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EXPOSIÇÕES HISTÓRIAS INDÍGENAS


















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                                                                                            Tromholt, Elen
                                                                                            Clemetsdatter
                                                                                            com as filhas,
                                                                                            Kautokeino, 1882-83




            uma pintura com papel e guache, na qual materializa   minimizar o regime disciplinar que apaga o indivíduo. A
            visões transcendentais que problematizam o conceito  Austrália, que tem protagonizado movimentos ativistas
            de identidade. A produção resultante das etnias dos   em defesa dos aborígenes, convidou o curador Bruce

            sete países atesta que todos conseguiram salvar suas  Johnson-Mlean para dar caráter ao conjunto. Ele discorre
            culturas como comprovam os textos dos curadores   sobre a região do Deserto Ocidental, a última das fron-
            convidados. O segmento brasileiro coube a Edson   teiras da Austrália colonial. Em alguns territórios dessa
            Kayapó, Kássia Borges Karajá e Renata Tupinambá.   região, pelo fato das terras ancestrais estarem localizadas
               Como ocorre com várias pessoas, antes de visitar  nas áreas mais remotas e inóspitas, a colonização euro-
            a exposição eu não conhecia nada sobre o território   peia não chegou lá proporcionando uma vida em estilo
            Sápmi, no norte da Europa, onde vive o povo Sami, em   tradicional até 1984, como comenta Johnson-Mlean. As
            grandes territórios da Noruega, Suécia, Finlândia e,  reivindicações que envolvem o problema da água nesse
            Península Kola, no noroeste da Rússia. Durante sécu- território desértico têm décadas, e já geraram violências
            los o sol é adorado nesse povo como o mais forte dos   culminando no Massacre de Coniston (1928), quando
            poderes da natureza, como explica a curadora Irene   dezenas de indígenas morreram. O artista australiano
            Snarby Sápmi no catálogo da mostra. Um dos artistas   escolhido é Shorty Jangala Robertson que trabalha
            escolhidos, Alf Salo (1959-2013) é um pintor consagrado   uma pintura pontilhada com destaque para a tela Ngapa
            com obras no acervo do Musus Riddo Duotta Museat,  Jukurrpa – Água Sonhando (2005), inspirada na falta
            na Noruega. Sua pintura é sensorial e experimental,  nesse elemento fundamental para a vida.
            uma delas registra o momento ápice da capacidade do   A ancestralidade do Peru é uma das mais reverencia-
            olho humano permanecer olhando diretamente para   das no mundo, Machu Pichu anualmente atrai milhões
            o sol. O resultado traz alguns traços do psicodelismo.  de visitantes de todo o planeta. Em contraste com essa
               De forte influência política e de participação ativa,  riqueza étnica, as comunidades peruanas contempo-
            os indígenas do México têm como curador Abraham   râneas sofrem um racismo estrutural. Assistimos a
            Cruzvillegas que propõe trabalhos pontuais, de vários   uma violência social que a curadora Sandra Gamarra
            momentos da luta daquele país. O estudioso ressalta a   comenta em seu texto curatorial. “O lugar que o sistema
            identidade como conceito plural instável e contraditório   reserva para o índio peruano na sociedade é um local
            do “eu”, porque, como explica a linguista mixe, Yásnaya   de subalternidade, selvageria e inconsciência de seu
            Aguiar Gil, a palavra “eu” não existe em nenhuma língua   próprio subdesenvolvimento. Esse é o lugar ocupado   FOTO: SOPHUS TROMHOLT AND UNIVERSITY OF BERGEN LIBRARY
            nativa. Em toda a exposição descobrem-se inserções   pelo chamado ‘índio’, irônica e humoristicamente”. Entre
            de técnicas singulares, como a serigrafia realizada com   os trabalhos escolhidos por ela, vale ressaltar a obra de
            chocolate feita por Minerva Cuevas, uma espécie de   Carlos Dominguez Hernández, que retrata uma família
            cartaz com um texto provocador “Canibal es el índio,  com as fotos do pai e de um filho desaparecidos. A luta
            el esclavo, el proletário, el revolucionário”.  dos povos originários peruanos, assim como a dos
               Uma nova ordem se espalha pelo mundo e tenta   demais do planeta  arrasta-se até hoje.

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