sua preocupação social e engajamento ideológico. Opositor do ditador Francisco Frranco e grande defensor da cultura catalã, Tàpies teve uma longa trajetória diretamente relacionada aos grandes acontecimentos políticos do século 20 (Guerra Civil Espanhola, Segunda Guerra Mundial e Maio de 68, entre outros).

“A potência da obra de Tàpies se encontra na viagem que ela nos propõe, na sua travessia do apocalipse até a apoteose e vice-versa. Não há niilismo nas suas telas, objetos ou esculturas; ao contrário, há um convite, às vezes sutil e às vezes árido, para se reconectar com o mundo, para desordenar as ordens estabelecidas à nossa custa e através do nosso sacrifício”, escreve Valentin Roma.

Antoni Tàpies

Galeria Bergamin & Gomide – r. Oscar Freire, 379

Até 27 de abril