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Museus cariocas lançam campanhas de matchfunding em parceria com o BNDES

Obras já higienizadas e catalogadas na reserva técnica do Museu Bispo do Rosario Arte Contemporânea. FOTO: Patricia Rousseaux

O Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea (mBrac) e o Museu de Imagens do Inconsciente (MII), sediados respectivamente em Engenho de Dentro e em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, iniciaram neste mês de outubro campanhas para arrecadar fundos para manutenção e expansão. As instituições recorreram à modalidade de matchfunding de financiamento coletivo, em parceira com o Programa Matchfunding BNDES+.

A cada um real doado nas páginas criadas na plataforma Benfeitoria, o BNDES triplica o valor, doando mais dois reais aos museus. As campanhas são chamadas de “tudo ou nada”, já que é necessário que sejam atingidas as metas totais para que o valor seja revertido às instituições. Caso não aconteça, o dinheiro volta para os doadores. Ambos os projetos oferecem recompensas para seus colaboradores, designadas de acordo com o valor doado por cada um.

Obras já higienizadas e catalogadas na reserva técnica do Museu Bispo do Rosario Arte Contemporânea. FOTO: Patricia Rousseaux

O mBrac lançou seu matchfunding na sexta-feira, 25 de outubro, e tem 37 dias para chegar ao valor de 150 mil reais, encerrando em 4 de dezembro. A quantia será usada para a restauração do Grande Veleiro e para a higienização das outras obras do artista Arthur Bispo do Rosario (clique aqui para saber mais e doar ao mBrac).

Por sua vez, o MII iniciou sua campanha em 7 de outubro e já arrecadou 79% da meta de 244,5 mil reais. O dinheiro será utilizada para que o museu expanda a sua atuação e proteja o seu acervo (clique aqui para saber mais e doar ao MII).

O Matchfunding BNDES+ é um programa que auxilia no aporte a projetos culturais por meio de financiamentos coletivos que se unem ao aporte direto do BNDES, transformando-se em um “financiamento combinado”. Clique aqui e veja todos os projetos selecionados pelo edital de 2019 que já estão com sua campanha no ar.

Lotus Lobo marca seu território em mostra na Galeria Superfície

Detalhe de obra "Maculatura "da Estamparia Litográfica", de 1970, da artista Lotus Lobo.

Filha de pais paulistas, a mineira Lotus Lobo morou quase sempre em Belo Horizonte, exceto nos momentos em que viajou para fazer cursos ou quando, entre a década de 70 e 80, coordenou atividades em uma casa de gravura em Tiradentes, também em Minas Gerais. O espaço era ligado à litografia, técnica que a artista desenvolve desde o início da década de 60, quando entrou em Belas Artes na Escola Guignard, instituição da capital mineira.

“Eu entrei na litografia meio sem saber o que era, na verdade. Eu venho de uma família que tem muitos pintores, tios e primos. Eu pensava em ser pintora, já tinha tido aulas com tios que pintavam, da família Bracher”, ela conta por telefone à ARTE!Brasileiros. Porém, o ateliê de litografia da escola, onde posteriormente trabalhou como professora durante vários anos, tinha acabado de ser inaugurado, mas ainda não funcionava. Isso chamou muito a atenção de Lotus. Era 1962, e, por coincidência, logo conheceu um litógrafo, o artista João Quaglia: “Conseguimos trazê-lo em 1963 para Belo Horizonte, para iniciar esse diálogo da litografia. Cheguei nela meio sem querer, mas fiquei”.

A partir daquele momento, Lotus começou uma história muito afetiva com a litografia. São mais de 50 anos produzindo trabalhos com essa técnica, que consiste na impressão de imagens gravadas em uma base, usualmente composta de uma pedra calcária. Após o desenho ser feito na base, uma solução é utilizada para transpor a imagem em uma superfície. Na exposição que realiza agora em São Paulo, a artista traz obras que dialogam com a pedra utilizada, como em Sem título (2016) e Prensa I e II (2019).

As pedras usadas pela artista eram “granitadas”, ela explica. Eram pedras que já haviam sido utilizadas por terceiros e que eram reutilizadas em seus processos. Algumas delas vinham com figuras, especialmente ligadas à indústria, como rótulos: “Nos primeiros sete anos, fui muito influenciada por um abstracionismo informal e só fazia gravuras em preto e branco”, ela comenta. Só depois, quando visitou a Bienal de São Paulo de 1967, se viu influenciada pela Pop Art: “Foi quando me animei a usar aquele material que eu já tinha comigo”, diz.

Após decidir fazer apropriações daquelas figuras para desenvolver seu trabalho, Lotus fez contato com uma indústria em Juiz de Fora, cidade onde houve as primeiras movimentações litográficas em Minas, e pediu permissão para trabalhar naquele espaço: “Comecei a frequentar essa fábrica que fazia embalagem para latas de manteiga, banha etc. Pedi uma ordem para que eu pudesse trabalhar lá. Eles me deram, dizendo que eu poderia trabalhar a partir das 16h, que era quando o período de trabalho deles terminava”.

A artista passava temporadas em Juiz de Fora, onde fez muitas gravuras em cor, utilizando das ferramentas que a fábrica dispunha e tendo a ajuda dos impressores que trabalhavam ali. “Aprendi muito e, então, comecei uma história ligada a essas indústrias de estamparia, que estampavam latas para produtos, principalmente laticínios”. Ela conta que esse tipo de fábrica não existe mais, pois todo o processo industrial foi modificado ao longo dos anos. “Tive a oportunidade de conhecer muita gente, muitos desenhistas estrangeiros que naquela época já estavam velhinhos, no final dos anos 60. Gente que me influencia até hoje. Eles me ajudaram muito nessa caminhada”.

Para Lotus, a “litografia é uma coisa muito coletiva”. Ela conta que sempre teve que unir pessoas que gostam muito da técnica, especialmente no início, por isso trabalhou durante um tempo em uma casa de gravuras em Tiradentes. Os ateliês eram sempre coletivos, pois existiam poucos. Hoje ela tem sua própria oficina de litografia em casa.

Além de sua atuação como artista, Lotus foi professora durante quatro décadas. Na Escola Guignard, onde se formou, foi a primeira mulher a lecionar a técnica. “Comecei muito cedo, ainda nos anos 60. Como avancei sozinha na litografia e não tinha professor, houve um concurso na época e passei”. Nos anos 70, trabalhou também no curso geral de Belas Artes, mas optou por ficar apenas na Guignard, onde esteve até se aposentar, duas décadas depois.

A exposição

A mostra da artista na Galeria Superfície, em São Paulo, intitulada Território Gravado é a segunda exposição da artista em uma galeria paulistana e fica em cartaz até o dia 9 de novembro. No dia 26 de outubro, sábado, a artista estará na cidade para realizar uma visita guiada junto ao curador Marcelo Drummond, às 16h.

Lotus conheceu Drummond por seu trabalho como professor na UFMG e sempre teve contato com o curador, que também atua como designer. “Eu sempre tive vontade de fazer algo com ele, mas fui eu quem sempre fiz as curadorias das minhas exposições”, ela diz.

Em 2018, durante os preparativos para sua exposição Litografia, que aconteceu no Centro Cultural Minas Tênis Clube, ela sentiu que precisava de um curador que pudesse encarar o grande espaço que a galeria da instituição oferecia. Então, convidou Marcelo. Ela conta que essa parceria foi muito importante, pois agregou algumas novidades à sua visão sobre seu próprio trabalho: “Deu novas qualificações ao meu trabalho, novos desmembramentos. Achei que injetou um sangue novo”.

