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Uma “arte sertão” de experimentação e resistência

Paul Setubal, Zeitgeist, 2015
Maxwell Alexandre, Trem Caravelas de Hoje, 2016

O que seria uma “arte sertão”? Na perspectiva proposta pela curadora Júlia Rebouças para o 36º Panorama da Arte Brasileira, o conceito refere-se mais a um modo de pensar e agir do que ao lugar geográfico e cultural que costumamos associar à palavra sertão. O público que visitar o Museu de Arte Moderna de São Paulo entre os dias 17 de agosto e 15 de novembro, portanto, não vai encontrar uma mostra sobre o semiárido brasileiro ou com artistas nele nascidos, mas sim uma exposição que tem “experimentação e resistência” como alguns de seus pilares.

Trata-se, segundo Rebouças, de “um modo de pensar que compreende um contexto e tenta se relacionar com ele; que cria soluções a partir do que está disponível; que não cede, por exemplo, às pressões de um sistema hegemônico, mas que vai tentar encontrar fissuras nos fluxos clássicos de poder”. A curadora se refere, ainda, a uma produção artística que “têm especulado não apenas sobre circuitos alternativos, mas também sobre outras materialidades, outras relações de autoria e colaborações com distintas disciplinas e campos do saber”.

Foi a partir desta ideia de uma “arte sertão” que Rebouças selecionou os 29 participantes da mostra, vindos de diferentes regiões do país e em sua maioria nascidos entre os anos 1980 e 1990. “Uma geração que ainda não teve uma grande chance institucional de mostrar seu trabalho ou que teve pouco lugar para fazer seu debate acontecer”, diz ela, e que levanta questões atuais sobre, por exemplo, racismo estrutural e violência policial, uso do espaço público, causas indígenas e ambientais, questões de gênero e existência de outras espiritualidades possíveis.

Com uma maioria de trabalhos comissionados, a exposição reúne obras de Ana Lira, Ana Pi, Ana Vaz, Antonio Obá, Coletivo Fulni-ô de Cinema, Cristiano Lenhardt, Dalton Paula, Daniel Albuquerque, Desali, Gabi Bresola & Mariana Berta, Gê Viana, Gervane de Paula, Lise Lobato, Luciana Magno, Mabe Bethônico, Mariana de Matos, Maxim Malhado, Maxwell Alexandre, Michel Zózimo, Paul Setúbal, Rádio Yandê, Randolpho Lamonier, Raphael Escobar, Raquel Versieux, Regina Parra, Rosa Luz, Santídio Pereira, Vânia Medeiros e Vulcanica PokaRopa. Leia abaixo a entrevista completa com a curadora Júlia Rebouças.

ARTE!Brasileiros — Sobre o tema deste Panorama, você já ressaltou que com “sertão” não pretende necessariamente tratar da caatinga, do semiárido ou dos estados que compõem o Nordeste, mas sim de uma “arte sertão”. O que seria essa “arte sertão”?

Júlia Rebouças — A primeira colocação é pensar em sertão não como um tema, mas como um conceito. Porque um tema você ilustra, reage a ele, e é disso que eu estou tentando escapar. Eu acho importante pensar sertão não apenas como um lugar ou matriz cultural, mas como um modo de pensar. E é nesse sentido que eu falo em uma “arte sertão”, que eu acho que é um modo de pensar que engendra experimentação e resistência; que compreende um contexto e tenta se relacionar com ele; que cria soluções a partir do que está disponível; que não cede, por exemplo, às pressões de um sistema hegemônico, mas que vai tentar encontrar fissuras nos fluxos clássicos de poder. Por isso falar de uma arte que tem sertão como epistemologia é também se perguntar de quais práticas estamos falando. Então eu estou aqui especulando sobre o que seriam esses modos de pensar e agir, mas também estou tentando encontrar na prática dos artistas os lugares para onde eles apontam.

Dalton Paula, As Plantas Curam, 2017
Dalton Paula, As Plantas Curam, 2017

E quais respostas tem encontrado?

Tem um aspecto que aparece em vários trabalhos no Panorama que tem a ver com pensar na arte como um mecanismo de cura, retomando algumas questões e feridas que ficaram na história, nas relações. São artistas que propõem, por meio de suas obras, ou uma reparação ou um processo de reelaboração de questões históricas. Por exemplo o Dalton Paula, o Antonio Obá e a Ana Pi. Tem um outro aspecto dessa epistemologia sertão que tem aparecido que tem a ver com uma certa reverência ao mistério. Um entendimento de que nem tudo se explica pela linguagem, que a ciência não dá conta de tudo, que a razão não alcança todas as coisas e que há um conjunto de conhecimentos, práticas e sociabilidades que funcionam a partir do que a gente não sabe e não explica. Isso se manifesta na espiritualidade, mas também simplesmente nesse conhecimento tácito de saber que têm coisas que a gente troca e que nunca serão elaboradas, estão no campo sutil.

E quando eu falo de uma “arte sertão” estou pensando também nessa característica meio indomável do sertão, que é uma característica que eu também vejo na arte. Por mais que diante do sertão a gente tente classificar, cercar, dominar, controlar ou estruturar, essa é sempre uma tarefa falida, porque o sertão sempre escapa, ele é sempre alguma coisa diferente. É só pensar em todas as tentativas da própria cultura brasileira de definir o que era sertão, do romance de 1930 ao cinema novo. E o sertão não se deixa definir. Sempre há um traço de estereótipo, ou um recorte específico, ou um olhar a partir do lado de fora. E isso eu acho que é uma característica da arte também. Você pode conceituar, delimitar, institucionalizar e mercantilizar a arte, mas algo sempre escapa. Quando você percebe, a arte está mais adiante. E o tempo inteiro a gente está tendo que atualizar e reelaborar o que é arte, o que são as práticas artísticas, como é que a arte lida com o poder, com a política, com o sistema. Então eu acho que a arte tem essa qualidade sertão, de ser de alguma maneira incolonizável. Ainda que ela possa ser colonizada, tem alguma força dela que não se deixa apreender.           

Isso tem a ver com o seu interesse em contemplar uma produção que também existe fora dos circuitos institucionais e mercadológicos estabelecidos? 

