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saques ou negociações, e sua tecnologia construtiva Então, é importante é fundamental essa presença do
perdeu-se no tempo. Ela reaprendeu a confeccionar o manto faz as pessoas pensarem, reelaborarem outras
manto, tornando-se a primeira mulher a construir tal concepções. Estar com os parentes, por conta dos
artefato em mais de 400 anos. possíveis diálogos, é importante, como é importante
Nos dias 25 e 26 de novembro, o Festival zum, orga- que o manto esteja em movimento para que as pessoas
nizado pela revista de fotografia do Instituto Moreira possam entender uma outra lógica. O Manto é um
Salles, reuniu artistas, fotógrafos e pesquisadores corpo provocante.
para conversas, oficinas, exposições, feiras e outras
atividades gratuitas. O evento, que chegu a sua 8ª edi- – Você fez o primeiro Manto Tupinambá
ção, aconteceu na sede do ims de São Paulo (Av. Pau- em 2006. Isso já tem 17 anos. Quantos mais você
lista, 2424), e teve como destaque uma ação de Célia fez depois daquele primeiro?
Tupinambá. Glicéria Tupinambá concedeu a seguinte Fiz mais dois. Esse que vou apresentar agora é o
entrevista à arte!brasileiros: manto feminino, tem uma diferença. O primeiro eu
fiz a partir de uma imagem, uma imagem que eu vi
– O Censo do ibge, divulgado recentemente, do manto que está na Dinamarca. Então ele é uma
informou que a população indígena hoje no Brasil aproximação, não dava para ver a trama, era muito
representa 0,83% do total de brasileiros, cerca de cheio de penas. Em 2018, quando eu vi na França um
1,7 milhão de pessoas. E é uma representação muito manto, e logo depois, outro manto na Suíça, em Basel,
diversa, há grupos com 12 indivíduos e outros com eu passei a tentar entender a malha. Tem um manto
20, 30 mil pessoas. É muito complicado ir a Veneza lá em Basel que é mais desgastado, dele dá para ver
representando toda essa diversidade? a malha perfeitamente. A minha ideia era entender
Depende de que ponto de vista você tá falando. o cerne o osso do manto. Eu tentei, anteriormente,
Porque, se você pensar que o Brasil é território indí- que as minhas tias-avós me ensinassem o seu jeito
gena, e se você pensar que esse percentual que o de fazer o manto. Mas elas me disseram que, como
ibge levantou, tentando demarcar essa presença, eu já tinha sonhado o manto, eu já sabia como fazer,
essas populações tentando resistir, tentando não não havia o que ensinar. Então eu aceitei o conselho
ser engolidas… Bom, eu estou indo representando delas e fiz o primeiro manto, que hoje está no Museu
o povo indígena. Mas tem uma parceria imensa Nacional do Rio de Janeiro. Ele foi incorporado a
com outras Nações Indígenas, como por exemplo partir da itinerância da exposição Os Primeiros Bra-
Denilson Baniwa, que é do Amazonas; Arissana sileiros, com curadoria de João Pacheco de Oliveira,
Pataxó, que é da Bahia, Gustavo Caboco, que é em 2021. Em 2020, eu fiz o segundo manto, que foi
Wapixana, de Roraima. É uma geografia bastante para o meu irmão, que é o cacique Babau do povo
intensa, territorialmente. Ocupar esses espaços Tupinambá. Foi então que o manto falou para mim que
coloca a população indígena em evidência, faz com ele era feito por mulheres. Quando isso aconteceu,
que se compreendam os povos indígenas que estão eu fiquei com essa “cosmo-agonia” (risos). Eu não
sendo engolidos por uma dinâmica muito agressiva. tinha o que as pessoas chamam de “provas”, eu só
Ajuda para que vejam a presença indígena. tinha essa autorização dos Encantados. Então eu
fui atrás. Depois, a Fernanda Liberti (fotógrafa e
– Na próxima semana, você mostra o Manto artista visual) chegou lá na aldeia e me trouxe um
Tupinambá que você confeccionou no Instituto livro chamado O Rio Antes do Rio, de Rafael Freitas
Moreira Salles, na Avenida Paulista, em São Paulo. Silva (Editora Relicário, 2021). Na capa desse livro
Qual é a importância do Manto Tupinambá nessas tem uma mulher em uma ilustração, uma mulher
itinerâncias? usando o manto com uma criança nas costas. É
Para essa atividade eu estou convocando os parentes. uma xilogravura. Essa imagem, da mulher usando
Então tem Pankararu, Pankararé, Guarani, Tukano. O manto, depois eu fui ver novamente em outros três
manto traz esse espaço de diálogo e ruptura, a gente desenhos. Em outro desenho, ela usava o manto,
tende a encontrar as tensões, os desafios. E não é a saia e o maracá. Mais adiante, a (antropóloga)
somente Célia Tupinambá, é uma carga histórica, e Daniela Alarcon e eu acabamos encontrando esse
essas alianças, esse estar com os parentes (serve) material. Mas ainda era pouco vestígio. Em 2022,
para ver em que situação estão, em que lugares estão. quando estive na Dinamarca, o manto falou comigo.
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