Território Gravado tem 30 obras de Lotus em diferentes suportes e dimensões, das quais três são inéditas, concebidas para essa exposição especialmente. No catálogo, o texto de Renata Marquez revela também a resistência feminina que tinha como membro a professora Lotus Lobo durante o período em que foi sua aluna na Escola Guignard, no início dos anos 90: “Éramos um grupo de mulheres (pode ser que houvesse homens também, mas eles se apagaram de minha litomemória). Mulheres que carregavam pedras. Mulheres alquimistas que davam sólida dignidade àquelas montanhas que um dia as pedras foram”, escreve Marquez.

 

Eduardo Saron, Fabio Szwarcwald e Jochen Volz debatem a gestão cultural nos dias atuais

MAM Rio
Da esquerda para a direita, Jochen Volz, Fabio Szwarcwald e Eduardo Saron. No seminário “Gestão Cultural: Desafios Contemporâneos”, organizado pela ARTE!Brasileiros e pelo Itaú Cultural.

 Realizado no último dia 21 de outubro, em São Paulo, o seminário “Gestão Cultural: Desafios Contemporâneos”, organizado pela ARTE!Brasileiros e pelo Itaú Cultural, reuniu gestores, especialistas e artistas para discutir temas essenciais sobre gestão nos tempos atuais. Dividido em duas mesas, o evento foi apresentado e mediado pela diretora editorial da ARTE!Brasileiros, Patricia Rousseaux, que destacou em sua fala de abertura alguns dos temas que pautaram o debate.

“Questões teóricas, jurídicas, econômicas e políticas sempre formaram parte de programas acadêmicos e debates. Porém, a precarização dos investimentos estatais, a aceleração das mudanças socioculturais, a discussão sobre questões ambientais e migratórias, a ascensão do debate sobre nossa história colonial, as questões de gênero e os movimentos de intento de censura às liberdades de expressão têm feito da cultura um palco quase primordial de manifestações”, afirmou Rousseaux. “Esta situação vem apresentando verdadeiros desafios aos gestores e diferentes agentes da cultura e da arte contemporânea. Não é mais suficiente ter estudado história da arte, museologia, educação ou administração de empresas. É necessária uma extraordinária flexibilidade, uma visão ampla, democrática e ética capaz de entender as exigências do debate contemporâneo, nas instituições públicas e privadas”, completou.

A primeira mesa, que contou também com a participação de Fabio Szwarcwald, diretor-presidente da EAV Parque Lage, e Jochen Volz, diretor geral da Pinacoteca, começou com a fala de Eduardo Saron, dirigente do Itaú Cultural. “Em um momento tão desestabilizado da nossa política nacional, um momento tão conservador – para não usar uma palavra mais dura –, eu tendo a não querer debater onde está o erro do lado de lá, mas sim pensar no que nos permitiu chegar neste momento. Alguma coisa deixamos de fazer para que a sociedade nos visse de uma forma não tão meritória”, afirmou Saron no início de sua fala, se referindo aos questionamentos constantes tanto ao trabalho dos artistas quanto à necessidade de se financiar cultura em um país com graves problemas de saúde, violência, educação etc.

“Temos de um lado uma sociedade que nos questiona e de outro um governo que tenta nos criminalizar e não compreende nosso papel, nem mesmo do ponto de vista econômico do que a arte pode propiciar. E ao mesmo tempo você tem o mundo da arte e da cultura poucas vezes atravessando a rua para estabelecer empatia com este outro campo”, seguiu ele. A partir deste diagnóstico, Saron propôs uma análise do que aconteceu no Brasil no campo cultural nos últimos 20 anos, período em boa parte caracterizado por um crescimento econômico centrado no boom das commodities e por um fortalecimento das estatais como patrocinadoras da cultura.

“E predominou uma política muito centrada na questão da democratização do acesso. Essa era a ideia chave quando Lula assume, por exemplo, com Gilberto Gil no MinC. Era preciso que mais artistas estivessem em contato com um número maior de público”. Deste ponto de vista, “girar a catraca” tornou-se um grande indicador de relevância cultural, com muitos projetos pautados no que Saron chamou de espetacularização. Foi também o período de construção de muitos novos edifícios culturais, em certo detrimento do descuido com prédios históricos e espaços já existentes.

Catraca, espetacularização e a construção de edifícios dominaram a agenda, com o discurso da democratização legitimando a cultura como “instrumento e mecanismo”, não como fim em si. “E não estou defendendo que esse tema deixe de existir, mas estou querendo avançar na discussão sobre qual é o nosso novo paradigma, sobre o que precisamos buscar. E a democratização está, inclusive, dentro deste novo paradigma”, disse o dirigente do Itaú Cultural. “Porque quando o boom das commodities entra em colapso, todo esse movimento entra em colapso. E a gente não soube dar o salto sobre qual o verdadeiro papel da cultura e das artes na transformação da sociedade. Nosso papel não pode ser de ferramenta, de instrumento.”

Para Saron, a cultura por si mesma deve se localizar como um campo de transformação, e para isso a democratização não basta. Entra aí a palavra “participação”, algo já previsto, segundo ele, na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, que diz “que toda pessoa tem o direito de participar da vida artística, cultural e científica do seu povo e do outro”. “E ao propor um campo onde trazemos o indivíduo para a participação, a gente deixa de se colocar como instrumento e amplia a nossa compreensão no papel da cultura na construção do pensamento humanístico, sob a perspectiva da democracia cultural”.

“Claro que isso nos impõe outras questões e nos obriga a um outro patamar de gestão cultural, muito mais complexo, que trabalha com o repertório existente do outro para dialogar com o repertório que estamos propondo”, disse Saron. “Então a catraca não pode ser o referencial, a espetacularização muito menos e o prédio tampouco. Para mim o referencial passa a ser a fruição – o prazer do outro no contato com a arte –, o fomento – uma política para as artes no país – e a formação – que é o cerne do nosso papel como transformadores de uma sociedade.”

Colocando arte e cultura no patamar da participação, concluiu ele, pode-se enfrentar os debates atuais inclusive sobre a escassez de recursos, já que a participação dá também resultados na questão da segurança pública e no campo do ensino formal, por exemplo. “A arte e a cultura podem enfrentar diversos destes nossos problemas de educação, como analfabetismo funcional, com muito mais potência e num período muito mais curto, exigindo menos recursos. E o foco para isso tem que ser nos processos participativos.”

Após a fala de Saron, Fabio Szwarcwald contou um pouco sobre seu trabalho à frente da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, onde está desde 2017. O economista e colecionador, que trabalhou em bancos por 22 anos, assumiu a direção da EAV após alguns anos em seu conselho, e em um período de profunda crise na instituição com a retirada de repasses financeiros do Estado. Para contar sobre o processo de reestruturação da Escola, Szwarcwald retomou também um pouco de sua história.

“A EAV foi fundada durante a Ditadura Militar, então ela já tem esse DNA de um lugar de resistência, de luta. Ela foi criada pelo Rubens Gerchman como um contraponto às escolas academicistas que existiam. Então somos uma escola livre desde o princípio e entendemos que para ser livre a escola precisa conseguir se bancar, pagar as próprias contas”, afirmou. “Então todo o meu trabalho foi para resgatar essa autonomia, essa liberdade de atuação tão importante nos dias de hoje”.

O economista contou que, neste intuito, a EAV foi separada em quatro grandes núcleos: ensino; difusão; pesquisa; e formação de público, todos eles buscando reaproximar as pessoas da instituição e pensando novas formas de trazer recursos. Além disso, através de uma associação de amigos responsável pela administração financeira da Escola, o equipamento – mesmo que pertencente à Secretaria de Cultura – , pode se blindar de intempéries como a que desencadeou sua crise.

