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isso explica o que levou essas pessoas a cuidarem da autodeclaração (norma estabelecida pela Orga-
dessa coisa tão frágil durante tanto tempo; você o nização Internacional do Trabalho, assinada pelo
vê hoje, ele parece novo. Parece que foi feito ontem. Brasil em 2002), então nós tivemos que reunir todas
É muito mais do que sagrado para a gente; dizer que as provas, até os sítios arqueológicos, para poder
é sagrado reduz a potência do que ele representa. provar que nós existimos. Tivemos que buscar docu-
mentos, fotografias históricas. Então a gente voltou
– Até 2009, os Tupinambás eram considera- à cena, voltou a coexistir, e sempre num cenário de
dos extintos no Brasil. Agora, estão já repatriando conflito que não é pequeno na nossa região. O manto
sua História, seus artefatos. Tem sido uma série volta para estabelecer essa conexão. Mas ele não
intensa de acontecimentos, não? cabe dentro dos parâmetros cristãos, evangélicos.
Eu, na minha ignorância do pensamento do outro, Embora ele tenha que ser reintegrado, a sua exis-
digo que é difícil dizer o que eu tô sentindo. Tem tência deve ser restabelecida em um diálogo com
gente que olha para o manto e não vê e vê um objeto os códigos de vocês. E é um tratado de doação, não
estético, tem gente que pensa também que nós existe o conflito nesse caso. O retorno do Manto
nunca existimos. Mas nós existimos e estamos aqui. Tupinambá se dá em uma situação na qual o outro
A gente precisou se isolar para não ser totalmente entende o que é que o outro necessita. E concorda
extinto, né? Porque nós habitamos a região cacaueira, com isso, né? Eu me lembro que o embaixador da
a região dos coronéis, e vocês sabem como é isso. Dinamarca brincou comigo um dia: “E aí? o manto
Em 2000, quando a gente começou o processo de tá pronto para voltar?”. E eu disse sim, ele me disse
reconhecimento, nós precisamos reunir todas as que está pronto, e ele perguntou: “E qual vai voltar?”.
provas porque não havia ainda a Convenção 169, a Eu respondi: o principal, o que está em exposição
na Dinamarca. E ele riu, e no entanto o manto está
voltando agora, e eu gostaria de encontrá-lo de novo
para lembrar disso.
– Quantos Mantos Tupinambá existem no
mundo atualmente?
Nós temos 11 mantos Tupinambá na Europa. Estão
em Bruxelas, Basel e Copenhague. E outros três
na Itália: dois em Florença, um em Milão. Outros
na França.
– O Censo do ibge estimou em mais de 7
mil indivíduos o povo Tupinambá no Brasil. Esse
número surpreendeu você?
Olha, eu não trabalho com números, eu acho que
ainda é pouco. É preciso lembrar que a gente não
fala a linguagem do colonizador. Eu não falo por-
tuguês, eu não falo inglês, eu não falo africano. Eu
não falo tupi. A gente fala a nossa língua, a gente
conseguiu contrariar essa lógica de invisibilização.
Cada vez mais as pessoas vão criando consciência
para entender que seu lugar no território é único,
é um lugar seu, da sua existência dentro de uma
Nação. E aí elas vão elaborando a sua consciência
do mundo.
Manto tupinambá
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