Eu acho que os artistas têm especulado não apenas sobre circuitos alternativos, mas também sobre outras materialidades, outras relações de autoria, colaborações com distintas disciplinas e campos do saber. E eu acho que isso é, por conceito, o que eu entendo por uma “arte sertão”. É claro que têm artistas que trabalham nas galerias, com suportes mais clássicos, mas não acho que simplesmente por estar na galeria ele não possa estar questionando e buscando outras formas de existir e de atuar. O Maxwell Alexandre, por exemplo, é um artista que está engajado com galerias, expõe em museus e instituições, mas ao mesmo tempo está sempre tensionando, buscando outras formas de existir fora desses meios – na comunidade onde vive, por exemplo.

E tem artistas que estão na universidade, outros que algumas vezes nem reconhecem sua prática como prática artística. Então acho esse um lugar muito interessante para observar, muito pulsante do que estamos chamando de uma produção de experimentação e resistência. Que não é necessariamente uma oposição ao sistema e ao mercado, porque acho interessante fazer as coisas se atravessarem o tempo inteiro. E faz parte dessa prática sertão buscar outras formas de existir que não fiquem submetidas. Isso é o que eu acho que importa, você não estar submetido aos ditames do mercado, das instituições ou aos desejos dos curadores.

O professor Durval Muniz diz que o sertão é uma experiência múltipla, embora tenda a ser narrado a partir de determinados clichês. Sua proposta tem a ver com combater clichês e estereótipos em torno da ideia de sertão?

Sim, porque não é “sobre” o sertão. Quando a gente fala do sertão como tema ele tem esse lugar de reiteração de uma imagem e de uma identidade que são parte de um projeto político, feito em grande medida para a submissão do próprio sertão ou do próprio Nordeste – já que sertão e Nordeste são muitas vezes tratados quase como sinônimos. Então é fundamental escapar disso, não reiterar esses clichês. Em alguma medida eu acho que seria importante falar de alguns fundamentos de uma produção do Nordeste ou de artistas importantíssimos que estão no semiárido, mas eu resisti a isso. Porque achei que esse seria o caminho mais fácil, tentar repercutir essa produção direta, essa imagem direta. E quando a gente olha, por exemplo, temos a exposição À Nordeste, que eu até brinquei que é como se fosse o fundamento teórico do Panorama. Temos o livro do Durval, a peça A Invenção do Nordeste, que ganhou o Prêmio Shell, o livro À Cidade, do Mailson Furtado, temos a Flip também dialogando com essa temática. Então eu acho que esses clichês e a necessidade de desconstruí-los, isso está colocado, está no debate. E eu queria com o Panorama dar um passo em outra direção, pensar no sertão não como esse conjunto de imagens e afetos, mas como esse modo de pensar e existir.

Mariana de Matos, Vão, 2017
Mariana de Matos, Vão, 2017

E falando mais diretamente dos artistas, como se deu a escolha desses 29 nomes?

Eu tentei identificar artistas que já tinham uma “prática sertão”, ao invés de escolher as pessoas e fazer eles reagirem a um tema apresentado. Claro que toda seleção é parcial, limitada. Há uma série de outros artistas com quem eu poderia estar trabalhando. Mas, enfim, eu quis ter alguma diversidade regional, porque eu acho importante fazer o exercício de olhar para lugares menos óbvios, e houve um exercício para tentar quebrar um pouco essa estrutura em que as exposições são majoritariamente feitas por homens brancos. Então tem mais não brancos do que brancos e mais mulheres do que homens. Isso não era exatamente uma meta a cumprir, mas acho que todo mundo que atua hoje em dia tem que se preocupar com outro tipo de representação. E acho que nesses lugares, que estão menos visíveis ou menos representados, é onde normalmente, por natureza, há mais experimentação e resistência. Mais dessa “arte sertão”.

Quando você fala em resistência, impossível não pensar no contexto político que estamos vivendo, com um governo conservador e discursos muito contundentes contra a arte e a cultura. A linha curatorial do Panorama é também um tipo de resposta a isso?

Acho que o Brasil está em um momento muito crítico em termos políticos, nas suas relações sociais, na maneira de construir seus lugares de afeto e as possibilidades de encontro. Isso para não falar das questões mais estruturais no que tange à cultura. Mas não acho que o Panorama seja uma resposta, porque é tudo muito velho e ao mesmo tempo muito novo. Sobretudo do período eleitoral para cá ficou muito claro que é preciso se reorganizar, que qualquer estratégia de oposição a esse governo precisa ser reelaborada, porque muitas táticas e práticas foram superadas, vencidas. E acho que isso tange à arte também, para pensarmos como a arte vai reagir. Acho que qualquer reação imediata vai ser panfletária e superficial. O que às vezes é necessário, no calor do momento, mas acho que talvez esse Panorama tente discutir mais o que seria um pensamento tático ou estratégias de reorganização dessa resistência do que trazer respostas ou oferecer um confronto frontal e direto. Muitos artistas estão fazendo um diagnóstico do que está acontecendo no presente, mas muitos estão especulando maneiras de existir. Estão falando sobre como é que os corpos dissidentes vão poder existir a partir de agora, como é que eles existiram até esse momento, como é que se faz uma reparação histórica, como é que se desconstroem práticas de violência e opressão. Eu acho que, nesse sentido, é um desejo também de que seja uma exposição propositiva, não com soluções ou respostas, mas com apontamentos, tentando organizar um pouco esses afetos de uma repactuação e da necessidade de existir diante do desmonte.

Você teme algum tipo de reação negativa ou violenta, considerando o que vimos acontecer no Brasil nos últimos anos? 

Nós não trabalhamos com medo ou com nenhum tipo de restrição. É claro que qualquer estrutura reacionária tem medo da arte. Eles é que têm medo da criação, da imaginação, do pensamento crítico. Isso fica muito claro quando o foco de ataque não é só a arte, mas a educação, a ciência, as universidades. Só um projeto extremamente reacionário precisa com tanta força desqualificar e desmontar as possibilidades de criação. Na verdade, é muito lógico que esse governo tenha medo de tudo que tudo gere o novo, que nos coloque em movimento. E nós já entendemos que diante de factoides e mentiras se produzem linchamentos terríveis. Então eu estou tratando com conteúdos muito potentes, muito ricos, mas não acho que eles sejam mais perigosos de serem atacados, mais passiveis de serem censurados, porque qualquer coisa é passível de ser atacada e censurada, sobretudo as mentiras criadas. Muitas dessas questões criadas em torno da arte são falsas questões, são polêmicas inventadas. Então não dá pra trabalhar pensando nisso, temos que trabalhar pensando no que precisa ser feito.