“E a ideia era abrir a escola o máximo possível porque, como disse o Saron, muitas vezes nós que trabalhamos com arte falamos apenas para nós mesmos. E isso é muito ruim porque as pessoas criam um conceito equivocado de que a arte é muito elitista, é para poucos”, seguiu Szwarcwald. “E nós, como uma escola no meio da zona sul do Rio, tínhamos que nos abrir para a periferia. Quer dizer, se abrir para a sociedade porque é ela que vai nos dar a força de resistência, de manutenção e mesmo de apoio financeiro.”

Na parte de ensino, o diretor conta que as noites beneficentes foram muito importantes para resgatar o programa de formação – que teve, em 2018, 500 inscritos para 25 vagas. “Esse programa é fundamental para o desenvolvimento dos nossos alunos e ele tem que ser gratuito, porque queremos trazer esses estudantes que não teriam condições de pagar um curso”. Outras iniciativas para além de patrocínios foram a inserção da EAV em feiras de arte – ArtRio e SP-Arte –, com obras cedidas por importantes artistas; uma parceria inédita com a Universidade Candido Mendes, trazendo o curso pago de curadoria ministrado por Paulo Sergio Duarte; e a criação de duas lojas, a EAV e a PA.GÉ, com lucros repassados para a Escola. Neste ano, a instituição aprovou também um plano anual de R$ 8 milhões na Lei de Incentivo à Cultura.

Ao aceitar receber a exposição Queermuseu – encerrada após campanha difamatória no Santander Cultural de Porto Alegre e censurada por Marcelo Crivella no MAR –, o Parque Lage organizou uma campanha de financiamento coletivo que captou mais de 1 milhão de reais para montar a mostra. “Isso revelou também a revolta da sociedade de ver, em pleno 2017, uma exposição com 250 artistas sendo censurada no Brasil. E foi importante para colocar a escola de novo como centro de resistência e difusão das artes de uma maneira plural”, afirmou Szwarcwald.

O diretor falou também sobre o programa de formação para professores de escola pública, sobre o Parquinho Lage, uma escola para crianças, e as parcerias extramuros, com aulas na Maré, em CIEPs e em programa de amigos da prefeitura. “A gente começou em 2017 com 600 alunos, foi para 3 mil em 2018 e esse ano tem mais de 6000 alunos, sendo 90% de forma gratuita”, resumiu ele sobre os números da EAV. “As pessoas eram muito saudosistas da escola na geração de 1980, do papel dela no passado, e agora a gente voltou a ser visto, frequentado, em decorrência de um trabalho de encarar os desafios, saber das dificuldades e traçar novos objetivos”, concluiu.

Por fim, o último a falar foi o curador e diretor da Pinacoteca de São Paulo, Jochen Volz, que iniciou sua apresentação citando um dado curioso para os tempos atuais: “Nos primeiros seis meses de 2019, 30 museus que foram ouvidos por um jornal tiveram um aumento de 30% de público. Isso é extremamente interessante porque vai um pouco contra o que a gente poderia esperar neste momento de crise. Então para mim uma primeira questão, em um museu como a Pinacoteca, é tentar entender que tipo de situação estamos vivendo e como reagir a ela”, disse Volz.

“E são tempos de radicalização, por um lado, onde tudo é polar e dual – bom e ruim, certo e errado –, mas por outro tem uma coisa que é o contrário, algo que o Guilherme Wisnik descreveu de modo muito bonito no livro Dentro do Nevoeiro. Que é aquela grande neblina, em que a gente percebe que na verdade tudo que sabíamos talvez não seja suficiente. E que nós estamos no momento em que as narrativas que achávamos que eram lineares não são suficientes. Não existe uma história, mas muitas histórias.”

Para o curador, o desafio neste contexto vai além de questões de situação financeira e gestão, e centra-se especialmente na relação com o público. “É o público quem vai nos proteger e, obviamente, os artistas”. A partir destas constatações, Volz discorreu sobre uma exposição especifica apresentada na Pinacoteca, intitulada Somos Muit+s: Experimentos sobre coletividade, que partiu também do questionamento sobre como criar maneiras de refletir junto ao público, “inclusive com aqueles que estão do outro lado da rua e viraram as costas para a cultura”.

“E a gente acredita que o lugar da arte é o de gerar imaginação sobre outras formas de viver junto, outras formas de imaginar uma convivência democrática, que realmente consigam enfrentar os grandes desafios do nosso tempo”. A exposição partiu da obra e do pensamento de duas figuras históricas chaves para se pensar a participação na arte: Helio Oiticica e Joseph Beuys. “O Beyus já falava isso nos anos 1970. Que a arte não é um meio para algo. Ela é o lugar da imaginação. Ela tem um valor econômico não pelo que ela rende, mas porque a criatividade tem um valor econômico em si. Sem a criatividade, todo bem material não vale nada. Porque se nós não imaginamos como usar, como potencializar, como dividir, esse valor material não é suficiente”, disse Volz, falando ainda que a ideia de construção de uma vida cultural, inclusive de um equipamento cultural, passa por um processo coletivo que demanda participação.

Segundo ele, Oiticica propunha, em outras palavras, a mesma ideia sobre a participação, ou mesmo “sobre a escolha da não participação já como um ato ativo na construção do sentido”. A partir das obras destes dois artistas, a mostra reuniu outros trabalhos contemporâneos. Entre eles o de Rirkrit Tiravanija, que ocupa o octógono da Pinacoteca, sobre o qual Volz se deteve um pouco mais. Untitled 2019 (demo station n.7) “é um palco aberto, alto demais, que de baixo não dá para ver nada, é disfuncional. Mas para quem está em cima a vista é maravilhosa. Então há uma inversão de papeis. Quem está olhando quem? Então é um trabalho que fala muito mais sobre poder, sobre as relações entre nós juntos”, afirmou.

A partir da instrução de ativar o palco o máximo possível, a Pinacoteca chamou para atuar ali diversos parceiros, como o coletivo Legitima Defesa, a Casa do Povo e o JAMAC, entre outros. “Mas isso era só o início. Tivemos ao todo 90 apresentações, com quase mil pessoas ativamente participando. E não é sobre a catraca, sobre números altos, mas uma proposta de pensar sobre quem fala, quem tem espaço para falar nesta instituição. Porque a ideia de pensar que nós estamos juntos já é um privilégio. Algo que existe para um europeu, branco e homem como, mas não para muitos outros. Então essa exposição reflete sobre isso. A ideia de pensar quem tem o poder de fala e quais vozes precisam conquistar esse espaço”, seguiu Volz.

Isso significa, segundo ele, que a Pinacoteca (e outras instituições) precisa se colocar nesta posição de ouvir, de escutar, de celebrar a diversidade e “de entender que talvez nosso privilégio é poder oferecer um palco aberto”. “Tivemos, por exemplo, uma banda evangélica, e o museu ficou lotado de gente que não costuma ir lá. E isso é importantíssimo, porque se não conseguirmos criar essa identificação, como é que, caso as situações políticas ou de censura apertem ainda mais, vamos acreditar que seremos defendidos pelas pessoas, inclusive as que não costumam se interessar por cultura?”. “Então é um processo que não sabemos ainda como vai seguir, mas é importante celebrar essa ideia de um museu vivo, e isso significa a participação de todas e todos”, concluiu Volz.

 

 

 

 

 

A resistência radical em “Fúria” e “Bacurau”

Imagens do espetáculo "Fúria". FOTO: Divulgação

Assisti ontem ao espetáculo Fúria, da Lia Rodrigues Companhia de Dança, e saí com aquela sensação de ter vivido um desses raros momentos que a arte propícia: estar imerso em uma experiência radical, onde os limites entre minha experiência individual se confunde com o que vejo no palco e eu passo a ser aquilo que vejo. Fúria fica em cartaz no Sesc Consolação até 27 de outubro.

