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Mostra aborda questões indígenas sob referência de livro de xamã

Poraco, obra da série Oamu.

Ailton Krenak, Claudia Andujar, Poraco, Cildo Meireles e Paz Errázuriz são só alguns dos 21 nomes de artistas e pensadores que têm seus trabalhos expostos em A Queda do Céu, aberta à visitação para o público a partir de 8 de maio, na Caixa Cultural de Brasília. A mostra com curadoria de Moacir dos Anjos busca refletir sobre as consequências do contato involuntário dos povos indígenas com o colonizador branco.

A exposição foi apresentada pela primeira vez em 2015 no Paço das Artes, indo para o Sesc Rio Preto no ano seguinte, ambas instituições em São Paulo. Agora em Brasília, o projeto que faz referência ao livro homônimo do xamã yanomami Davi Kopenawa, escrito a quatro mãos com o antropólogo Bruce Albert.

De acordo com o curador, a mostra “quer aproximar e articular trabalhos artísticos que prenunciam, evidenciam e combatem a progressiva despossessão sofrida por populações indígenas” ao longo dos anos. Isso vai de encontro à reflexão sobre o caráter predatório de ações do homem branco ao conhecer esses povos, seja em relação ao território ou à cultura, presente no livro.

A Queda do Céu fica em cartaz até 30 de junho e ocupa três salas da Caixa Cultural de Brasília: as Galerias Principal e Piccolas I e II. Além dos nomes já citados, participam da exposição Anna Bella Geiger, Armando Queiroz, Bené Fonteles, Fabio Tremonte, Fred Jordão, Harun Farocki, Jaime Lauriano, Jimmie Durham, Leonilson, Lourival Cuquinha, Maria Thereza Alves, Matheus Rocha Pitta, Miguel Rio Branco, Paulo Nazareth, Regina José Galindo e Vincent Carelli.

Museu Afro inaugura mostra dedicada à Bahia

Tapeçaria de Genaro de Carvalho. FOTO: Divulgação

Com pinturas, gravuras, tapeçarias, porcelanas, esculturas, fotografias e filmes, uma grande mostra no Museu Afro Brasil, em São Paulo, homenageia a Bahia e os baianos. Com abertura nesta terça-feira, dia 7, A Cidade da Bahia, das Baianas e dos Baianos Também tem curadoria de Emanoel Araújo e reúne trabalhos produzidos em diferentes épocas, desde o barroco até a modernidade.

“Essa exposição fala de alguns fatos e pessoas, sobretudo dos artistas, dos homens e das mulheres. Mulheres que fizeram da Bahia essa mágica, inusitada e preciosa cidade, de todos os santos, de muita sensualidade e de pouco pudor, que se esvai pelas ladeiras e ruas sinuosas”, diz Araújo no texto de apresentação.

O núcleo central da mostra é dedicado ao modernismo baiano, representado por nomes como Carlos Bastos, Genaro Antônio Dantas de Carvalho, José Adário dos Santos e Rubem Valentim. Em outra seção, fotografias, revistas e publicações homenageiam baianas ilustres como Carmen Miranda, Marta Rocha e Helena Ignez. Há ainda fotos e pinturas de Jorge Amado, Dorival Caymmi e Mãe Menininha do Gantois, além de bustos em gesso dos heróis da Revolta dos Alfaiates, também conhecida como Conjuração Baiana.

A arte barroca baiana ganha espaço com pinturas do século 18 de Joaquim da Rocha, Teófilo de Jesus e Veríssimo de Freitas, além de azulejos e objetos de época. A exposição conta ainda com um conjunto de fotografias de Mário Cravo Neto e aquarelas do século 19 da artista inglesa Maria Graham, retratando o cotidiano das baianas de Salvador. Completam a mostra filmes de Glauber Rocha e Trigueirinho Neto, entre outros.

A Cidade da Bahia, das Baianas e dos Baianos Também

Museu Afro Brasil – Parque Ibirapuera – Av. Pedro Álvares Cabral, s/n.

Até 1° de setembro de 2019

Cartas de Cuba #4

Qual é a transcendência da Bienal de Havana depois de 30 de atividade? O maior evento cultural de Cuba  tem passado por diferentes períodos sócio-politico-culturais desde sua criação em 1984. Sobrevive com exposições de qualidade e outras que cumprem o calendário com grande dificuldade, como é o caso da 13ª Bienal. A Bienal reúne sete curadores, todos cubanos: Nelson Herrera Ysla, José Manuel Noceda Fernández, Margarita González Lorente, Nelson Herrera Ysla, Margarita Sánchez Prieto, José Fernández Portal, Ibis Hernández Abascal e Lisset Alonso Compte, além dos convidados internacionais que integram a programação de conferências e exposições. Nelson Herrera Ysla lembra que a Bienal foi criada em 1984 adotando um modelo tradicional para ganhar experiência de curadoria, produção, montagem. “Dois anos depois  abriu  as portas aos países em desenvolvimento e se inscreveu na história da arte como a primeira Bienal global a convidar artistas da África, Ásia e Oriente Médio, para juntar-se aos do Caribe e América Latina. Ele concorda que ainda não fizeram  mudanças substanciais, mas acredita nelas em um futuro próximo. “Hoje a novidade é a inserção de outras cidades cubanas como vias de investigação e busca de novos públicos”. A Bienal de Havana exercita o ativismo do trabalho coletivo e colaborativo, todas as instituições da cidade podem ser acionadas. Nelson diz se sentir hoje mais animado diante de novas ideias, em termos de estrutura e modelo. “Atualmente posso fazer coisas que pareciam impossíveis ou distantes anos atrás”. O  traço fundamental do evento é lançar artistas saídos da Escola Superior de Arte (ISA), com expressiva formação teórico- conceitual.