“Somos Muit+s: experimentos sobre coletividade” abre na Pinacoteca

Joseph Beuys na instalação Honigpumpe am Arbeitsplatz. Foto: Dieter Schwerdtle / Cortesia Documenta Archiv

Com obras de Hélio Oiticica, Maurício Ianês, Mônica Nador e Jamac, Coletivo Legítima Defesa, Rirkrit Tiravanija, Tania Bruguera e Vivian Caccuri, a exposição Somos Muit+s: Experimentos sobre Coletividade, na Pinacoteca de São Paulo, investiga a prática artística como exercício coletivo. A mostra reúne, a partir do dia 10 de agosto, obras e experiências pensadas enquanto diálogos, diretos ou indiretos, com a produção do alemão Joseph Beuys (1921-1986) – que também tem seu trabalhos expostos na exposição.

Como explica o texto de apresentação, Beuys, um dos mais importantes e ativos artistas da segunda metade do século 20, cunhou o conceito de escultura social, com o qual defendia o entendimento de toda e qualquer atividade humana como prática artística capaz de estruturar e transformar seu próprio meio. A partir desta temática, “a exposição articula um grupo de artistas cujas pesquisas têm se direcionado para a criação de espaços propícios à imaginação de novas formas de sociabilidade e modos de vida, tal como Beuys formulou”.

Com curadoria de Amanda Arantes, Fernanda Pitta e Jochen Volz, a mostra tem como eixo central um conjunto de obras do alemão, entre vídeos, desenhos, instalação e colagens. A “Bomba de Mel” uma das suas obras mais significativas, foi apresentada pela primeira vez em 1977, na Documenta 6 e trazida para a mostra. Na época bombeava toneladas de mel que eram distribuídos através de tubos plástico numa alusão ao fluxo social.

“A máxima ‘todo mundo é um artista´, talvez uma das mais conhecidas de Beuys, explicita a renúncia à unicidade da obra de arte correspondente à noção restritiva de autoria, mas também reivindica a compreensão de que a coletividade é capaz de reunir e potencializar a vontade e a capacidade criativa de diferentes indivíduos”, explica Arantes.

É neste sentido que surgem na exposição as obras e performances dos outros artistas: Hélio Oiticica – um dos principais artistas que se colocaram a experimentar essa noção, ao tornar o público participante e não mais espectador – Mônica Nador – que desde 2004 vem operando o Jamac (Jardim Miriam Arte Clube), além de Maurício Ianês, Vivian Caccuri, do tailandês Rirkrit Tiravanija, do grupo Coletivo Legítima Defesa e da cubana Tania Bruguera.

Somos Muit+s: Experimentos sobre Coletividade
Pinacoteca de São Paulo – Edifício Pina Luz – Praça da Luz 2, São Paulo
De 10 de agosto a 28 de outubro de 2019
Ingressos: R$ 10,00 (entrada), R$ 5,00 (meia) e gratuito aos sábados

Últimos dias para visitar “Floresta d’Água”, de Afonso Tostes, no Sesc Pompeia

Detalhe da exposição Floresta d'Água, no Sesc Pompeia. FOTO: Divulgação

Floresta d’Água, exposição de Afonso Tostes que pode ser vista até domingo no Sesc Pompeia, reserva uma série de boas surpresas. Além de colocar o público em contato com o pensamento escultórico do artista e sua intensa relação com a natureza, a mostra também promove uma rica relação entre um conjunto potente de trabalhos e o generoso espaço que Lina Bo Bardi dedicou às oficinas em seu projeto para o centro cultural, que já recebeu milhares de alunos desde sua inauguração, nos anos 1980. Local que a partir de agora também passa a abrigar exposições esporádicas que investigam a relação entre os ofícios e a arte contemporânea.

Imersos assim num ambiente de produção, ensino e propagação da prática criativa, os trabalhos desenvolvidos por Tostes especialmente para a mostra adquirem ainda mais densidade, deixam de lado o status de obra de arte intocável e autônoma para integrar-se numa cena que ser quer coletiva e dinâmica.

A madeira é o grande protagonista da exposição. Está presente de forma intensa nos três conjuntos de trabalho. Surge em sua forma mais bruta como em Igbo, tronco segmentado em três partes e em frágil equilíbrio, graças a entalhes, esculturas ou cunhas que abre a exposição. O material dá sustentação aos vestígios ao mesmo tempo práticos e poéticos que compõem Linha do Tempo, instalação feita com remos, cordas e outros achados de Tostes em suas inúmeras viagens de pesquisa Brasil afora.

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Afonso Tostes: Floresta d’Água
Sesc Pompeia: R. Clélia, 93 – Água Branca
até 18 de agosto
(11) 3871-7700

Galeria Leme/AD apresenta exposição do fotógrafo Luiz Braga

Luiz Braga - Terra Salobra

Em sua quarta exposição individual na galeria Leme/AD, com abertura no dia 17 de agosto, o fotógrafo paraense Luiz Braga dá sequência à sua já consagrada trajetória como fotógrafo, iniciada nos anos 1970. Intitulada “Luiz Braga: interiores, retratos [e paisagens]”, a mostra reúne principalmente retratos e cenas de interiores, por vezes habitados por pessoas, por outras com objetos e vistas para paisagens.

No texto curatorial da mostra, assinado por Tadeu Chiarelli, o crítico e curador escreve: “O que me dirige quando observo as fotos de Luiz Braga? Em primeiro lugar, o tratamento que o fotógrafo dá à luz: o que marca seu trabalho, me parece, é a maneira como ele constrói suas imagens pelo contraste (ora sutil, ora marcado) entre a luz artificial e a luz natural, fato que faz gerar uma gama de cores capaz de causar naquele que observa suas imagens, uma sensação de familiaridade e estranhamento. Isso porque é nessa operação que Braga desnaturaliza a ‘verdade’ fotográfica, é quando denuncia sua dimensão artificial”.