Tal sentimento é raro, mas ultimamente tem sido recorrente. Nos últimos três anos, o Brasil e o mundo em geral vivem uma situação de polarização entre valores humanistas e frentes reacionárias delirantes, como a defesa da Terra Plana, para citar o caso mais bizarro.

Tem sido a arte, com suas experiências que nos sacodem nesse contexto de conflito, a responsável por criar campos de afirmação de valores, de resistência, de solidariedade. Não por acaso, uma amiga desabafou feliz após assistir à série produzida pela BBC, Years and Years: “Percebi que não estava louca quando vi que gente na Inglaterra fala do mundo da mesma forma que eu”. É por isso que a arte vem sido atacada de forma tão violenta nos últimos tempos.

Pois Fúria é um ótimo exemplo desse transe catártico que nos arrebata e alimenta nossa existência. Há quase 30 anos, Lia Rodrigues vem desenvolvendo um trabalho original e sensível no cenário da dança contemporânea brasileira. Suas peças costumam ser anti-espetaculares: simples nos cenários, sem efeitos mirabolantes, sem iluminação extraordinária. Nelas, os corpos dos bailarinos e bailarinos, muitas vezes nus, é que assumem a construção da narrativa.

São corpos que carregam a miséria do mundo e não seu resplendor, ao mesmo tempo em que anunciam possíveis formas de (re)existência fora da sociedade de consumo. Vejo Fúria como a radicalização desse movimento, como um desabafo, como uma porrada. Há muito momentos na peça em que o elenco encara o público, o desafia, mas na maior parte parece estar em transe, ao som do mesmo canto de cerca de uma hora, que remete tanto a um ritual indígena quanto ao candomblé.

Fúria é a afirmação da possível construção de um outro mundo, a partir de relações horizontais, da igualdade dos corpos negros e brancos, da igualdade dos gêneros, da valorização das identidades. Tanto que no programa afirma-se que o espetáculo é “dançado e criado em estreita colaboração com Leonardo Nunes, Felipe Vian, Clara Cavalcante, Carolina Repetto, Valentina Fittipaldi, Andrey Silva, Karoll Silva, Larissa Lima, Ricardo Xavier”.

É nesse sentido que vejo muitas semelhanças entre Fúria e Bacurau, de Kleber Mendonça e Juliano Dornelles, mesmo com suas imensas diferenças de linguagem. A dança é praticamente abstrata, enquanto o filme é de uma narrativa convencional e melodramática. Mas, e aí está a genialidade de Bacurau, quando um filme usou de uma linguagem tão hollywoodiana para colocar como protagonista não um herói ou heroína, mas toda uma cidade, tendo como centro de resistência justamente um museu, o lugar da arte?

O museu de Bacurau é justamente o espaço vivo, o local da resistência, não um mausoléu que guarda acervos inteiros sem contato com a realidade que o circunda. Pois Fúria foi criada no Centro de Artes da Maré, no Rio de Janeiro, um espaço que abriga também a Escola Livre de Dança da Maré e que propicia o acesso à arte de 350 alunos por ano, além de outro núcleo que busca profissionalizar na dança jovens entre 14 e 23 anos.

Assim, Bacurau de forma simbólica e Fúria estruturalmente são atos de resistência, que afirmam que mesmo em tempos de cólera é possível a criação de outros mundos.


Fúria – Lia Rodrigues Companhia de Dança
até 27/10
Sesc Consolação: R. Dr. Vila Nova, 245 – Vila Buarque, São Paulo – SP

Sesc_Videobrasil anuncia premiados de sua 21ª edição

O Salto Fotografia Social - Pedro Napolitano Prata

A 21ª Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil anunciou no último fim de semana o nome dos premiados da atual edição, em cartaz no Sesc 24 de Maio. São eles Aykan Safoglu (Turquia), Dana Awartani (Arábia Saudita), Gabriela Golder (Argentina), Nelson Makengo (República Democrática do Congo), No Martins (Brasil), Roney Freitas & Isael Maxakali (Brasil), Omar Mismar (Líbano), Thanh Hoang (Vietnã) e o coletivo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (Brasil). Os prêmios variam de projetos de residência em diferentes instituições, menções honrosas e aquisições para integrar o Acervo Sesc de Arte Contemporânea. Os laureados receberam também troféu criado por Alexandre da Cunha a convite da Bienal.

As escolhas do júri refletem a diversidade da mostra, que reúne obras de 55 artistas, e sobretudo confirmam a vocação do Videobrasil de tornar-se um espaço importante para a divulgação e estímulo da produção artística nos países do Sul Global. O envolvimento de várias instituições de diferentes países desse eixo geopolítico – Instituto Sacatar (Brasil); MMCA Residency Changdong (Coréia do Sul) e Sharjah Art Foundation (Emirados Árabes) – amplia ainda mais esse potencial de propagação do Videobrasil.

Com quatro laureados, o Brasil têm uma presença marcante e multifacetada, na qual se nota uma presença importante de obras com alto grau de consciência social, como as telas em que No Martins se posiciona de forma contundente na denúncia do racismo, ou na militância aguerrida pela luta por moradia, testemunhada pelo vídeo “Conte isso àqueles que dizem que fomos Derrotados”, do Movimento de luta nos Bairros, Vilas e Favelas. Sintomaticamente, o título deste trabalho foi inspirado por um poema do palestino Narjan Darwish, simbolizando que o fenômeno de luta por moradia não está restrito a um país ou grupo.

A questão da memória está na base de trabalhos como os de Tang Kwok-Hin, que lida com os pertences de seus antepassados, e de Dana Awartani, que se debruça sobre o apagamento da tradição arquitetônica de seu país ante a opressiva e violenta modernização dos costumes, ao contrapor uma efêmera composição, feita de areia seguindo os padrões geométricos de azulejaria típicos da cultura árabe, a um vídeo em que ela aparece varrendo um piso semelhante, desfazendo em segundos uma arte milenar.

21ª Bienal Sesc_Videobrasil I Comunidades Imaginadas
Sesc 24 de Maio – Rua 24 de Maio, 109, Centro – São Paulo
De 9 de outubro de 2019 a 2 de fevereiro de 2020
Entrada gratuita

 

 

 

Bienal de Curitiba abre as fronteiras com mostras em outras instituições

Inaugurada em 21 de setembro com a exposição principal sediada no Museu Oscar Niemeyer, a Bienal de Curitiba entra em sua décima quarta edição inaugura, ao longo dos próximos meses, uma série de exposições paralelas vinculadas à mostra. Com o tema “Fronteiras em Aberto”, a bienal deste ano se estenderá até 1o de março de 2020.

Só no mês de outubro, uma dezena de exposições foi inaugurada em instituições parceiras no Brasil, como Nômades e Fronteiriços, Poema-Processo e Fluindo Naturalmente, no Museu Municipal de Arte (MuMA), e Metáforas de Leopoldino de Abreu, no Museu Guido Viaro, em Curitiba. Em Brasília, foram abertas Yanbei: Uma Arte Agrilhoada e Contraforte, no Espaço Cultural Renato Russo. No Museu da Escola Catarinense – MESC, vinculado à Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), foi montada a mostra coletiva Rudis Materia, em Florianópolis, onde também há Intersecções com a Paisagem, mostra coletiva de videoarte, no espaço O Sítio.