Nesta última Carta de Cuba coloco foco em quatro artistas, filhos legítimos da Bienal que ganharam o mundo:  Kcho (Alexys Leyva Machado), Carlos Garaiocoa, Los Carpinteros e René Francisco Rodriguez. Todos com carreiras estabelecidas e poéticas identificáveis e, nesta edição da Bienal, reunidos na mostra Museus Interiores, no Museu Nacional de Bellas Artes.

Kcho é a cara de Cuba: criativo, inquieto, alegre e senhor de si. Constrói e codifica visualmente objetos, retirando-os de seu cotidiano e fazendo-os dialogar com o espaço. A nostalgia que interliga terras distantes domina Regata, instalação de 1993 e realizada aos 23 anos, um ano antes de Kcho entrar para o acervo do Museu Reina Sofia, em Madri, e integrar o elenco da galeria Barbara Gladstone, de Nova York, com 24 anos. O predomínio do barco em sua obra, símbolo recorrente no imaginário coletivo dos cubanos, é traduzido tanto em desenhos gestuais como em esculturas ou instalações feitas de aglomerados de objetos que se nutrem de várias poéticas. O mar funciona como o farol de sua imaginação, matriz de uma paixão que Kcho alimenta até hoje, aos 49 anos. Ir de uma margem a outra é muito natural para quem é ilhado duplamente: ele nasceu na Ilha da Juventude, um estado de Cuba. Como diz Foucault: “Em civilizações sem barcos, os sonhos secam” .

Ao analisar os princípios da obra de Kcho chega-se às arquiteturas primárias, arquétipas, que críticam as técnicas formais. Nesta viagem a Havana visitei mais uma vez seu Centro de Arte e Ateliê Romerillo. Internamente o museu particular abriga parte de suas obras em papel e materiais perecíveis e a céu espaço, as esculturas agigantadas e que recentemente foram expostas na Itália. Numa perspectiva poética, a obra de Kcho em 2002 tomou todo o MUBE – Museu Brasileiros da Escultura em São Paulo, em 2002, com a retrospectiva El Huracón (O Furacão), com  minha curadoria. O trabalho de Kcho mantém camadas de inter-relação com o sistema de arte. Com menos de trinta anos entra para o acervo do MoMA de NY, do MoCA de Los Angeles e do Reyna Sofia, de Madri, entre outros. O elemento chave do crescimento de Kcho foi o interesse despertado por críticos como Pierre Restany, Harald Szeeman e Achille Bonito Oliva que o apoiaram fortemente.

Como afirmou o geógrafo Milton Santos, a arte de rua, naturalmente urbana e pública, traz forte carga política por ocupar espaços fora dos campos institucionalizados da arte e por tocar as realidades sociais de perto.

Carlos Garaicoa reconfigura o cotidiano das cidades com recortes de espaço e tempo, do sujeito e do objeto. Partitura (2017) é a síntese desse pensamento, uma sinfonia que toma grande sala do Museu Nacional de Bellas Artes de Cuba. Desenvolvida ao longo de dez anos, a instalação que já foi exposta em São Paulo, tem a participação de mais de 70 músicos de rua, de Madri e Bilbao. O encontro dos intérpretes se materializa na instalação composta por 70 suportes de partituras. Tabletes e fones de ouvido presos a eles exibem desenhos criados por Garaicoa, inspirados nas melodias. Trata-se de uma grande orquestra com 35 vídeos de músicos ambulantes tocando peças diversas. Uma partitura final, elaborada pelo músico cubano Esteban Puela, como fechamento deste conglomerado de sonoridades citadinas, é transmitida para uma grande tela digital que assume a direção da orquestra. Com essa obra Garaioca homenageia as cidades, lugar de vivências, afetos, derrotas, improvisos. Também exalta o músico de rua, símbolo da máxima “arte é vida”.

Los Carpinteros, em uma de suas últimas atuações como dupla, coloca em Alacenas, de 2016, uma visão crítica do resultado das fortes tormentas que invadem o Caribe. Os sons emitidos pelos furacões foram gravados e reproduzidos a partir de desgastados armários de cozinha de onde se escuta o barulho aterrador dos furacões. Eu mesma pude experimentar em Havana essa sensação em 2006, quando estive próxima ao epicentro do Furacão Kate, ranqueado como um dos mais fortes deles. Os armários de cozinha, velhos e vazios, incorporam outras questões como a situação de escassez e precariedade.

Grandes mostras podem ser mediações entre o artista e o mercado. René Francisco Rodríguez também se notabilizou ainda jovem, a partir de suas experimentações na Bienal de Havana. O sentimento que impregna sua instalação Talles de Reparación, um de seus trabalhos mais significativos, está mais forte na versão atualizada. Ele armazena experiência, interação dos objetos e pessoas neste diário pessoal e profissional. Ao longo de sua vida foi incorporando à sua obra uma coleção de testemunhos materiais e simbólicos que vão se acumulando no local de trabalho. Esta instalação acumulativa é uma obra in progress muito próxima a do brasileiro Paulo Brusky.

Os quatro artista formam um núcleo lógico e de consenso, mas vale lembrar que há pelo menos duas dezenas de outros artistas, igualmente resolvidos profissionalmente, que gravitam por exposições internacionais.

