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ARTISTA LIA D CASTRO





            a um conjunto de 50 que aceitaram a sua proposta. Ela   por exemplo, fotografias de que não gostassem”.
            cita, como exemplo, um menino chamado Johnny, que    A partir daí surgiram as séries apresentadas em A
            ela identificou como racista, e com quem fez leituras de   cumplicidade refletida: com os jovens brancos, Seus
            Angela Davis, nos intervalos entre o sexo, “para ele se   filhos também praticam; com os pretos, Axs nossxs
            reconhecer como branco agressor”. Como em todos    filhxs. Do projeto saiu ainda a série A travessia do Rubi-
            os programas, Lia fazia anotações, gravava e depois   cão, sobre a terapia hormonal para sua transição e de
            transcrevia algumas conversas, que depois serviram   outras mulheres transexuais, cerca de 800, a grande
            de base para palestras feitas por ela. Uma assessoria   maioria prostitutas, com quem também conversou sobre
            de prevenção e combate ao racismo e à transfobia no   aqueles temas, ao longo do mesmo período.
            mercado de trabalho, para empresas como plataformas   Com Davi, presente na série Axs nossxs filhos, Lia
            de streaming.                                      conta que falava muito sobre a ideia de construir afeto
              “Esse foi um primeiro momento do projeto, em 2017,   dentro de um espaço expositivo – a exemplo da pró-
            quando fui convidada pela Amazon, depois hbo, Ama-  pria galeria que expôs seus trabalhos. “Fomos criando
            zon, Netflix, Instituto Goethe e algumas unidades do   novas narrativas, mostrando, por exemplo, que pessoas
            Sesc, para prestar essa assessoria”, explica a artista.   negras também podem estar dentro de um museu, ou
           “Depois de dois ou três anos, eu perguntei para eles   lendo num sofá, numa sala que também tem obras de
            como gostariam de materializar aquelas discussões e   arte. De modo a gerar empatia, afinal, eles, os pretos,
            de ser retratados para o mundo, com que cores e tintas,   também vão a exposições, também leem”.
            porque sabiam que era artista plástica. Eles também   Materializadas as narrativas, as obras foram então
            tinham o direito de escolher o resultado final, eliminando,   assinadas pelos próprios rapazes, muitas vezes com seus








































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            À esq., A Travessia do Rubicão, s/d. À dir., A Travessia do Rubicão, 2023, ambas de tinta óleo, tinta acrílica, grafite sobre tela, unique, 30 x 20 cm

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