Keila Alaver, Sem título, 2000

Passado/Futuro/Presente, exposição em cartaz no Museu de Arte Moderna de São Paulo, é mais do que uma mostra comemorativa. Concebida no bojo das celebrações de 70 anos de criação do museu e originalmente criada há dois anos para apresentar o acervo da instituição para o público de Atlanta (vale a pena destacar que foi a primeira mostra do MAM em território norte-americano), a seleção oferece uma interessante oportunidade de fruição e reflexão sobre aspectos importantes da arte contemporânea brasileira. 

O critério adotado pelos curadores Cauê Alves e Vanessa Davidson não é nem cronológico nem temático. As 72 obras selecionadas para a versão brasileira, que ocupa a sala principal do museu até 21 de abril, não foram escolhidas com o objetivo de narrar ou ilustrar uma história oficial da arte nacional nem tampouco apresentar uma trajetória particular do acervo. A potência plástica, conceitual ou poética do trabalho, bem como sua capacidade de se conectar com outras peças da seleção, parecem ter sido os critérios mais importantes de escolha. Isso já fica evidente na primeira obra, “Notas sobre uma Cena acesa”, de José Damasceno. Este sedutor painel, que recria com centenas de lápis amarelos a imagem em perspectiva de uma silhueta observando uma tela, desperta imediatamente a simpatia do público, como testemunham o sorriso frequente na fisionomia dos visitantes. Apuro e criatividade formal, capacidade de síntese e apropriação de materiais e procedimentos incomuns estão entre os aspectos preponderantes desta obra e que ecoam por toda a exposição.

Como estrutura organizadora, a mostra está subdividida em cinco blocos: O corpo/O corpo social; Identidades mutáveis; Paisagem reimaginada; Objetos impossíveis; e a Reinvenção do monocromo. Mas tal segmentação é bastante porosa, como dizem os curadores já na apresentação. Assim, um mesmo trabalho muitas vezes se vincula a mais de um núcleo e muitas vezes serve de elemento condutor entre um e outro. É o caso, por exemplo, da escultura/instalação em mármore de Laura Vinci, que faz uma suave transição entre o bloco dedicado à paisagem e aquele que apresenta uma série de investigações sobre a monocromia.

Esse segmento dedicado a trabalhos que exploram a potência da cor não em sua diversidade, mas em sua essência formal mais pura, é um dos mais interessantes da exposição. E não só porque reúne obras importantes de autores bastante diferentes, como Rosangela Rennó e Antonio Manuel. Mas também porque ele parece sutilmente indicar que a tentativa de associar a arte brasileira ao uso generoso e abundante das cores seria reiterar estereótipos e que é preciso olhar para os mais diferentes aspectos de uma pesquisa de arte, sem reduzir as pesquisas a um único motivo central como a pesquisa conceitual ou o engajamento político. Curiosamente, este núcleo reúne o maior número de trabalhos abstratos da mostra, indicando que a separação entre figuração e abstração – que tanto marcou a história do museu em seus primórdios – perdeu sua relevância na atualidade.

A noção de identidade, quando pensada em sentido amplo, parece ser a que mais se sobressai na seleção e constitui um elemento central para se pensar a produção contemporânea. Seja no uso do corpo como elemento de criação, seja numa reinvenção/investigação da paisagem como lugar de síntese de uma ideia de nacionalidade que sempre escapa por entre os dedos. É interessante notar como ela está presente em investigações as mais distintas. Há uma forte presença de obras que partem da representação ou investigação do corpo humano como elemento de criação, como por exemplo a série de vídeos de Lenora de Barros acerca da imagem da artista, os comoventes pés com chagas recriados por Efraim Almeida ou ainda no já clássico trabalho 50 Horas, Autorretrato Roubado, de Rochelle Costi feito no início dos anos 1990. Mas a reflexão identitária se faz presente também em outro tipo de investigação plástica, como na irônica instalação Cortina de Vento – que brinca com o estereótipo da paisagem brasileira como um paraíso tropical cheio de coqueiros – ou ainda na icônica série de cartões postais em que Anna Bella Geiger contrapõe imagens de índios e ocidentais, mostrando como é frágil e instigante a oposição nativo versus estrangeiro.

Com trabalhos criados majoritariamente nas décadas de 1990 e 2000, a exposição mescla com cautela obras já bastante conhecidas do público e produções menos conhecidas, possibilitando reencontros agradáveis ou novas surpresas. Nessa relação entre maior e menor visibilidade, se insinua uma outra questão que parece interessante de se levar conta: a relação de mútua dependência entre artistas e museus e uma diminuição da capacidade própria de instituições como o MAM ampliarem seus acervos. Vários são os caminhos de entrada na coleção, mas – como se pode observar nas etiquetas de identificação – é inquestionável a importância das doações, sejam feitas por empresas, colecionadores, ou pelo próprio artista. Confirmando tal sensação, está a mostra que o museu dedica às novas aquisições de seu acervo, que pode ser vista na Sala Paulo Figueiredo. Ali fica claro como cada vez mais as parcerias são fundamentais para ampliar a capacidade dos museus e preencher as lacunas de sua coleção.

Passado/Futuro/Presente: Arte contemporânea brasileira no acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo
Curadoria de Vanessa K. Davidson e Cauê Alves
Até 28 de julho
Museu de Arte Moderna de São Paulo: Parque Ibirapuera (av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portões 1 e 3)

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