No EAV Parque Lage, Tom Burr apresenta exposição na qual estreita laços com Oiticica

Tom Burr posa em frente à obra 'As águas de Março' (the body in bed), 2019. FOTO: Ricardo Kugelmas

O artista estadunidense Tom Burr leva às cavalariças do EAV Parque Lage, no Rio de Janeiro, exposição Helio-Centricidades, primeiramente realizada no auroras, em São Paulo. A abertura acontece no sábado, 3 de novembro, a partir das 10h da manhã, e o período de visitação se estende até 8 de dezembro.

Duas obras inéditas, especialmente feitas para a exposição no Parque Lage, também estarão na mostra, sendo elas uma instalação e um vídeo. Confira matéria publicada em nosso site na ocasião da mostra no espaço paulista. Iniciativa é uma parceria entre a instituição carioca e o auroras:

“Eu estava realmente interessado em fazer essa exposição, conectar esses pontos entre eu e o Brasil”, conta o artista conceitual estadunidense Tom Burr, que apresenta a individual Helio-Centricidades, no auroras, espaço localizado no Morumbi. Esse desejo dele pode ser facilmente explicado pelo seu entusiasmo sobre a arte feita no Brasil, especialmente entre os anos 50 e 70, período em que nossa arte foi muito permeada pelo que era feito na América do Norte. Mas um artista brasileiro em específico sempre chamou a atenção de Tom: Helio Oiticica, com o qual ele criou relações nas obras que estão na exposição e trouxe, inclusive, para o título.

Tom e Ricardo Kugelmas, proprietário do auroras, se conheceram por intermédio de uma amiga em comum, em Nova Iorque, há aproximadamente cinco anos e se tornaram próximos desde então. O contato de Ricardo com a Bortolami Gallery, que representa Burr nos EUA, fez com que começassem a pensar em fazer algo juntos. O artista conta que é a sua primeira vez no Brasil e ficou muito animado com a possibilidade de fazer uma exposição aqui. Em menos de três semanas, o artista produziu, enquanto morava na casa sede do auroras, a série de obras que compõem a individual: “Eu preferi fazer os trabalhos aqui porque eu tendo a trabalhar como resposta aos espaços onde estou e também porque despachar arte é muito caro”, conta Burr.

A série Spatial Constraints, produzida com camisetas previamente usadas pelo artista, páginas de livros e pinos de aço sobre madeira já era algo que tinha sido planejada por ele para a exposição, pois traz traços de ideia já notável em seu trabalho, mas sempre executada de maneira diferente. Nesta leva, Tom variou ao acrescentar as páginas de livros, todas elas dotadas de informações sobre situações envolvendo o sexo. Essa inclinação de Burr a trabalhar com temáticas que contrapõem o conservadorismo é bastante conhecida em sua trajetória.

Outra novidade é que essas peças são maiores do que as que ele costuma produzir: “Eu quis fazer maiores porque eu queria poder colocar outros materiais. Mas eu não sabia o que ainda”. Ele diz que queria encontrar algo que servisse ao trabalho, e a si mesmo, e a seu corpo, e ao corpo de Helio, dentre outos pensamentos que lhe vieram. Tom também imaginou uma forma de se colocar em relação a questões da cultura queer e da sexualidade: “Um paralelo entre o que está acontecendo agora aqui e nos Estados Unidos, são situações muito similares em termos desse tipo de retrocesso, retrocesso conservador”, comenta.

Com esses propósitos, visitou uma série de sebos atrás de livros antigos: “Encontrei esses livros de meados de 1978/79, que não eram escritos sob uma perspectiva de ‘nós’, era sempre sobre o outro. Eram livros criados para falar sobre outras pessoas. Tinham um pouco de ‘soft porn’, então tinham muitas fotos bonitas de jovens casais heterossexuais e sempre tinham um capítulo sobre ‘os desviados’, os gays, as lésbicas, ‘os pederastas’. Eu achei que aquilo era um tipo de humor, mas é como uma jaula”. Quando encontrou o livro que continha páginas amarelas achou ideal porque fazia duas coisas ao mesmo tempo: “Deu à obra mais informações e tinha a língua portuguesa, que era algo que eu queria colocar”. O amarelo foi especial porque o fez lembrar Oiticica: “É o amarelo forte pelo qual ele é conhecido, mas também é o meu amarelo”.

A tela-escultura Hélio-Screen, por outro lado, foi uma ideia concebida quando já estava estabelecido na casa. Ela é inspirada em obras de Helio Oiticica, especialmente os Metaesquemas e em um desenho que Tom achou de 1957 (“é o mesmo ano de construção desta casa!”), mas também está dentro do modus operandi já citado pelo artista, de responder aos espaços. Posicionada em frente a uma porta que leva a um ambiente externo, como uma barreira, a peça também remonta à sensação de seguridade que o artista observou naquele espaço onde passou semanas: “Eu pensei muito sobre a relação da casa com a segurança, com a privacidade, com esse tipo de vizinhança, com o protecionismo. Todas as barras, todos os portões”. Para ele, isso traz uma ideia da Nova Iorque dos anos 70, onde a ideia de sofrer com um potencial crime estava sendo permeando as pessoas. Nela Tom também trabalha com a ideia das venezianas pretas nas janelas do segundo piso da casa, nas quais o atravessar da luz chamaram muito a sua atenção. Ele brinca que as imagens criadas por esse fenômeno o fizeram usar a função stories do Instagram pela primeira vez (“uma parte da exposição que some”).

Nas intituladas As águas de Março (the plan of the house) e As águas de Março (the body in bed), ele explica que foi uma história divertida. Os cobertores escuros, cinzentos, que compõem as peças eram materiais que ele sempre utilizava, mas queria utilizar coisas diferentes. Aconteceu, entretanto, de Ricardo ter dois desses cobertores guardados, que havia trazido de Nova Iorque. A situação singular e o prosseguimento com a ideia de coisas que tinham relação com a casa fez com que Tom optasse por usar esses cobertores.

