Desde a nossa entrada no século XXI acompanhamos os passos rápidos da tecnologia que domina nosso cotidiano. Entre os que só veem pontos negativos e outros que a aplaudem efusivamente existe um oceano para ser discutido. É fato que as imagens, em toda sua amplitude, se tornaram a linguagem mais eficiente. Entra em cena agora, como protagonista a IA (Inteligência Artificial), tão vista nos cinema, nos desenhos animados e na literatura de ficção. Hoje se torna realidade.

Processos de produção da imagem que até agora eram demorados se tornam processos imediatos.

Na última semana, uma imagem viralizou na Internet: a do fotógrafo alemão Boris Eldagsen, que, ao ganhar o prêmio Sony World Photography, recusou a honraria afirmando que aquela imagem havia sido produzida por IA e que – portanto – para ele não era fotografia. Criou ainda a polêmica afirmando que enviou de propósito a imagem para o concurso para “testar” os jurados: “Eu competi para provocar, para saber se as competições estão prontas para a chegada da IA. Não estão”, afirmou.

Muita água ainda há de rolar. Mas foi só esta celeuma aparecer para que as redes fossem invadidas de opiniões e certezas em relação à tecnologia. Apocalípticos e Integrados – parafraseando aqui o conhecido livro de Umberto Eco, têm gastado palavras para discorrer sobre os efeitos da IA na nossa vida. Aliás, no citado livro, publicado na década de 1960, o semiólogo italiano nos convidava a pensar sobre os efeitos da tecnologia na chamada – e já superada – cultura das massas. O cinema, a literatura e até os desenhos animados do século XX já anunciavam a vida e a influência deste sistema computacional que tenta imitar o poder de aprendizagem do ser humano e até de tomar decisões. Até aqui, nada de novo!

As imagens, por serem a linguagem da eficiência da contemporaneidade, tornam-se o foco destas discussões. Já vimos o Trump correndo pelas ruas perseguido pela polícia, o Papa Francisco estiloso num casaco de inverno e até o artista Jyo John Mulloor, que, de forma divertida, criou selfies inventados e “realizados” por pessoas históricas.

Estes debates, necessários e preciosos, levam-nos a voltar no tempo. Quando a fotografia foi anunciada em 1839, um pintor, Paul Delaroche, segundo a lenda saiu gritando: “A partir de hoje a pintura está morta””. A história mostrou que não foi bem assim. Os mesmos debates foram levantados quando surgiu a fotografia digital. Muitos fotógrafos se declararam absolutamente contra, anunciando que jamais deixariam o analógico. Mais uma vez, o tempo mostrou o contrário.

A questão a ser pensada é que quando a fotografia surgiu, como a linguagem da modernidade, ela foi vista e percebida como uma máquina de criar certezas. E esta crença continuou por muito tempo. A fotografia como prova, como espelho do real, como uma janela para o mundo e não como resultado de um pensar criativo do indivíduo.

É desta forma que a IA está se apresentando quando falamos de fotografia, como um sistema capaz de criar imagens sem a interferência humana. O neurocientista argentino Facundo Manes lembra, porém, que a IA “não é capaz de criar, não tem empatia, criatividade e nem emoções”. Pelo menos por enquanto, ela só reproduz aquilo para o que foi programada.

Em 2017, o pesquisador catalão Joan Fontcuberta, em seu livro La Furia de las Imágenes (ainda sem tradução para o português), afirmava: “As imagens mudaram. Não funcionam mais como estávamos habituados e se entranham em todos os domínios do social e do privado como nunca antes na história”. Ou seja, elas continuam impactando nosso cotidiano, mas se tornaram muitas, vestígios de presenças, difíceis de apreender.

Neste momento de espanto com as novas possibilidades e com o abalar das nossas certezas, talvez o mais importante seja repensar o papel da imagem dentro de um contexto sócio-histórico. Como ela impacta nossa vida tanto do ponto de vista ético como estético. Refletimos por meio das imagens, agimos por meio das imagens, elas nos ajudam a pensar. Se no final da década de 1970 e início de 1980, os filósofos tiraram a fotografia da sua aplicabilidade para inseri-la na área da cultura, agora devemos percebê-la de maneira mais contundente como um fenômeno comunicacional.

Antes de abraçar com simpatia a IA ou refutá-la com medo, talvez tenhamos que investir na educação visual. Cada vez mais se faz necessário aprender a decodificar imagens, interpretar seu simbolismo. O mais urgente agora é nos apropriarmos do sentido da produção de uma imagem. Sair da alienação imagética para entender que, como linguagem, ela necessita ser estudada e compreendida.

Afinal, com este oceano de imagens produzidas diariamente, parafraseando Fontcuberta, vivemos a era do Homo Photographicus.

 

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