 

No mesmo texto, Chiarelli fala sobre a mostra: “A exposição se constitui por aquele outro eixo da produção do artista em que a manipulação discreta do meio fotográfico vem apenas realçar a capacidade do artista em operar com a luz e as cores, em situações ora sutis, ora bem marcadas. Para enfatizar essas características a opção foi por retratos e cenas de interior porque é justamente nesses tipos de fotos que o sentimento de comunhão entre o fotógrafo e o indivíduo, ou com o lugar retratado, alcança um dos momentos mais proeminentes da sua trajetória”.

“Das cenas de interiores foram privilegiadas aquelas em que as pessoas, (quando aparecem), são captadas desenvolvendo atividades, (ou simplesmente em descanso), num primeiro plano mais sombrio, resguardado e o ambiente externo, repleto de luz. Nas cenas vazias, paradoxalmente, a presença dos habitantes dos lugares impregna tudo: a ordenação dos objetos, o cuidado com os mínimos detalhes, tudo recriado pela luz, pela saturação de uma ou outra área da imagem, o que revela, mais uma vez, a empatia do fotógrafo com o entorno e seus ocupantes”.

Luiz Braga: interiores, retratos [e paisagens]
Galeria Leme/AD – Av. Valdemar Ferreira, 130, São Paulo
De 17 de agosto a 28 de setembro
Entrada gratuita

Boa obsessão por trás da linha

Edith Derdyk inaugurou na Casa de Cultura do Parque, em frente ao Parque Villa-Lobos em São Paulo, a mostra PROTOLIVRO, uma coletânea de obras antigas e novas produções.

Escrita, traçada, estendida, pendurada, bordada, pintada, truncada, Edith tem uma obsessão com as “linhas” que concebe e que lhe proporcionaram, ao longo dos anos, a construção de uma obra singular.

Derdyk gosta de materiais primários, comuns: linha, papel de rolo de máquina de padaria, agulhas de tapeçaria (neste caso nem tão simples, trazidas da Tailândia), que deram forma a vários trabalhos de enorme leveza. Em Pulmão, agulhas e linhas entretecem um caminho no ar que, ao longo do dia muda de percurso conforme a luz. É um espaço que respira, numa sala clara. A artista parece sempre encontrar uma forma para se abrigar perante à falta de ar.

A mostra traz ainda a obra de um “livro anterior”, que não existe, imaginado… Recortado, ilegível, transformado em escultura, em pedaços, com parafusos, um não livro, um anterior e posterior, sem tempo cronológico, que remete a um livro nunca acabado. Um livro infinito e universal que não existe e que nos remete como significante a qualquer outro.

“Ao desmontar livros e arranjar seus fragmentos em mecanismos sem funcionamento livresco, Edith aciona um funcionamento fabulatório e visual, subvertendo com singularidade a padronizada cadeia de produção gráfica”, escreve para a mostra o curador Fabio Morais.

Vale a pena ver. A exposição fica em cartaz até 13 de outubro e ainda terá um curso: Linhas de horizonte: a escrita de uma paisagem, nos dias 11, 14, 18 e 21 de
setembro.
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Edith Derdyk: PROTOLIVRO
Casa de Cultura do Parque – Av. Professor Fonseca Rodrigues, 1300.
Até 13 de outubro.
Quartas a sextas das 11h às 19h, sábados e domingos das 10h às 18h.

 

 

 

No mês da fotografia, mostra de Carlos Moreira é inaugurada no Espaço Porto Seguro

Fotografia de Carlos Moreira. Foto: Divulgação

Com uma mostra de fôlego, com cerca de 400 obras ocupando salas do Espaço Cultural Porto Seguro. Intitulada Retrospectiva Carlos Moreira – Wrong so Well, a mostra ficará aberta ao público de 10 de agosto a 21 de outubro e tem curadoria de Fabio Furtado, Regina Martins e Rodrigo Villela.

Organizada em três seções, a mostra terá 250 obras inéditas, apresentando diversos aspectos e momentos da sua produção, desde o período clássico, pelo qual Carlos é mais conhecido, passando pelas fases e experimentações subsequentes até seus trabalhos atuais. A primeira seção reúne lâminas do seu primeiro livro, de 1977, e percorre algumas de suas fotos de viagem, muitas ainda inéditas. A segunda passa pelo universo da fotografia colorida produzida por Carlos Moreira. A terceira traz um de seus trabalhos mais recentes, feito em Buenos Aires.

“Se isolarmos no trabalho de Carlos A. Moreira uma essência dominante, obteremos silêncio. Não que nada seja dito. Ao contrário. Tudo é dito numa linguagem essencialmente plástica e numa plástica essencialmente nítida e equilibrada, diria até meridiana”, disse o artista plástico José Antonio Van Acker sobre o fotógrafo.

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Retrospectiva Carlos Moreira – Wrong so Well
Espaço Cultural Porto Seguro: Alameda Barão de Piracicaba, 610, São Paulo
de 10 de agosto a 21 de outubro
(11) 3226-7361

 

Oskar Metsavaht retorna à sua divina geometria

Oskar Metsavaht, Divina Geometria X.

Engana-se quem pensa que a exposição Divina Geometria, de Oskar Metsavaht, originalmente apresentada no Rio de Janeiro em 2016, fala apenas sobre o Cristo Redentor. É verdade que o “conceito” de uma geometria divina incendiou a mente de Metsavaht após uma experiência na qual pode observar a capital fluminense diretamente do braço do monumento que é uma das sete maravilhas do mundo moderno. No entanto, não é apenas a essa imagem que a mostra que está até 1o de setembro no Museu de Arte Sacra de São Paulo (MAS-SP) se resume.

Na versão paulistana de Divina Geometria, o artista e o curador Marc Pottier levam trabalhos que não estiveram expostos anteriormente na mostra, sejam vídeos, pinturas ou desenhos. Ocupando várias salas do museu com dezenas de obras, a vinda da mostra foi um convite do diretor-executivo da instituição, José Carlos Marçal de Barros.

Também não é certo dizer que Oskar começou a desenvolver seus projetos artísticos apenas após uma residência no Instituto Inhotim em 2014. Prova disso é a instalação em videoarte que abre a exposição. A obra é de 2008, muito anterior. E isso vale para tantos outros trabalhos do artista, que não necessariamente integram essa exposição. Mas foi no próprio 2014 que o artista passou a expor mais seu lado voltado às artes plásticas, integrando a exposição Made by… Feito por…, que teve curadoria do mesmo Pottier na Cidade Matarazzo, em São Paulo.