“Eu me peguei pensando que eu queria fazer algo que se referisse às janelas [dos quartos do imóvel do auroras], fiquei pensando sobre as venezianas. Pensei sobre cortinas, sobre cortinas modernistas. E então fui conhecer a Casa de Vidro da Lina Bo Bardi e me apeguei às cortinas de lá”. O artista foi em busca daquele tipo de tecido, mas achou que não funcionaria muito bem, ali na mesma loja viu tecidos blackout, pelos quais se interessou imediatamente (“significou muita coisa, bloquear a luz, Helio…”, ele ri). A justaposição do blackout com os cobertores que Ricardo tinha trouxe ao artista uma boa sensação: “Eles têm um tipo de percepção estranha, quase perversa, da qual eu gosto. É como se uma pele sensual estivesse friccionando no cobertor”. Neste momento, ficou resolvido que assim seria também por outra questão: isso traria um pouco do Tom nos EUA, com o cobertor, e um pouco do Tom no Brasil, com o blackout.

Personas

Sobre sua relação com a ideia de personalidades que o inspiram, Burr conta que não foi sempre assim. Quando começou, fazia trabalho sobre espaços públicos, parques e espaços físicos, mas nunca teve um assunto específico. Nos anos 2000, ele fez a obra Deep Purple, uma espécie de paredão com madeira, aço e tinta roxa: “Foi uma apropriação de uma peça do Richard Serra, Tilted Arc. Acredito que essa tenha sido a primeira vez que eu assumi uma personagem, que isso se tornou um material. Richard Serra se tornou parte do meu projeto”.

Com o passar do tempo, o artista percebeu que mais e mais pessoas queriam saber sobre sua relação com as pessoas que tomava como personagens, mas sempre havia utilizado aquilo que chama de “white male daddies”. Foi aí que começou a se apropriar de algumas figuras queers, que poderiam ser mais próximas a ele e pelas quais nutria certa curiosidade pro serem “confusas”, sendo o escritor Truman Capote o primeiro dessa lista. “Eu comecei a pensar em personas. E aí em outros momentos Jim Morrison esteve em meu trabalho, Kate Bush esteve em meu trabalho. E essas figuras continuam vindo… É sempre sobre figuras que me interessam, mas nunca é sobre eu exaltando alguém”.

É nesse conjuntura que Helio Oiticica se apresenta para Burr: “Ele é interessante para mim por numerosos motivos. Acho que de alguma forma quando eu era mais novo eu era mais interessado em [Lygia] Clark do que eu Oiticica por uma questão de formalismo. Mas depois me interessei por ele por ser um pouco confuso, como personagem, e também por ser queer“, explica. Não teve dúvidas, portanto, que Helio seria essa persona com quem seu trabalho confluiria nessa sua primeira exposição no Brasil: “E ele foi para Nova Iorque, e eu vim para cá. E então pensei que era uma época oposta a onde estamos agora. Ele estava acreditando em liberdade. E eu acho que estamos em um lugar diferente agora”, comenta Tom, que vincula isso tanto à questão de um excesso de segurança, sobre o qual já falou ao citar sua impressão sobre imóvel e a região que abriga o auroras, e também ao clima político, no qual sente que as coisas estão regredindo em muitos aspectos.

“Mas Helio é também uma figura interessante de se colocar próximo a mim. Eu pensei nele de uma forma romântica, eu queria ser como ele. É como quando você se perde em outra pessoa, quando você tem aquela incrível queda por alguém e você perde parte de si, e quer ser como essa outra pessoa”, Tom desenvolve. Para ele, isso é um tipo de narcisismo. E isso era o que ele realmente queria que acontecesse durante a produção dessas obras de Helio-Centricidades: confundir-se a si mesmo com a persona.

 

 

 

 

Cartas de Cuba #3

Marilá Dardot, performance: Volver, 13ª Bienal de Havana.

O Brasil tem forte ligação com a Bienal de Havana desde sua primeira edição em 1984. Na época, o País não tinha relações diplomáticas com Cuba e as obras dos 38 artistas brasileiros foram enviadas, primeiro a Paris, depois despachadas para Havana. Nunca puderam retornar. De Tomie Ohtake a Arthur Barrio, passando por Waltércio Caldas, Regina Silveira, Cláudio Tozzi, Leda Catunda, nenhum brasileiro saiu laureado, mesmo tendo Aracy Amaral como jurada. Hoje não há mais premiação, mas o caráter enciclopédico do evento permanece. Nesta 13ª Bienal de Havana a justaposição de ideias dos quatro brasileiros convidados mostra viés político comum, um retorno às discussões e à notoriedade de espaços com discursos pouco visíveis. São eles: Sara Ramo, Marilá Dardot, Lais Myrrha e Ruy Cézar Campos.

Entro na sala de Sara Ramo e meu olhar faz uma varredura nos “estandartes” dispostos nas paredes. Ao se movimentar, com um vestido de estampa muito próxima às de suas colagens com tecido, papelão e pinturas, Sara muda o ambiente. Provoca interações de formas e cores, ilude o olho e o cérebro do visitante, problematiza a relação do ser humano com os objetos ao gerar novas possibilidades narrativas, com consequências espaciais e temporais. “Os estandartes são desdobramentos da série Cartas na mesa pensada como um poema, uma marchinha de carnaval ou como um baralho oracular”. A série cubana que ela chama de Abre Alas, Estandarte para a Apoteose, contém um grito de desespero. “Uma reação natural que pode aflorar em festas populares, como no carnaval”. Estandartes são peças milenares usadas pela nobreza, igreja, front de batalhas, agremiações, afinal vivemos em territórios de significados e temporalidades múltiplas. Sara os transforma simbolicamente em relato sobre as sensações de relações coletivas que ocorrem nos espaços expandidos. Como ela define, “esta série aborda a problemática conflitiva da realidade brasileira atual”.

