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Cena de "O Peixe", 2016, de Jonathas de Andrade, artista escolhido para representar o Brasil na Bienal de Veneza. Foto: Divulgação

Mais uma vez a indicação do representante brasileiro na Bienal de Veneza é fruto de uma escolha antidemocrática, como tem se caracterizado desde que Edemar Cid Ferreira, em sua saga personalista, convenceu o Ministério das Relações Exteriores a repassar essa tarefa à Fundação Bienal, nos anos 1990.

Na maioria dos países com representação em Veneza, ou ao menos naqueles com tradição democrática, como Estados Unidos, França e Alemanha, a escolha se dá por processos públicos, que envolvem editais abertos, gerando muitas vezes polêmicas sobre as escolhas – como a recente decisão de Portugal, que preteriu Grada Kilomba no concurso por manobras consideradas racistas na seleção (ver artigo de Ana Teixeira Pinto).

No Brasil, a Fundação Bienal segue usando a representação de Veneza como prêmio para o bom comportamento de um curador durante a Bienal de São Paulo. Se a presidência não gosta das propostas curatoriais, como ocorreu com Manoel Pires da Costa, que se desentendeu com Lisette Lagnado em 2007, Veneza vai para alguém com mais pinta de dócil e comportado, prêmio que naquele foi dado a Jacopo Crivelli Visconti, o mesmo que agora foi responsável pela bienal Faz escuro mas eu canto. Aliás, não deixa de ser estranho que Paulo Miyada, que dividiu a curadoria dessa edição, tenha sido alijado do processo. Em 2011, Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, que compartilharam a curadoria da 29ª Bienal, também dividiram a indicação de Artur Barrio para Veneza.

Contudo, tendo em vista que a decisão monocrática veio de José Olympio Pereira, presidente reeleito da diretoria da Fundação Bienal e que apoiou a eleição de Bolsonaro em 2018 – e agora tem sido visto com o juiz suspeito Sergio Moro -, não há o que se estranhar. Essa abismal discrepância entre os gestores das instituições culturais e a maioria dos artistas é um tanto incompreensível, mas é histórica: Ciccillo Matarazzo defendia a ditadura militar quando era o presidente da Bienal, que naquela época ao menos sofria boicote de artistas. Hoje, todo mundo fica mudo.

A escolha de Jonathas de Andrade para a Bienal de Veneza de 2022, no entanto, revela como a 34ª Bienal de São Paulo foi hipócrita ao assumir a alcunha de “Bienal dos índios”. Em Veneza, afinal, seria o momento de se consolidar essa aposta, que na verdade não foi bem uma aposta – como Jaider Esbell revelou em uma longa entrevista à revista digital Elástica, manifestando sua contrariedade: “Não estamos satisfeitos. Porque primeiro a Bienal disse que não queria índio nenhum.”

Jonathas é um artista de obras reconhecidas internacionalmente e seu trabalho “O Peixe” foi sensação na 32ª Bienal de São Paulo, em 2016, que teve à frente Jochen Volz. Mas depois de dois anos pandêmicos, quando movimentos como #meetoo e #blacklivesmatter ganharam poder e ressonância, a partir das conquistas de negros e mulheres, a escolha de Visconti apenas reforça o quanto a Fundação Bienal está distante do contexto social e sem sintonia com o tempo atual.

Enquanto isso, Maria Eichhorn, com sua obra crítica das estruturas econômicas, vai representar a Alemanha em Veneza, a afro-americana Simone Leigh os Estados Unidos, e a francesa descendente de argelinos Zineb Sedira a França. Viva a democracia!


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