Vindo de várias outras exposições ao longo dos últimos dois anos e tendo aberto a galeria OM.art no Rio de Janeiro no ano passado, onde também funciona o seu estúdio, Metsavaht traz na exposição em São Paulo uma versão amadurecida de suas criações, o que é especialmente salientado pelo grupo de pinturas abstratas distribuídas de maneira metódica pelas paredes do MAS.

O conjunto de seus trabalhos — que, de acordo com o próprio, é sempre fruto suas “experiências físicas, emocionais ou espirituais” nas quais ele se aproxima da relação homem-natureza-espiritualidade — ganha com isso elementos que despertam uma curiosidade que se sobressai por evocar tantas significações por meio de símbolos que se camuflam em pinceladas.

Essa sensação é propiciada pela montagem da mostra que vai, ao longo das salas, desconstruindo a imagem do Cristo e se deslocando para códigos que demonstram a espiritualidade assimilada pelo artista independente de religiões, crenças ou dogmas, tornando possível uma experiência coletiva e possível.

 

 

Oskar Metsavaht: Divina Geometria
Museu de Arte Sacra de São Paulo: Av. Tiradentes, 676, São Paulo
até 1 de setembro
(11) 3326-3336
Ter a Sex/Dom: R$ 6 | Sáb: Gratuito

Para José Olympio Pereira, Bienal não deve tomar lado, mas sim incentivar o diálogo

José Olympio da Veiga Pereira, presidente da Fundação Bienal de São Paulo. Foto: Pedro Ivo Trasferetti/Fundação Bienal de São Paulo

É em torno das ideias de diálogo e convivência que o atual presidente da Fundação Bienal de São Paulo, o banqueiro e colecionador José Olympio da Veiga Pereira, pensa o projeto curatorial da 34a edição do evento paulistano, a ser realizada em 2020. Se o momento político brasileiro é conturbado e de “fervura alta”, inclusive no campo cultural, não é hora de incentivar maiores polarizações e confrontos, diz ele. “A gente tem que ser capaz de dialogar, mesmo que não concorde com a ideia do outro”.

Com curadoria de Jacopo Crivelli Visconti, a Bienal tem como proposta “abraçar a cidade”, se espalhando no tempo – ao longo de todo o ano com exposições e performances – e no espaço – incluindo diferentes instituições da capital para além do Pavilhão do Ibirapuera. Essa escolha, afirma Olympio, segue também a linha de reforçar relações, criar conversas e incentivar diálogos.

Ao contrário de grande parte das pessoas que trabalham hoje na área cultural – que propõem um discurso de resistência e combate –, ele prefere adotar um discurso conciliador. “Tomar lado é a antítese do que estamos propondo. O que a gente está propondo é que os diferentes lados tem que ser capazes de se relacionar”, afirma Olympio, que é também conselheiro do MAM-Rio, do MASP, do MoMA (Nova York), da Tate Modern (Londres) e da Fondation Cartier (Paris).

Além disso, ele ressalta que considera tanto o ministro da Cidadania de Bolsonaro, Osmar Terra, quanto seu secretário de Cultura, Henrique Pires, “pessoas competentes, sensíveis e bem intencionadas em seus trabalhos”. Afirma, ainda, que se de um lado o presidente dá declarações polêmicas, de outro o congresso deu um exemplo de capacidade de diálogo ao aprovar a reforma da Previdência.

Em entrevista à ARTE!Brasileiros realizada na sede do Credit Suisse Brasil, banco do qual é o atual presidente, José Olympio falou sobre estes e outros assuntos relativos à Bienal e ao contexto político. Leia abaixo a íntegra.

ARTE!Brasileiros – Como você avalia estes primeiros meses à frente da presidência da Fundação Bienal?
José Olympio da Veiga Pereira – Eu estou há dez anos no conselho da Bienal, então não é que a Bienal seja uma novidade para mim. E há cerca de três anos eu já estava também presidindo um conselho consultivo internacional que nós formamos. Desde que assumi a presidência, acho que a coisa mais positiva foi me dar conta da qualidade dos profissionais que a gente têm. Conhecer mais a estrutura, os talentos e capacidades foi uma coisa muito boa. De fato temos um time muito competente, que veste a camisa, com muita experiência, o que é muito importante. Porque no nosso modelo de governança – temos um conselho de 60 membros, uma diretoria de dez membros, com mandato de dois anos renovável por mais dois – a função do presidente é limitada no tempo. O que garante a continuidade da instituição é o corpo de funcionários e de gestão que está lá, que mantém a memória e as capacitações, e acho que a gente está muito bem equipado nesse sentido.

No início do ano houve a escolha do Jacopo Crivelli Visconti como curador. Como foi esse processo e em que ponto anda o trabalho do time curatorial?
Sim, nesse período nós também avançamos com o projeto curatorial. Das propostas que eu recebi, que foram ótimas, se destacou a do Jacopo Crivelli, que convidou o Paulo Miyada como curador-adjunto e a Ruth Estévez, a Carla Zaccagnini e o Francesco Stocchi como curadores convidados. E nós criamos esse conceito de uma Bienal que abraça São Paulo, que se realiza não só no Pavilhão do Ibirapuera, mas numa rede de instituições culturais da cidade. Enfim, ao mesmo tempo estamos pensando sobre que outras missões a Fundação pode ter além da realização desta grande exposição a cada dois anos e das itinerâncias posteriores no Brasil e no exterior. E isso é uma coisa muito importante, essa promoção de arte global e brasileira entre um público brasileiro e global. Então acho que as coisas estão indo muito bem.

Jacopo Crivelli Visconti, Francesco Stocchi, Paulo Miyada, Ruth Estévez, e Carla Zaccagnini, equipe curatorial da 34a Bienal de São Paulo. Foto: Pedro Ivo Trasferetti/Fundação Bienal de São Paulo.

Existe a ideia de expandir a Bienal na cidade, com parcerias com outras instituições, mas também de expandir no tempo, com mostras que aconteçam ao longo do ano. Pode contar um pouco mais sobre isso?
Sim, são dois vetores. Então a Bienal vai começar em março, com três exposições individuais no primeiro semestre, de artistas que também estarão na mostra coletiva posteriormente. E nós teremos também no primeiro semestre três grandes performances apresentadas em momentos pontuais. E teremos também outros eventos ao longo do ano, educativos, debates, palestras etc.