O País também está na pauta de Lais Myrrha com Cronografia dos Desmanches, um trabalho acumulativo, como uma obra in progress que ela desenvolve desde 2012. “O trabalho nasceu no momento em que percebi o boom da especulação imobiliária, quando eu andava pelas ruas e me deparava, por exemplo, com cinco casas demolidas de uma única vez. Isso no pico do mercado imobiliário”. Lais chama a atenção para o desmanche da paisagem ao iniciar pequenas crônicas fotográficas, não como narrative art mas como um resgate poético, quase foto jornalístico. ‘São imagens não só de demolições, mas também de locais abandonados, de bustos, de aeroportos, fotos não identificadas”. Com isso, a artista cria uma tipologia de desmanches, voluntários e involuntários, com fotos feitas em Portugal e Iraque, além de outras encontradas em arquivos, sobre situações específicas que a interessavam. “Entre os trabalhos há um que denomino Desmanche de Direção em que falo sobre a direita e a esquerda, a relação do Norte com o Sul, que fazem parte da minha observação sobre as transformações da paisagem, da arquitetura e do urbanismo em Belo Horizonte”. Para realizar os trabalhos da Bienal, Laís chegou a Havana em dezembro passado. “Foi uma viagem de exploração para ampliar o projeto com outras peças, dezesseis da série anterior e nove novas feitas em Cuba”.

O trabalho de Ruy Cézar Campos, adentra as cidades e se choca com a árida vida urbana e a alta tecnologia. Aborda o entorno por meios de processos simbólicos como exemplifica nos seus vídeos: Circunvizinhas, A Chegada de Monet e Pontos Terminais Emaranhados. Todos integrantes da série A Rede Vem do Mar, resultado de um ano de pesquisa entre Brasil, Angola e Colômbia.  “Tento estabelecer um vínculo fenomenológico entre a infraestrutura dos cabos submarinos e as plataformas de desembarque dos mesmos. Fortaleza é a cidade mais importante na rede do Atlântico Sul entre as cidades com as quais está conectada; Sangano, em Angola e Barranquila, na Colômbia”. O abismo entre a alta tecnologia e a precariedade social desses territórios é marcante. O avanço de grandes empresas de telecomunicações como Angola Cables, tornou Fortaleza polo de concentração de cabos submarinos que ligam a cidade com África, Europa e América do Norte. Operando entre a tecnologia e a estética, o artista se expressa entre performance, documentário e ficção, com viés político – social.A Internet muitas vezes é vista pelo usuário como algo invisível, mas ela tem território e lugar fixo. Com a chegada da alta tecnologia dizem que o futuro chegou a Fortaleza, embora os moradores vizinhos da empresa não tenham acesso à Internet”. Ruy é um artista multimídia que cursa doutorado em Tecnologia da Comunicação e Cultura na UERJ e pretende continuar navegando entre a arte, a ciência e seus impactos sociais.

A Bienal de Havana transcende seu espaço físico e neste ano chega a outras locais como Matanzas, uma das cidades culturais de Cuba. Lá, Marilá Dardot realiza a utopia de diluição da arte na vida cotidiana. “Meu trabalho é um desdobramento de uma residência que fiz no México, em 2015, no momento do episódio dos estudantes desaparecidos. Escolhia manchetes de jornais e diariamente intervinha com textos escritos com água sobre um muro de concreto. À medida em que escrevia, o texto ia se apagando”. Jacques Rancière diz que há uma gênese estética compartilhada entre a arte e a política, ambas são maneiras de recriar as propriedades do espaço e as do tempo. Marilá vê seu trabalho se transformando nos últimos anos, deixando uma visão otimista ligada à literatura, poesia, ficção e natureza, para mergulhar em uma visão mais pessimista diante de fatos e notícias políticas do Brasil. “No ano passado conheci María Magdalena Campos-Pons, que me convidou para participar de seu projeto Rios Intermitentes, que integra a 13ª Bienal de Havana, na cidade de Matanzas e eu aceitei”.

Até hoje, na história da arte, o corpo fez parte do espetáculo, das mudanças e, ao longo do tempo se depara simbolicamente com novas alternativas. Performances são emergências estéticas, transgressões dentro de uma cultura. Marilá optou por uma ação não convencional, a Volver. Repetidamente escreve com água a frase A la esperanza vuelvo em uma  parede na rua, durante um longo período de tempo. A artista diz perceber um atual despertar político de sua geração, mais calcado na realidade dos últimos anos. “Esta performance marca um pouco a passagem de uma visão mais singular, íntima, mais poética do meu trabalho, para uma coisa mais pesada que é o momento que enfrentamos hoje”.

O Brasil ainda está representado, paralelamente à Bienal, no projeto Residência / Expedição, com nove artistas nacionais que trabalharam por uma semana no Taller Experimental de Gráfica, onde desenvolveram pesquisa em gravura. O resultado está exposto na Galería Cárdenas Contemporáneo, com curadoria de Andrès Martín Hernández. Os brasileiros explicitaram convergências e divergências da arte contemporânea atual, aproveitando a interface da visibilidade e do embate que uma bienal proporciona.