Ainda na capital catarinense, neste mês, acontecem as mostras “Panorâmicas do Desejo”, na Galeria Municipal de Arte Pedro Paulo Vecchietti; Florestas de Juliana Hoffmann, no Memorial Meyer Filho, e almacorpoterramar, Espaço Cultural Armazém (Coletivo Elza).

Desde maio, a Bienal de Curitiba tem tido exposições paralelas, tendo outras que abrirão ainda em novembro e dezembro. Além de espalhar mostras pelo país, as fronteiras se abriram para países como Argentina, Paraguai e Uruguai, França, Suíça e Rússia. Confira todas as exposições clicando aqui.

“Bacurau”, o cinema, o cinemão e a “videoarte”.

Cena de Bacurau, filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Foto: Divulgação

Acabo de sair de Bacurau (ainda não saí do filme, ou ele não saiu de mim).

Entre o desejo de ser arte e a certeza de ser espetáculo, ele me pareceu ao mesmo tempo bem-intencionado e dissimulado. Bem-intencionado porque se pretende como “obra”, uma grande alegoria do Brasil, a favor de seu “povo”, e cínico porque parece saber o quanto é difícil (talvez impossível) sintetizar numa única peça a complexidade do país das últimas décadas. A narrativa de Bacurau, apesar de forjada como sendo um faroeste (“caboclo”, mas, ainda assim, um faroeste), é repleta de citações pontuais ou difusas a outros filmes que sublinham sua dimensão intencionalmente alegórica. E talvez seja essa característica nele tão presente que, a meu ver, o torna irremediavelmente datado, apesar de colocar-se em devir.

Tento compará-lo a outros filmes brasileiros atuais, mas não consigo. Quando penso qualquer tipo de cotejamento possível, só me vêm à mente produções mais antigas e que também assumiram a propensão alegórica que caracteriza Bacurau: Terra em transe (1967), Iracema – uma transa amazônica (1976), Bye bye Brasil (1980); mas esses filmes, parece, guardam uma atualidade que Bacurau não logrou manter. Bacurau, estranhamente, enquanto ideia e realização, parece ter se alojado justamente ali, em algum lugar entre os anos 1960 e 1970 – “período ideológico” em que ele parece ter sido forjado – e naquele buraco ficou como um monumento a uma ideia de um “povo brasileiro” ou de um Brasil que hoje não existe, ou quem sabe nunca tenha de fato existido. Aqueles outros filmes, de uma maneira ou de outra – e apesar de terem servido de espelho para Bacurau – me parecem mais próximos da atualidade e isso pelo fato de terem sido produzidos no momento certo, e não depois, como uma espécie de soluço nostálgico.

A Bacurau tendo a preferir filmes com pretensões menos totalizadoras, que não usam a alegoria como linguagem, mas que podem ser interpretados como. São produções que, a meu ver, dão conta de interpretarem o país e os vários segmentos de sua população em dimensões pouco ou nada maniqueístas. Amarelo manga (2003), O céu de Sueli (2006), Elvis & Madonna (2011), O som ao redor (2013), A que horas ela volta? (2015) Pela janela (2017), Todo clichê do amor (2018) e tantos outros filmes vêm traduzindo (cada um com sua singular traição, não vamos nos esquecer) as inúmeras nações brasileiras e as inúmeras tribos que coexistem nesta região do planeta. Para usar uma metáfora cara a Barthes, esses filmes são como inúmeros fios tecendo uma contínua possibilidade de pensar o Brasil, trama que jamais se esgotará em seu vir a ser.

Mas não são apenas esses filmes que me chamam a atenção. Também me interessam mais do que a Bacurau e sua alegoria supostamente portentosa do Brasil atual, alguns documentários que investigam segmentos do multifacetado cotidiano do país, como Waiting for B. (2017) ou Yoonahle – a palavra dos Fulni-ô (2013) (este em exibição até 15 de novembro no 36º Panorama do MAM-SP). Também chamam a atenção, pelas perspectivas que lançam sobre o Brasil, documentários recentes, como Ser tão velho cerrado (2018), Bloqueio (2019) e Travessia Brasil – Haiti (2019).

A partir dessas ficções menos pretensiosas e desses documentários que buscam interpretar os diversos problemas brasileiros, é possível ao espectador ir aos poucos tecendo seu próprio entendimento sobre o país e, a partir dele, estabelecer prioridades para reflexão e ação possíveis. Sem catarse, sem alívio.

E é dentro desse quadro repleto de indagações do audiovisual brasileiro atual que coloco igualmente o trabalho de vários artistas que, vindos das artes visuais ou de outros segmentos, encontram naquilo que se convencionou chamar de “videoarte” um espaço proteico para a discussão sobre o país e seus habitantes.

Seria difícil enumerar todos aqui, mas os vídeos de Rosangela Rennó, Chico Zelesnikar, Rafael Cordeiro, Dias & Riedweg, Lais Myrrha, Dora Longo Bahia e outros, trazem diversos e impensados fios para que o espectador teça sua própria ideia de país e da realidade contemporânea.

Assistir a Bacurau, inclusive, me fez relembrar a potência presente na mostra ocorrida no início do ano aqui em São Paulo, no Sesc 24 de maio, À Nordeste. Frente ao maniqueísmo incontornável de Bacurau, como não rever a importância dos vídeos de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, e aquele de Jonathas DE Andrade? É claro que tais artistas já haviam demonstrado a importância de seus trabalhos antes daquela mostra, mas entrar em contato com seus novos trabalhos naquele contexto e poder cotejá-los com a força dos vídeos de Cristiano Lenhardt e Ton Bezerra (entre outros), reafirma a sensação de que é no que se chama de “videoarte” o lugar onde reside parte do que de mais potente se produz em termos de arte no Brasil hoje (aliás, a produção de Guerreiro do Divino Amor está aí para provar esta tese).

Ao invés de Bacurau, obra fechada, tendo a preferir esses petardos soltos em direção à nossa consciência.

***

Fico pensando que daqui a um tempo Bacurau e todo o seu proselitismo terminarão no mesmo lugar onde estão ou estarão os outros trabalhos citados: em sites e/ou plataformas de streaming. Tal localização levanta pelo menos uma questão sobre o devir do cinemão, do cinema (ficcional ou documental) e da “videoarte”: nesse arquivo imenso, creio que todos eles reassumirão a condição de mercadorias, só que agora à disposição do consumidor planetário, capaz de acessá-los de onde estiver, nesse grande supermercado que parece sempre ter sido a internet, e não mais nas salas de cinema ou nos espaços imantados das galerias e dos museus.

Muitos já falaram que, com esses novos dispositivos, tudo vai mudar ou já está mudando. Aquilo que um dia chamamos de cinema, vídeo etc. já não é o que foi ontem e será muito diferente do que é hoje.  Nesta nova situação caberá aos espectadores em potencial entenderem que alguns desses produtos, apesar de estarem ali à disposição para seu entretenimento, podem ser mais do que isso, podem ser também instrumentos para sua sensibilização e/ou engajamento; outros, pelo contrário, destituídos de seu elã inicial, irão para o beleléu. O que ocorrerá com Bacurau?

ARTE!Brasileiros e Itaú Cultural realizam seminário sobre gestão cultural

Participantes do seminário. FOTO: Divulgação

Organizado pela ARTE!Brasileiros e pelo Itaú Cultural, o seminário “Gestão Cultural: Desafios Contemporâneos” acontecerá na próxima segunda-feira, dia 21, das 18h30 às 21h no Itaú Cultural, em São Paulo. Com a presença de gestores, especialistas e artistas, o evento será dividido em duas mesas e pretende lançar luz sobre temas essenciais nos tempos atuais (clique aqui para se inscrever gratuitamente).