E qual a ideia por trás dessas mudanças, dessa expansão? É parte de um desejo de expansão de público? Vem de uma percepção de que a Bienal ficava muito restrita a um período curto?
Eu acho que você tem toda a proposta curatorial que tem a ver com a poética das relações, a questão do ser humano ser capaz de se relacionar com alguém diferente dele. E eu acho que a formação dessa rede de instituições reforça a proposta curatorial, de criar diálogos. E a Bienal sempre foi um catalizador de atração de um público global e brasileiro que vem ver a exposição, o que faz com que todas as outras instituições culturais queiram caprichar na sua programação, fazer coisas especiais durante o período. Então por que não fazer isso em diálogo? Então vamos realmente oferecer ao grande público uma coisa muito interessante. Por exemplo, você pode ver na exposição coletiva da Bienal um artista que te interesse especialmente, e aí você tem a oportunidade de conhecer a produção dele mais profundamente em uma individual em outro museu. E aí perceber como é este artista visto individualmente ou como ele é visto em relação a outros artistas. E acho importante, para cumprir a nossa missão de promoção de arte, fazer uma coisa que tem impacto, oferecer um produto ao público que tenha interesse, que seja algo diferente. Nossa meta é transformar São Paulo em uma capital das artes plásticas, visuais, de setembro a dezembro do ano que vem. Fazer com que todo mundo que se interessa por arte sinta vontade de vir à São Paulo nesse período.

Uma das coisas que você propôs desde que assumiu tem a ver com um trabalho de criação de ferramentas voltadas à preservação da memória das artes, ampliando o papel, por exemplo do arquivo histórico da fundação, o Wanda Svevo. Poderia contar um pouco sobre isso?
Sim, isso está em formulação, mas é um projeto de mais longo prazo. A ideia é dar à Bienal uma missão institucional de ser um grande centro de memória de arte. Focado como um centro de estudos, de memória. O arquivo histórico Wanda Svevo já serve a um número grande de pesquisadores, mas acho que isso pode ser muito expandido. E estamos pensando como fazer isso.

Falou-se também num fortalecimento das relações da Bienal com a vida cultural no exterior, até pelo seu bom relacionamento com tantas instituições internacionais. Concretamente, o que isso significa?
A Bienal é a mais internacional das nossas instituições culturais. Ela promove este intercâmbio entre a arte global e a brasileira desde o início – inclusive, antigamente havia até representações internacionais. E eu acho que a gente tinha perdido um pouco esse contato. Então desde 2016 a gente começa, através da criação deste conselho consultivo internacional, a se reconectar ao mundo global das artes. Hoje já temos 11 membros neste conselho, gente da França, da Inglaterra, da Holanda, dos EUA, Argentina, Alemanha etc. Porque a gente quer a ajuda dessa rede para promover a Bienal, para conseguir acessar artistas que eventualmente a gente queira trazer, buscar obras importantes. Porque nós somos essa instituição global. E a nossa Bienal, embora muito tradicional e antiga, perdeu parte de sua relevância com o tempo por conta inclusive da infinidade de bienais que foram criadas ao redor do mundo. E o que a gente quer é afirmar a nossa importância, disputar o nosso espaço de luz ao sol neste mundo superpovoado de bienais.

Quando foram apresentadas as primeiras linhas do projeto curatorial, tanto o senhor quanto o curador falaram da importância de não alimentar polarizações neste momento político conturbado, de incentivar a capacidade de dialogar e conviver. Passados cerca de três meses, com os acontecimentos políticos recentes, com as políticas e declarações polêmicas do presidente, como você enxerga essa questão?
Acho que só reforçou o que a gente quer enfatizar. E acho que essa não é uma questão brasileira, mas é global. Quando você olha o que está acontecendo nos EUA, na Europa – com o Brexit, ou na França, na Itália –, a gente está infelizmente em um momento de polarização, de intransigência com a ideia do outro. E o que a gente quer buscar é dizer que, apesar disso tudo, a gente tem esperança. A gente tem que ser capaz de dialogar, mesmo que não concorde com a ideia do outro. É curioso, porque a gente vê ao mesmo tempo, aqui no Brasil, dois exemplos: de um lado as declarações do presidente, mas de outro um congresso que se uniu e aprovou a reforma da Previdência, com 379 votos, unindo partidos das mais diferentes colorações. Então há uma esperança.

A aprovação da Previdência é para você um exemplo da capacidade de união?
É uma capacidade de diálogo. Não é porque a ideia é do outro que ela é ruim. Temos que pensar no país, temos que ter esse diálogo.

O pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera. Foto: Divulgação

Agora, pensando a Bienal como este evento que trabalha com arte, experimentação e criação – um espaço muitas vezes de radicalidade –, é possível neste contexto se furtar de tomar posição, tomar lado?
Tomar lado é a antítese do que estamos propondo. O que a gente está propondo é que os diferentes lados tem que ser capazes de se relacionar. E no fundo, o que a gente quer mostrar é que o lado que a gente está tomando é o lado de que o diálogo tem que acontecer. De que a polaridade não leva a lugar nenhum. Essa é a nossa posição com a proposta curatorial.

Enquanto presidente da Bienal, você lida diretamente com as áreas de cultura e educação. De modo geral, são duas áreas que parecem bastante ameaçadas pelo atual governo, seja na mudança na Rouanet, na Ancine, nas propostas de corte ao sistema S, nos cortes de verbas nas universidades…. Você não enxerga um discurso violento contra essas áreas? Não vê riscos com as novas políticas?
Olha, eu acho que ninguém discute que a educação é fundamental para o desenvolvimento do nosso país. Isso para mim está claríssimo. Você pode debater a efetividade ou não dos nossos esforços na educação, mas a importância da educação é inquestionável. Não vejo ninguém questionar isso. E acho que na cultura a gente tem um defensor, que é o ministro da Cidadania Osmar Terra. Vejo pela própria maneira como ele lidou com a Lei Rouanet. Havia muito medo do que poderia ser feito e acho que a solução final proposta por ele foi uma solução ok. E acho que tanto ele quanto o secretário de Cultura Henrique Pires entendem a importância da cultura e a importância de instituições culturais como a nossa, que foram absolutamente preservadas com a mudança na Lei de Incentivo à Cultura. Então eu acho que tem muito barulho, mas ameaças concretas eu não vejo, ao menos olhando do ponto de vista de entidades culturais como a Bienal e museus. Não quero entrar na seara de produtores culturais ou cinema etc., que aí é outro campo. No campo onde eu milito e participo eu acho que a solução que foi dada está ok.