Mariana Guarini Berenguer assume presidência do MAM-SP

Fachada do MAM, no Parque Ibirapuera. FOTO: Divulgação

O Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) confirmou nesta semana a eleição da advogada, colecionadora e ex-professora do Insper, Mariana Guarini Berenguer, para a presidência da diretoria do museu no biênio 2019-2021. Ela irá substituir Milú Villela, que foi eleita Presidente de Honra após mandato de 24 anos à frente da instituição.

“A Milú transformou o MAM numa instituição vibrante e bem-sucedida. Agora tenho a missão de dar continuidade a este projeto potente, buscando novos caminhos de expansão para o museu”, afirmou Berenguer em comunicado oficial. “Vamos passar por um período de aprendizado e depois vamos apresentar nossas propostas para esta nova fase da instituição.”

Fundado em 1948 e sediado no Parque Ibirapuera desde 1968, o MAM reúne peças de arte moderna e, principalmente, de arte contemporânea. No acervo de cerca de 5 mil obras estão trabalhos de Candido Portinari, Di Cavalcanti, Victor Brecheret, Lívio Abramo, Mira Schendel, Lygia Pape, Leonilson, León Ferrari, Thomaz Farkas, German Lorca, Nelson Leirner e muitos outros.

Milú Villela assumiu a presidência do MAM em 1995 e promoveu várias mudanças na instituição, intensificando a aquisição de obras, a área educativa e o programa de patrocinadores e associados. Para Berenguer, “é uma honra e uma responsabilidade muito grande assumir um museu que se tornou referência para o cenário cultural brasileiro. Vamos trabalhar para fortalecer ainda mais o museu neste momento em que a cultura atravessa grandes desafios no país”.

34ª Bienal de São Paulo busca ampliar sua rede institucional na cidade

Retrato dos curadores
Paulo Miyada, curador-adjunto, Carla Zaccagnini, curadora convidada, Jacopo Crivelli Visconti, curador-geral, Ruth Estévez, curadora convidada e Francesco Stocchi, curador convidado. Equipe curatorial da 34a Bienal de São Paulo. 13/03/2019 © Pedro Ivo Trasferetti / Fundação Bienal de São Paulo

A Bienal de São Paulo não começará apenas em setembro do próximo ano. A edição de 2020, com curadoria de Jacopo Crivelli Visconti, terá mostras antecipatórias no Pavilhão a partir de março e uma programação integrada com instituições ao redor da cidade de São Paulo em setembro, com a intenção de criar diálogos com o diferente, pensando em fomentar relações. Esse projeto, anunciado nesta quinta-feira (2/4), também tem a intenção de colocar a cidade no fluxo da bienal.

À ARTE!Brasileiros, o curador conta que partir dessa proposição curatorial da criação de relações também é uma forma do evento responder às questões que cercam o país hoje, mas de um ponto de vista que fuja à polarização de ideias: “Essa é uma questão fundamental do que estamos vivendo nesses tempos, não só no Brasil, mas no mundo. Eu diria que o Brasil chegou nisso até um pouco mais tarde do que já vinha ocorrendo nos EUA e na Europa”, comenta.

Jacopo pretende trabalhar, junto a Paulo Miyada (curador-adjunto), Carla Zaccagnini, Francesco Stocchi e Ruth Estévez (curadores convidados), uma ideia que possa conversar de forma coerente com todas as instâncias, “na instância institucional mas também, e principalmente, na artística, curatorial, nos diferentes públicos. Todos esses diferentes níveis do projeto tentam lidar com essa questão da polarização, mostrar como é possível criar diálogos com instituições diferentes, obras de arte diferentes, públicos diferentes, etc. Então é uma Bienal que de uma maneira não literal, mas muito mais poética e simbólica, está claramente pensada a partir do momento que estamos vivendo”, explica.

A pluralidade buscada pelo projeto também será trabalhada no conjunto de obra mostradas, que transitarão entre mídias tradicionais (como pinturas e esculturas) e mídias mais atuais (como performances e instalações). Jacopo conta também que isso será desenvolvido na linha do tempo das obras, que serão tanto históricas quanto contemporâneas.

“O desafio para lidar com todos esses públicos é não ser nem hermético, nem excessivamente simples e, ao mesmo tempo, falar de uma maneira direta e honesta com todos eles” (Jacopo Crivelli Visconti)

Em um movimento de expansão, a Bienal terá uma rede de instituições que irão sediar simultaneamente exposições e apresentações performáticas de artistas que estarão na mostra principal. Isso vai de encontro com o conceito de relação que Jacopo chama de “mote metodológico” que irá definir a arquitetura curatorial do evento.

Essa vontade de estender a Bienal surge também por querer incluir ainda mais o público dentro da experiência: “O desafio para lidar com todos esses públicos é não ser nem hermético, nem excessivamente simples e, ao mesmo tempo, falar de uma maneira direta e honesta com todos eles”. A aproximação do público será dada de forma com que, de acordo com o curador, o evento seja grande, “se expandindo no tempo e no espaço”, mas que consiga ser muito íntimo: “Queremos que na Bienal em si as obras e as relações que se criam entre elas sejam numa escala muito mais reduzida do que a gente está acostumado a ver em bienais. Ou seja, não vai ter nada daquela ‘biennial art’, digamos, ou seja, grandes instalações, lúdicas e divertidas ou interativas. Não é o foco, o foco é mais em criar exposições nas quais as pessoas consigam entender e mostras relações entre obras de uma maneira que seja compreensível para esse público que é tão diversificado”.