A gestão cultural é hoje objeto de importantes cursos de especialização nas principais universidades nacionais e tem resultado em pesquisas, artigos e livros no Brasil e no mundo. Questões acadêmicas, jurídicas, econômicas e políticas são discutidas em um contexto de aceleração das mudanças socioculturais, onde questões migratórias, de gênero, discriminação racial, entre outras, aparecem dia a dia na pauta dos equipamentos culturais. Estas e outras questões têm apresentado verdadeiros desafios para aqueles que estão no comando de instituições públicas e privadas.

Na primeira mesa, Eduardo Saron, dirigente do Itaú Cultural, Fabio Szwarcwald, diretor-presidente do EAV Parque Lage, e Jochen Volz, diretor geral da Pinacoteca, falam sobre suas atuações nas instituições que comandam e sobre os desafios e possibilidades que enxergam no contexto atual. Na segunda mesa, os artistas Gabriela Noujaim e Jonathas de Andrade e as pesquisadores especialistas em gestão cultural Ana Carla Fonseca e Kátia Araújo de Marco Scorzelli falam sobre suas experiências pessoais e sobre temas como financiamentos públicos e privados, formas alternativas de sobrevivência e soluções criativas, entre outros.

Veja abaixo os currículos resumidos de cada um dos participantes:

Eduardo Saron é dirigente do Itaú Cultural há 17 anos. Conselheiro da Fundação Bienal de São Paulo, Conselheiro do Museu de Arte de São Paulo (Masp),  Instituto CPFL, SP Companhia de Dança, do Conselho Nacional de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, Tv Cultura e do Museu Judaico de SP. Diretor do MAM (Museu de Arte Moderna desde Maio de 2019) e Presidente do Conselho de Cultura do Estado de SP (Governo de SP- Abril de 2019).

Fabio Szwarcwald é Diretor-Presidente do EAV Parque Lage, economista e colecionador de arte. Faz parte do conselho do New Museum, de Nova York, da Residência Artística Capacete e do conselho de aquisição de acervo do Museu de Arte Moderna (MAM), ambos do Rio de Janeiro. Formado pela UERJ, Szwarcwald tem MBA em gestão empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, MBA em finanças pelo IBMEC e estudou negociação no programa para executivos Wharton, da Universidade da Pensilvânia. Como executivo, trabalhou na Trader Renda Fixa, foi gerente comercial e superintendente do Banco Votorantim, foi vice-presidente do Private Banking do Credit Suisse Hedging Griffo. Foi ainda vice-presidente da Associação de Amigos da Escola de Artes Visuais (AMEAV) por cinco anos, e foi vice-presidente do conselho da organização social OCA Lage, que administrou a EAV e a Casa Brasil-França de 2014 a 2016.

Jochen Volz é Diretor Geral da Pinacoteca de São Paulo. Foi curador do Pavilhão do Brasil na 53ª Biennale di Venezia em 2017 e curador da 32a Bienal de São Paulo em 2016. Foi Diretor de Programação da Serpentine Galleries em Londres (2012 a 2015), Diretor Artístico do Instituto Inhotim, Minas Gerais (2005 a 2012) e curador do Portikus, em Frankfurt, Alemanha (2001 a 2004). Foi co-curador da mostra internacional da 53ª Bienal de Veneza (2009) e da 1ª Aichi Triennial, em Nagoya, Japão (2010) e curador convidado da 27a Bienal de São Paulo (2006), entre outras colaborações em exposições em escala internacional. Possui mestrado em história de arte, comunicação e pedagogia pela Humboldt Universidade de Berlin (1998). Vive em São Paulo.

Kátia Araújo de Marco Scorzelli é doutoranda em Museologia pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia, Mestre em Ciência da Arte e graduada em Ciências Sociais, ambas pela Universidade Federal Fluminense. Foi Subsecretária de Cultura de Niterói, além de professora do Departamento de Artes da Universidade Federal Fluminense. Fundou e preside a Associação Brasileira de Gestão Cultural – ABGC e é coordenadora acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais e Sociais – PECS, da Universidade Candido Mendes, onde também co-coordena os MBAs em Gestão Cultural, em Produção Cultural e Entretenimento e em Gestão em Museus. É gestora do projeto Dialogue Café Rio, ONU/ UNAOC/UCAM e também é Diretora do Museu Antonio Parreiras SMU/SECEC/RJ.

Gabriela Noujaim é artista e se insere em uma tradição de exploração dos limites e possibilidade da gravura, com nomes como Fayga Ostrower, Anna Letycia, Anna Maria Maiolino, Anna Bella Geiger e Leya Mira Brander, para citar algumas. Formada em Gravura pela Escola de Belas Artes da UFRJ em 2007, a artista vem estruturando sua poética a partir do interesse pela imagem técnica construída a partir de vídeos, fotografias e, mais inicialmente, a gravura, e pela ideia de fixar uma imagem no tempo.

Ana Carla Fonseca é administradora Pública (FGV) e economista, Mestre cum laude em Administração, Doutora em Urbanismo (USP – primeira tese brasileira em cidades criativas. É diretora da Garimpo de Soluções, consultora e conferencista em 5 línguas, 207 cidades e 32 países. Assina diversos livros pioneiros, em economia da cultura, cidades criativas, cultura e transformação urbana, tendo sido agraciada com o Prêmio Jabuti em Economia e finalista em Urbanismo. Presença constante na imprensa, foi coordenadora técnica do projeto Território Criativo DF e de vários ciclos de mapeamento de singularidades criativas pelo Brasil. É assessora para a ONU e o BID em economia criativa e cidades, conselheira da Página 22, da Virada Sustentável e da premiação mundial Wellbeing Cities Award. Venceu o Prêmio Claudia, em Negócios e foi apontada pelo El País como uma das oito personalidades brasileiras que impressionam o mundo.

Jonathas de Andrade é artista, trabalha com instalações, vídeos, ações e fotopesquisas. Graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco em 2007, participou da 7ª Bienal do Mercosul (2009) e da 32ª Bienal de São Paulo, entre outras. Participou de residências na Jordânia, na Holanda e na Inglaterra e realizou exposições individuais no Itaú Cultural, na Galeria Vermelho, no New Museum, no Contemporary Art Museum St. Louis, no Museum of Contemporary Art Chicago, no MASP e na Fundação Joaquim Nabuco, entre outros.

Patricia Rousseaux, educadora, fundadora e diretora editorial da ARTE!Brasileiros apresentará e mediará as mesas.

OLHÃO, um espaço experimental na Barra Funda, em São Paulo

O espaço OLHÃO é um local diferente dentro do cenário artístico paulistano. Localizado na Barra Funda em uma antiga casa portuguesa, agora transformada em exemplar modernista, reúne um grupo de artistas em torno da mostra Bifê. O título bem-humorado é para os curadores um “estrangeirismo”, nem português, nem francês. Movida pelo humor, crítica e leveza formal sem excesso de obras, a exposição tem a curadoria de Leandro Muniz e Cléo Döbberthin, proprietária do imóvel. O espaço é um território experimental com galeria, residência de artistas, local de convívio e estudos. Cléo já havia feito no ano passado a mostra Unidos da Barra Funda, no prédio sem reforma.

A escolha dos integrantes de Bifê, segundo Muniz, se deu em torno de artistas que eles mantinham contato e seguiam o trabalho. “CTambém convidamos autores cujas obras gerassem relações com outros campos: construção, mobiliário, pesquisa, prática de ateliê e recursos análogos.” As obras ocupam, além do espaço expositivo, jardim, cozinha, banheiro e laje, com objetos, esculturas, pinturas, performance. instalações e obra sonora. Bifê é um evento experimental com nomes atuantes no mercado e outros nem tão conhecidos. A coletiva conversa com o espaço e é impossível negar a influência da arquitetura sobre as obras.