E quanto aos artistas, você não percebe um clima de apreensão? As pessoas não estão assustadas?
Existe sim. Veja bem, está todo mundo assustado. Existe medo. Eu só espero que com o tempo essa poeira, essa temperatura, abaixe. Mas, sem dúvidas, a gente está vivendo um momento de fervura alta.

Vou insistir um pouco nessas questões políticas, que me parecem muito relevantes neste momento. Em entrevista recente você disse que achava que a cultura poderia ser valorizada independentemente de estar debaixo de um ministério ou de uma secretaria, que o fim do Minc não era um problema em si. Olhando agora, você acha que a cultura está sendo valorizada?
Acho que tem muito ruído em torno da cultura. Não tanto nas artes plásticas, não nas instituições culturais, mas em outras áreas, como na discussão em torno da Ancine. Enfim, espero que isso seja melhor endereçado. Mas continuo com a minha visão de que a gente não necessariamente precisa de um ministério para valorizar a cultura. Você pode ter um ministério e mesmo assim a cultura ser desvalorizada, porque o ministério não tem orçamento, não tem foco – como já aconteceu –, aí não adianta. Eu só acho importante deixar o registro de que eu considero tanto o ministro Osmar Terra quanto o secretário Henrique Pires pessoas competentes, sensíveis e bem intencionadas em seus trabalhos.

Por fim, eu queria saber sua avaliação sobre a participação brasileira na 58a Bienal de Veneza, com o trabalho de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, e na perspectiva em relação à participação brasileira na 17a Bienal de Arquitetura, em 2020, ambas ligadas à Fundação Bienal.
Acho que já na gestão anterior nós fizemos um gol com a participação da Cinthia Marcelle. Foi a primeira vez que o Brasil ganhou uma menção honrosa com o seu pavilhão, o que é uma coisa extraordinária. A escolha agora da dupla Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, com a obra Swinguerra, também foi extremamente feliz. Eu fui à abertura e pude constatar o sucesso do pavilhão mesmo antes de toda a imprensa europeia dar o pavilhão brasileiro como um dos dez melhores. Foi um baita sucesso, impecavelmente realizado, deu orgulho da nossa sala e das soluções técnicas encontradas. Acho também que a diretriz de ter um artista só é a mais adequada, tem mais força. E agora vamos apresentar o Swinguerra na Bienal, para o público brasileiro, essa obra que é absolutamente sedutora e hipnotizante.

E sobre a Bienal de Arquitetura…
Temos planos igualmente ambiciosos para a nossa representação na Bienal de Arquitetura de Veneza. Já está endereçado, mas vamos revelar em breve.

A reencenação na fotografia

Fine, 1996-1997, Qiu Zhijie, chromogenic print. The J. Paul Getty Museum, Anonymous Gift. © Qiu Zhijie

*Gustavo Von Ha

Duas exposições realizadas no primeiro semestre no J. Paul Getty Museum, em Los Angeles, atravessam mais de um século de fotografia, documentando um processo que impactou não apenas o nosso entendimento da fotografia na contemporaneidade, como também nossa ideia sobre política e cultura ocidentais. Ambas as exposições abordam, de formas distintas, a noção de reencenação na fotografia.

A expo “Encore Reenactment in Contemporary Photography” reunia trabalhos de sete artistas (Eileen Cowin, Cristina Fernández, Samuel Fosso, Yasumasa Morimura, Yinka Shonibare CBE, Gillian Wearing e Qiu Zhijie) que utilizam a fotografia para “reencenar” o passado e assim a partir dele destacar lacunas históricas e apontar de forma crítica para narrativas já estabelecidas no cânone da história da arte.

Paralelamente, na sala que antecede esse grupo contemporâneo, havia uma exposição individual de Oscar Rejlander, a primeira grande retrospectiva desse fotógrafo sueco do século XIX que também utilizava a reencenação como estratégia para a construção de seus trabalhos. Ao recriar em fotografia ícones históricos como a Virgem em Oração do pintor italiano Sassoferrato, o trabalho perde a referência temporal, dando a sensação de que todas aquelas imagens compartilham do mesmo tempo onde passado, presente e futuro habitam um único espaço, um ambiente criado pelo artista para além daquelas imagens. Essa percepção é reforçada por uma luz que parece escapar da moldura das fotografias, revelando que estamos diante de uma cena, de um teatro metafórico e real. Mas a que tipo de teatro essas imagens se referem afinal?

Já na exposição de artistas contemporâneos, os trabalhos mostram abordagens distintas ao explorar narrativas históricas da arte, enquanto outros reinterpretam histórias mais pessoais. De todo modo, todos eles usam a reencenação como estratégia na construção daquelas imagens trazendo à vida textos, relatos e registros visuais que traduzem a formação histórica de cada um. Por meio de esforços obsessivos para garantir fidelidade em relação às narrativas originais, os artistas “reencenadores” se tornam especialistas nos assuntos que investigam e podem transmitir um conhecimento íntimo sobre eles. Por meio dessa pesquisa todos eles acessam um museu imaginário, pois trabalham à luz de imagens reconhecíveis no âmbito da história da arte.

A repetição está diretamente ligada ao processo de aprendizado humano, nosso desenvolvimento intelectual se dá muito por meio da imitação. No campo da arte, podemos citar os ateliês em que, desde a antiguidade clássica, havia um mestre para ensinar seus discípulos por meio da cópia dos modelos e padrões estéticos vigentes, em um ambiente em que a autoria tinha um caráter mais coletivo.

Essas exposições me fizeram olhar para dentro do jogo do cenário artístico brasileiro e todas as suas categorias que se criam para certos grupos hoje. Como um artista em constante deslocamento, penso toda essa produção mostrada no Getty a partir de minha própria origem, latino-americana, e formação.