Animado com o projeto, o novo presidente da Fundação Bienal de São Paulo, o banqueiro e colecionador José Olympio Pereira, vê esta próxima Bienal como algo que toma uma outra dimensão com a proposta curatorial que não se limita a um espaço só da cidade e que convida as pessoas e as instituições a “se relacionar sem necessariamente ter que compartilhar das mesmas ideias”. Para ele, tudo é muito atual “para um mundo tão dividido, um mundo tão radicalizado em posições”. “A gente tem que ser capaz, embora com ideias diferentes, de se relacionar com o outro para atingir um bem comum”.

As instituições parceiras da Bienal são Associação Cultural Videobrasil, Casa do Povo, Centro Cultural Banco do Brasil, Centro Cultural São Paulo, Centros Culturais da Cidade de São Paulo, Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Instituto Bardi / Casa de Vidro, Instituto Moreira Salles, Instituto Tomie Ohtake, Itaú Cultural, Japan House São Paulo, Museu Afro Brasil, Museu da Cidade de São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM São Paulo), Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (MuBE), Museu Lasar Segall, Pinacoteca de São Paulo, Pivô e Sesc São Paulo.

A criação desta rede que se estende pela cidade de São Paulo ganhou apoio da Secretaria Municipal de Cultura e da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, com conversas com os secretários, respectivamente Alê Youssef e Sérgio Sá Leitão: “É algo coletivo. Todo mundo trabalhando para esse grande evento no ano que vem”, finaliza Olympio.

 

 

 

Claudio Cretti expõe esculturas criadas com mistura improvável de materiais

Escultura da série "Quimeras". FOTO: Divulgação
Escultura da série "Quimeras". FOTO: Divulgação

As Quimeras de Claudio Cretti não se assemelham, à primeira vista, ao monstro com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente, temível criatura da mitologia grega de mesmo nome da nova série de esculturas do artista. Se causam algum estranhamento, talvez nos remetam mais a um outro sentido da palavra quimera, aquele relativo a utopias, sonhos ou devaneios. No entanto, assim como o ser mitológico, as peças de Cretti, apresentadas agora na Galeria Marilia Razuk com curadoria de Tadeu Chiarelli, são híbridas, combinações heterogêneas de objetos variados que eventualmente nos lembram formas vegetais ou animas.

De algum modo, são sim como “coisas monstros”, segundo o próprio artista, “que vão surgindo desta mistura improvável de materiais e ganham um caráter quase performático”. Construídas a partir de uma longa pesquisa de objetos realizada por Cretti, por meio de articulações de artesanato popular e indígena com peças de instrumentos musicais e artigos industrializados como borrachas e metais, as 11 quimeras que compõem a exposição são “um apanhado do que eu venho pensando desde o início deste projeto, por volta de 2014”.

O que era visto pelo artista apenas como uma coleção pessoal de objetos indígenas ou interioranos e caipiras – fonte de inspiração, mas não aparato para a criação de novas obras – passou a ser percebido, em dado momento, como material rico em forma e sentidos para a confecção das novas esculturas. “Se eu estava o tempo todo olhando essas coisas, observando-as para pensar meu trabalho, por que não incluí-las nas obras?”. Assim, Cretti passou a situar sua produção em diálogo mais estreito com o campo da cultura, no sentido “de estar mais perto das questões do mundo que estão me interessando, como questões sociais, da causa indígena, dos espaços de opressão…”.

Trazer para sua produção questões “externas ao universo da arte”, no entanto, não significou um abandono ou distanciamento das preocupações formais e construtivas no trabalho. “Sou bastante preocupado com a formalização do trabalho, com como ele é realizado. Não estou juntando objetos apenas pelo sentido que eles possam trazer, mas também pela conversa que eles conseguem ter – ou não – quando estão um ao lado do outro”, diz ele.

Até mesmo porque Cretti, em suas Quimeras, não pretende deixar necessariamente reconhecível o que é cada uma das peças utilizadas, por mais que, ao observá-las, “você muitas vezes sabe que já viu aquilo em algum lugar”. “As esculturas por vezes remetem a plantas ou bichos, mas também não são isso”, afirma ele, ressaltando algumas das diversas camadas possíveis de interpretação das obras. Entre elas, através da união de cachimbos indígenas e zarabatanas com ferros e borrachas industriais, por exemplo, a percepção de que universos distintos podem coexistir e se conectar de modo não opressivo.

“Essa conexão é uma necessidade também das etnias indígenas hoje no Brasil. Eles querem manter suas tradições, estar no seu lugar, na sua terra, mas precisam também fazer uso da tecnologia, por exemplo. Isso é natural”. Foi próximo ao universo indígena dos Guarani da aldeia de Rio Silveira que Cretti realizou a residência artística que resultou nos 20 desenhos que estão na exposição ao lado das esculturas.

A série Kaaysá, de mesmo nome da residência localizada em Boiçucanga, no litoral norte de São Paulo, onde Cretti passou cerca de 20 dias, traça um diálogo claro com as esculturas, apesar de terem sido feitas em momentos diferentes e sem relações diretas umas com as outras. “São desenhos muito diferentes de todos que já expus, que eram feitos com grandes massas pretas. Nunca eram desenhos de linha, que ficavam mais nos meus cadernos, ou como projetos para esculturas”, explica.

Para a viagem no meio da Mata Atlântica, no entanto, o artista não levou telas e tintas, mas papeis, aquarelas e lápis com os quais produziu desenhos que “às vezes parecem projetos para as esculturas, mas não são”, afirma. Como escreve Chiarelli, “Cretti desenvolveu esses desenhos caiçaras que, apesar de absolutamente não figurativos, recendem ainda a atmosfera do lugar, úmida e misteriosa”. Curador e artista concordam que eles não deixam de ser, também, projeções de partes das esculturas. Sobre isso, Cretti conclui: “Os desenhos indicam algumas coisas, mas coisas que se diluem no todo. Assim como as esculturas, em que você acha que está enxergando uma coisa, mas não é necessariamente aquilo”.

