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Obra da série Axs nossxs filhxs, 2021, de Lia D Castro. Tinta óleo, tinta acrílica, grafite sobre tela, 180 x 260 cm
próprios nomes. Em algumas delas, os jovens também experimentar outro suporte: um lençol, ainda com os
selecionaram e escreveram trechos dos livros lidos nos vestígios do sexo entre os dois. Já a série O tríptico
encontros. Como Apolo, que colocou, na pintura que do autorretrato, de que poucos aceitaram participar,
o retratava, a frase “aquele que é digno de ser amado”, traz outro experimento: em uma caixa, polaroides dos
título de um livro do escritor marroquino Abdellah Taïa. rapazes – que inicialmente fotografaram o pênis, mas
Para falar da violência para o corpo que representa depois passaram a registrar um pé, o peito, uma mão –
a terapia hormonal, Lia recorreu a naturezas mortas. são ladeados pelas camisinhas usadas na relação. Nos
Pintou jarros de flores, sobre um tecido branco, com retratos, também estão os livros que os jovens haviam
um pano de fundo em preto. Nesta série, A traves- escolhido para discutir.
sia do Rubicão, Lia faz uma sequência de flores, que
desabrocham e culminam com um buquê, dispostos trajetória
numa “esquina” da galeria, “porque é nas esquinas Nascida em 1978, em Martinópolis (sp), Lia morou até
que nós, mulheres trans, falamos, coletivamente, da os 20 anos em fazendas, no interior de São Paulo e de
terapia”, diz. outros estados, porque seu pai trabalhava como agrô-
Há também autorretratos, em que Lia pinta seu órgão nomo autodidata, segundo ela. Lia trabalhava na roça,
genital ou parte de seu peito. E torsos nus, em que o ordenhava vacas, concluiu o segundo grau.
esparadrapo, material recorrente em suas criações, faz Em 2010, uma amiga a convidou para morar em
as vezes de uma camiseta, com que ela termina de se São Paulo. Estava abrindo uma loja de artesanato e
despir. A artista explica que o material simboliza “algo um ateliê, onde Lia passaria a dar aulas. À época, a
artista já usava tela e tinta a óleo. Sempre desenhou
que protege o que já foi machucado um dia, e já está
FOTOS: JOSÉ PELEGRINI passando por uma reparação”. e pintou, inspirada nas próprias atividades manuais e
artesanais de seus pais. Estimulada a prosseguir seus
Dentro da série Seus filhos também praticam, Lia traz
estudos, desta vez no ensino superior, Lia fez o curso
um trabalho que considera romântico, Resíduo da noite
de artes visuais no Centro Universitário Ítalo Brasileiro,
anterior, feito com o jovem Bruno, com quem decidiu
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