O que todos esses artistas têm em comum é a ideia de um narrador/intérprete: eles próprios desempenhando um papel fictício que esbarra na técnica do tableaux vivant muito utilizada no século XVIII para a produção de imagens, em sua maioria, para pinturas históricas. Isso também fala sobre uma atuação no campo da performance e do próprio teatro. Nessas imagens, todos sujeitos estão atuando como verdadeiros atores. Quando artistas reencenam “obras de arte” mais antigas, muitas vezes agregam um novo significado aos temas originais. A nova imagem se torna ainda mais complexa, somando-se a ela as características da original e seu objetivo é, muitas vezes, criticar narrativas convencionais e destacar histórias sub-representadas.

Apesar da proximidade entre diversos trabalhos ali apresentados, existe uma questão que parece importar muito mais a nós, latino-americanos, do que a esses artistas: a busca pelo ineditismo. Nossa formação acaba sendo anestesiada por tantas imagens desse mundo hegemônico e por isso essa busca incansável por uma independência através do “novo”. Mas a ideia de ineditismo é, na verdade, uma ilusão. Segundo o crítico Roland Barthes, em A morte do autor, tudo o que se produz vem de inúmeras colaborações, diluindo, desta forma, a ideia de autoria.

Dessas fotografias “encenadas” surge mais uma pergunta: o que seria de fato a identidade de um artista nos dias de hoje? Até que ponto podemos ou devemos usar apenas mecanismos próprios individuais para olhar o mundo e fazer “arte”? A ideia da reencenação é também uma quebra na construção da narrativa histórica linear, e dessa forma, ela poderia apontar para modos plurais de construção de outras perspectivas sobre a história. Em que medida somos formados artisticamente por toda essa visualidade que nos atravessa o tempo todo a partir de uma narrativa hegemônica?

Fotografia e aura

Mesmo em grandes mostras como essas, as fotografias ainda parecem ser menos consideradas do que a pintura. No Getty e em quase todos os museus elas são sempre apresentadas no subsolo, “protegidas da luz”. Mas seria esse o real motivo? Ou sua natureza facilmente reprodutível é considerada menor? A aura está relacionada à autenticidade, a existência única de uma obra de arte. Portanto, teoricamente, ela não existe em uma reprodução. Mas considerando que a fotografia capta um momento que não pode mais ser alcançado para além daquele “clique”, a fotografia é, segundo filósofo Walter Benjamin, a última instância da aura em torno de uma imagem.

Avançando para o presente, na era do Instagram, quando esse “momento decisivo” é determinado por um processo totalmente diferente e a mudança para a fotografia digital tornou o papel bastante obsoleto, as reproduções caminharam para uma democratização da cultura, onde a imagem reproduzida pode ser acessada e produzida por qualquer pessoa, reforçando esse mecanismo. A mesma imagem que está no museu está também no site do museu, na revista, no jornal, está solta na internet. Isso nos ajuda a entender como uma única imagem pode capturar e imortalizar um momento decisivo criando um ícone instantâneo. Esses ícones parecem compor um storytelling; são imagens que sequencialmente formam uma narrativa quase linear. As imagens produzidas hoje são inseparáveis da história pois elas continuam a contar uma história seja ela qual for e podem funcionar como índices que contribuem para o sentido de uma narrativa.

Aquele conjunto de fotos é muito mais do que uma exposição, é um ambiente que nos coloca imediatamente num outro tempo, talvez no tempo da arte, aquela cheia de aura, na contramão desse mundo acelerado inundado por imagens onde tudo se dilui.

Éder Oliveira, Regina Parra e Virginia de Medeiros expõem no Instituto Tomie Ohtake

Obra de Éder Oliveira da série “Cenas Singulares”. Foto: Octavio Cardoso

Na oitava edição do programa Arte Atual – série de exposições inéditas realizadas pelo Instituto Tomie Ohtake – os artistas Éder Oliveira, Regina Parra e Virgínia de Medeiros apresentam Jamais me Olharás lá de Onde te Vejo, uma mostra com “reflexões acerca do retrato como gênero pictórico e como forma de reconhecer e atribuir uma identidade ao retratado”.

Segundo texto dos curadores Diego Mauro, Luana Fortes, Priscyla Gomes e Theo Monteiro, “é possível, por intermédio dos trabalhos, discutir parâmetros de como os artistas constroem os limites entre o ‘eu’ e o ‘outro’, e delimitam relações de afinidade e de distinção. Mais do que isso, os trabalhos presentes explicitam como os artistas convidados se valem da figura humana como uma de suas ferramentas para abordar a violência que imputamos ou a que são imputados nossos corpos, os limites e rastros do tempo e a noção do corpo como um lugar de resistência”.

Enquanto o paraense Éder Oliveira é reconhecido pela pintura de retratos coloridos, em diferentes escalas e suportes variados, que têm como objeto principal o homem amazônico – problematizando também a violência na região –, a paulistana Regina Parra trabalha com pintura, fotografia e vídeo abordando questões como novas hierarquias de poder, limites, controle e mudanças de limites culturais. Segundo texto da mostra, ela “traz no retrato um processo de desconstrução mitológica sobre si”, sem que com isso produza autorretratos.

Virginia de Medeiros, por sua vez, baiana de Feira de Santana que vive em São Paulo, propõe na exposição uma nova montagem para sua série Alma de Bronze (2016-2018), realizada a partir de sua convivência com lideranças femininas da Frente de Luta por Moradia (FLM) do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), iniciada com sua participação no Programa de Residência Artística Cambridge e posteriormente transmutada para a Ocupação 9 de Julho. A nova montagem, de caráter instalativo, traz retratos em vídeo de doze importantes líderes femininas da ocupação.

O programa Arte Atual, segundo o Instituto Tomie Ohtake, desde 2013 busca alimentar pesquisas artísticas experimentais, para criar possibilidades de aprimorar e enriquecer a pesquisa de cada participante. Para isso conta com a parceria de galerias para a produção das obras, desenvolvidas por meio de diálogos entre a equipe curatorial do Instituto Tomie Ohtake e os artistas convidados. Nesta oitava edição, as galerias Millan, Nara Roesler e Periscópio tornaram possível sua realização.

Jamais me Olharás lá de Onde te Vejo
Instituto Tomie Ohtake – Av. Faria Lima 201
De 07 de agosto até 29 de setembro de 2019
Entrada gratuita