Quimeras, de Claudio Cretti

De 2 de maio a 1 de junho

Galeria Marilia Razuk – Rua Jerônimo da Veiga, 131, São Paulo

Do not burn after reading

Gustavo Nobrega
Cartão postal com intervenção de Aristides Klafke

With a quiet explosion from the 1950s, mail art has its pioneering roots in Ray Johnson and the New York Correspondance School, but also in manifestations such as Maciunas’ Fluxus. As the name delivers, it is a movement in which the art fits into an envelope or package that can be transported by mail. The possibilities are many and are not limited to letters or postcards. In Brazil, the movement began to take shape in the 60s.

Also known as postal art – a term that has fallen into disuse for reducing it to just one of the things used, the postcard – the movement consists of an exchange of information, networking and, at that time, a new medium for art. It can not be fooled by the fact that only works made out of paper were sent by mail, but also objects, tapes and videos, some even exchanging pieces of cloth from their own clothes. Artists sought ways to explore all five senses in what was sent to colleagues.

This movement “is no longer an” ism “, but rather the most viable output that existed for art in recent years and the reasons were simple: anti-bourgeois, anticomercial, anti-system, etc.”, wrote the artist Paulo Bruscky in published text in 1976 in the Jornal Letreiro, Federal University of Rio Grande do Norte. For him, one of the national exponents of mail art, the movement was essential when it came to breaking down barriers, whether for crossing physical boundaries when interconnecting artists from all corners of the planet or because there are “neither judgments nor awards to the works”.

With a marginal climate, since only those who receive and pass on have contact with the works, the mail art was closed to its agents, creating an intimate fluidity. In Brazil, the movement won a great homage at the São Paulo Biennial in 1981, where it had a space only to exhibit pieces produced in this flow, inviting artists from all over the world. The general curator of that edition was the critic Walter Zanini, who some years ago was dedicated to highlight the mail art in his lines and in his writings. In a 1977 text for the newspaper O Estado de São Paulo, he commented that one could not “deny that this activity triggers new communication and structural situations for artistic language”.

Involved with research on marginal groups, such as the Poema-Processo and the Nervo Óptico, which have been exhibited at the Superfície Gallery in recent years, gallery director Gustavo Nóbrega also devoted himself to researching mail art, creating an interest in encouraging its circulation in the market: “The idea is to create a look of collecting for this, in addition to publicizing and showing this production that was very important”.

During the last holiday of the end of the year, Nóbrega made a trip to the Northeast to visit workshops of artists who participated in those activities, he points to the region as the cradle of the movement’s vanguard. In São Paulo, he found very little material, “one, two or three envelopinhos”, there he found works in the mountains, “gigantic archives”. Courier art, which had even greater adherence by artists in Brazil around the 1970s, was not taken as commercial: “It was something even anti-market”, he says. The works were exchanged between the artists themselves, institutions and galleries did not integrate this substantially into their collections. Also, according to Gustavo, the artists themselves did not intend to sell these works.

Superfície Gallery represents Silva Silva, one of the most produced names in the mail art. It was in Falves’ studio that Gustavo found much of the work he brought with him to São Paulo. A priori, he intended to make an exhibition only with works of the movement, but thought it would be too much information. Some of the works that have gone through the research of Nóbrega will be in the next exhibition of the gallery, a panorama of the conceptual art of the 70’s, which will open at April 2nd. The exhibition will have a postal art by Avelino de Araújo, Paulo Bruscky, Edgar Antonio Vigo, Silva Silva and the Australian Pat Larter, among others. Materials of the collective Karimbada besides works of the exhibition Olho Mágico (1978) also will be included.

The place of art

Obra Sem título, de Anna Maria Maiolino, da série Vestigios, 2012

THE INCLINATION OF THE ARTISTS is increasing to connect with their surroundings and somehow to bring, in their work, a permanent reflection on the moment that they live.
It is nothing new, so much so that throughout history and in all times reality has pulled the ruptures and it was it that has boosted the construction of many artistic movements and iconic works in the History of Art.

This is the case of Picasso’s “Guernica”, which immortalized the bombardment of the Spanish city, Portinari’s canvases of immigrants, or the images of appreciation for US violence on Andy Warhol’s canvases, to cite even distant examples of his conceptions.
But if this has always been so. What has changed?

Over time, there have always been aesthetic and ethical choices, in the artist’s intention and in the reception of the viewer. When philosopher and art critic Richard Wollheim discusses whether works of art would be “anything but physical objects” in his book Art and its Objects, he states that “intention anticipates the vision of representation”.

What changes in each epoch, in my understanding, is how the artist tries to translate his/her inadequacy into his/her time. Artists are often explicitly inadequate and “artistic representation” seems to have been throughout human history the best way to “be in the world” and “find a standpoint”. On the edge of the abyss, in delirium or in denial, artists translate in one way or another something that tells us about them and about us.
However, this idea that seems to be more than internalized in the 21st century – after the rupture of the first avant-gardes a hundred years ago – seems to be questioned today, not by academic critique but by the “neoliberal man” who bets “on adequacy” in a world “shaped exclusively for him”, in a world in condominiums, surrounded by guarantees and certainties. A man who neither sees nor suffers from the degradation of the planet, with the increasing violence of increasing social inequality. A man who neither sees nor wants to know the other.

This man does not want to know about ART. He only chooses mirrors. He only values physical objects that preferably do not disturb him in any way and bring him peace of mind.
Here we talk about ART.