A mostra se estende até dia 12/10 com visitas agendadas.


Exposição Bifê
Espaço OLHÃO: Rua Barra Funda, 288.
Visita por agendamento: olhabarrafunda@gmail.com

CCSP se firma como espaço de liberdade e resistência, diz Erika Palomino

A diretora do CCSP, Erika Palomino. Foto: Divulgação

Espaço de acolhimento, convivência e respeito entre os diferentes; palco para as manifestações artísticas e culturais mais inovadoras, disruptivas, ousadas e multidisciplinares; lugar democrático, protegido de censuras, com protagonismo cada vez maior das minorias em sua programação; no contexto político atual, lugar de resistência. Este é o Centro Cultural São Paulo desejado pela jornalista Erika Palomino, diretora do espaço desde fevereiro deste ano.

Convidada para assumir o cargo por Alê Youssef, secretário de Cultura da Prefeitura de Bruno Covas (PSDB), a jornalista tem colocado em prática seu projeto ao lado dos cerca de 200 funcionários do espaço. Os dados mostram, em 2019, um aumento de cerca de 30% no público atendido pelo CCSP em relação ao mesmo período de 2018, o que parece sinalizar que as diretrizes estão sendo bem recebidas. “De qualquer modo, nós estamos mais preocupados em apresentar uma programação de qualidade, moderna e inovadora, do que em aumentar ainda mais o público”, afirma ela.

Sabendo que sua permanência no cargo está ligada à uma gestão municipal específica – que pode ou não ser renovada nas eleições de 2020 –, Palomino diz ter pressa em realizar o máximo de projetos possível, além de promover iniciativas de impacto duradouro como o aumento dos acervos (de livros ou obras de arte), a consolidação do trabalho das novas curadorias (Moda, Performance e a “reativada” Dança), a manutenção dos editais e até mesmo a reforma dos banheiros.

“Nossos focos desde o início foram a produção e difusão de conhecimento crítico. Então o que a gente queria era ter mais artistas negros e negras, pessoas trans, valorizar a diversidade e representatividade, ter mais mulheres na equipe e nos palcos”, diz ela. “Temas que em outros lugares poderiam ser polêmicos, para nós não são, fazem parte do nosso dia a dia”, completa, ressaltando que o CCSP vai receber neste mês de outubro o espetáculo da companhia A Motosserra Perfumada que foi censurado pela FUNARTE.

Projetado por Eurico Prado Lopes Luiz Telles nos anos 1970 e inaugurado em 1982, o CCSP segue renovando seu público e atraindo grande quantidade de jovens e adolescentes. O espaço abriga, até dezembro, a 12a edição da Bienal de Arquitetura e prepara uma programação multidisciplinar intensa para o próximo ano, quando recebe uma das exposições da 34a Bienal de São Paulo. Através de sua associação de amigos (AACCSP), pretende ainda captar recursos com as leis de incentivo para ampliar suas atividades.

Leia a seguir a íntegra da entrevista com Palomino, realizada em sua sala no Centro Cultural São Paulo:

ARTE!Brasileiros – Você completa agora oito meses à frente do CCSP. Queria começar perguntando como você avalia este período de trabalho.
Erika Palomino – Esses meses passaram muito rápido, porque as coisas aqui acontecem com muita intensidade. São milhões de desafios, alguns que eu esperava, outros não. São duzentos funcionários, 46.500 metros quadrados… Então, mesmo que eu já conhecesse o CCSP, entrar aqui como diretora e ter a dimensão da complexidade e do tamanho da operação foi, sem dúvida, um tanto intimidante. Mas eu tinha desde o início o apoio do secretário de Cultura (Alê Youssef) e o suporte da Secretaria, no sentido de que eu teria todas as ferramentas, informações e equipes me apoiando, até porque eu não tinha uma experiência prévia em administração pública. E em relação a implementar um projeto curatorial e resgatar a vocação do CCSP de ser um espaço relevante para as manifestações artísticas e culturais mais inovadoras, disruptivas e ousadas – que é o nosso projeto –, isso eu tinha certeza que seria capaz de fazer. Sobretudo no tocante à diversidade, representatividade, que são temas que ao longo da minha trajetória de 30 anos como jornalista se mantiveram presentes. Então me foi dada autonomia para compor um corpo curatorial que pudesse refletir, em várias áreas artísticas, tudo que está acontecendo no mundo, no Brasil, em São Paulo… Esse acolhimento foi essencial para que eu pudesse implementar um novo projeto para o CCSP.

Espaço interno do CCSP. Foto: Sossô Parma

Houve muitas mudanças na equipe?
Não, o mínimo possível. Eu trouxe três novas curadorias: de Moda, com a Karlla Girotto, de Performance, com o Mauricio Ianês, e retomamos a curadoria de Dança, com a Sônia Sobral. Estas se somaram às curadorias já existentes de Música, Cinema, Teatro, Teatro Infanto-juvenil, Literatura, Artes Visuais – agora com o Hélio Menezes ao lado da Adelaide Pontes –, Bibliotecas e Ação Cultural. E o Jurandy Valença entrou como diretor adjunto, porque eu não gosto de fazer as coisas sozinha, acho que essa troca é fundamental. Por fim, eu trouxe também o Rodolfo Beltrão para a supervisão de Curadorias.

Em texto publicado na Folha de S.Paulo em junho deste ano você afirmou que o CCSP vivia, até recentemente, uma certa letargia, uma crise de identidade. Queria que você explicasse um pouco o que quis dizer com isso e quais as diretrizes adotadas para combater esse quadro.
Eu sentia que faltava uma certa atenção com o CCSP, que é um equipamento extraordinário, muito potente. E eu senti, quando entrei, que as coisas andavam um pouco no automático, com as curadorias dialogando pouco entre elas, com os programadores não sabendo exatamente o quanto podiam gastar. A gente instalou, por exemplo, a ideia de ter as curadorias atuando de forma complementar e transversal, o que seria natural até pela vocação multidisciplinar do CCSP, mas nem sempre acontecia. E agora estamos criando esse ambiente colaborativo, com os curadores conversando entre si, trocando ideias e às vezes juntando orçamentos para viabilizar um ou outro projeto. E isso tudo tem a ver com as próprias diretrizes da Secretaria, já que o Alê Youssef, desde que me apontou como diretora, destacou o objetivo de resgatar essa vocação de vanguarda, inovadora e experimental do CCSP, no sentido de ser o equipamento da Secretaria que fica com essa missão de promover as linguagens mais ousadas e inesperadas, sempre com preços acessíveis ou gratuitamente.

Em relação a essa crise de identidade, muita gente criticou eu ter falado isso, como se eu estivesse falando mal dos diretores anteriores. E não era, na verdade, em relação a isso, porque cada um sabe que gestão quer fazer, que projeto quer implementar. O que eu disse foi mais no sentido de dar uma nova direção, dar um “chacoalhão” de energia que eu senti inclusive que a equipe queria. E os nossos focos desde o início foram a produção e difusão de conhecimento crítico. Então o que a gente queria era ter mais artistas negros e negras, pessoas trans, valorizar a diversidade e representatividade, ter mais mulheres no time, nos palcos… Isso foi um eixo muito claro para nós em 2019, que essas preocupações fizessem parte do dia a dia das curadorias, não só em momentos esporádicos como “o mês da mulher”, por exemplo. E isso significa uma vontade de transformar o CCSP em um lugar de acolhimento e resistência para a população e para a classe artística. Então esse é o nosso projeto, para que esse seja um lugar moderno e relevante para a cidade.

Essa questão da multidisciplinariedade, da mistura de linguagens, está muito presente atualmente no debate cultural, na prática dos artistas. E o CCSP, por ser o primeiro centro cultural multidisciplinar da cidade, é de algum modo pioneiro neste sentido. Enfim, queria que você falasse um pouco mais sobre essa ideia de trabalhar as curadorias de modo multidisciplinar, especialmente em um lugar que tem isso em seu DNA, em suas raízes.
Sim, o CCSP foi criado para ser um centro multidisciplinar, desde o início, mas agora é diferente, porque a coisa é transversal. Então essa ideia de a gente ter curadores e curadoras que se complementam e dialogam faz com que as fronteiras das programações sejam muito borradas. Então um coisa não é mais só dança, só teatro, só performance ou só literatura. A gente chacoalha essas fronteiras que dividem as áreas, incentiva que as pessoas aqui dentro se falem para criar projetos juntos. Um bom exemplo é o Terça Crespa, um projeto que é uma conjunção de literatura, teatro, dança, e que foi viabilizado unindo verbas das diferentes curadorias. E no ano que vem ele vai ser ainda mais potente, porque é um projeto extraordinário de produção de debates e conhecimento crítico em relação à produção de artistas negro e negras. Então esses projetos híbridos são extremamente ricos e interessantes, e acho que esse é o jeito contemporâneo de pensar.

A Biblioteca Sérgio Milliet, no CCSP. Foto: João Mussolin

Além da programação, dos espetáculos, existem outros trabalhos no CCSP que às vezes pouca gente conhece: editais, acervos, núcleo de memória… Como tem sido o trabalho com estes eixos?
Sim, o CCSP é muito grande, eu mesmo não sabia de várias coisas que acontecem aqui. Os acervos, por exemplo, vão ser um foco importante do nosso trabalho no ano que vem. O CCSP cuida de alguns acervos, entre eles a Coleção de Arte da Cidade, de onde vem alguns trabalhos que já estão aqui expostos como o da Leda Catunda e o da Lenora de Barros. E uma das primeiras exposições que vamos fazer no inicio do ano que vem é um recorte dessa coleção, que é da cidade, é da população. O outro acervo que é muito especial é a Discoteca Oneyda Alvarenga, que ano que vem vai fazer 85 anos e nós também vamos dar uma atenção especial. E tem as atividades que acontecem no Piso 23 de Maio, a Folhetaria, o atelier de artes gráficas, as aulas de Yoga, que acontecem no jardim. Tem um edital muito importante que é o do Programa de Exposições, que revelou um monte de artistas ao longo do tempo e que ano que vem comemora 30 anos. Então nós vamos fazer em 2020 uma mostra retrospectiva com 30 desses artistas, mostrando a importância deste edital que revelou gente como a Sandra Cinto, o Jonathas de Andrade, entre outros.

No texto na Folha você fala também sobre “tingir a programação do CCSP com as questões mais urgentes da agenda do país”. Que tipos de questões são essas? E como está sendo o trabalho em um momento político tão conturbado do país?
Para mim, o convite de estar aqui reflete muito a possibilidade de efetivamente fazer alguma coisa pela arte e pela cultura neste momento em que estamos vivendo. Essa possibilidade de estar no CCSP, sobretudo com essa orientação recebida do secretário de valorizar o artista, a produção artística, a liberdade de expressão, a liberdade de ser, isso é muito importante para mim e me fez mudar muito da minha vida para estar aqui. Agora, o próprio edifício que estamos é muito político e foi pensado arquitetonicamente, no período da ditadura, com essa vocação de garantir que aqui fosse um espaço de acolhimento e resistência. Hoje, tenho visto também a nossa capacidade de reagir rapidamente às coisas que acontecem. Então, por exemplo, a gente vai receber agora o espetáculo da companhia A Motosserra Perfumada, que foi censurado. E era um texto da companhia que já era suplente do nosso Edital de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos. Então poder receber esse espetáculo para nós é muito importante, assim como outros com temas que em outros lugares poderiam ser polêmicos, mas para nós não são, fazem parte do nosso dia a dia.

Pensando neste ambiente de ameaças à arte e à cultura, capitaneadas principalmente pelo governo federal, que tem criado não só empecilhos financeiros, mas também esses casos de perseguição e censura, a ideia é que o CCSP se firme como uma espécie de espaço de resistência?
Eu acho que, sim, tanto o público quanto a classe artística perceberam que nós estamos aqui, e que aqui existe esta proteção, esta liberdade, este acolhimento e essa resistência. E eu sinto que o espaço está vibrando, que há uma energia. Por exemplo, nós recebemos este ano o Festival Latinidades, que tinha ficado sem lugar para ser realizado, e foi lindo. O Festival Agora é que São Elas também aconteceu aqui, a Terça Crespa, a Virada da Cena Trans, entre outros.

Aula aberta de Yoga na cobertura do CCSP. Foto: Divulgação

Voltando a essa questão do edifício, a 12a Bienal de Arquitetura de São Paulo, que está exposta em parte aqui no CCSP, é intitulada “Todo Dia” e discute a ideia de cotidiano na arquitetura contemporânea. Parece muito coerente falar sobre o cotidiano justamente neste espaço, que é voltado não só para a realização pontual de grandes espetáculos e eventos, mas para as práticas do dia a dia das pessoas. Faz sentido pensar assim? Como você vê essa ideia de “cotidiano” no seu trabalho no CCSP?
As pessoas se sentem realmente livres aqui. Tem gente que brinca que o CCSP é o maior espaço de coworking do Brasil, porque tem um wi-fi ótimo, as pessoas vêm trabalhar e estudar. E aqui é um lugar incrível para você abrir o seu computador, carregar seu celular, caminhar, beijar, ler, ficar à toa, trazer seu equipamento de som, dançar. Porque as pessoas se sentem seguras, em todos os sentidos. E para nós, da equipe, trabalhar neste lugar é uma experiência única, porque dentro deste espaço arquitetônico você sente essa liberdade, sente essa proteção. A arquitetura é definidora do espírito de tudo que acontece aqui, desde a programação até como as pessoas se comportam aqui. As diferentes tribos que aqui habitam, os gêneros, os corpos que dançam, eles criaram suas próprias geografias no espaço, o que é um grande exercício de convivência e mostra que é possível as pessoas se entenderem, se respeitarem. E trabalhar aqui e poder ver as pessoas vivendo suas vidas, fazendo o que elas querem fazer, isso é muito lindo, inspirador.

Por fim, pensando no planejamento do trabalho, sua gestão no CCSP está vinculado a gestão de uma Prefeitura que pode ou não permanecer, dependendo do resultado das eleições de 2020. Como fica o planejamento do trabalho neste sentido, sabendo que pode ser interrompido daqui pouco mais de um ano?
Nós temos muita pressa para realizar as coisas, porque a gente lida com essa temporalidade de um modo muito concreto. Então queremos tentar realizar tudo o que a gente pode fazer de melhor neste período. E a gente toma muito cuidado para proteger coisas que consideramos importantes, como os editais, e projetos que trouxemos de volta, como o Peripatumen, que é um projeto de Filosofia para crianças. E as próprias curadorias de Moda e Dança, queremos que elas estejam tão consolidadas e absorvidas pela população que possam permanecer independentemente de quem esteja aqui dirigindo. E também queremos aproveitar a oportunidade de que estamos aqui para realizar coisas que fiquem, como a melhoria da Biblioteca, a reforma dos banheiros, a discussão sobre os acervos. Se não vamos poder realizar tudo até o fim do ano que vem, queremos poder levantar discussões que permaneçam depois.