Page 53 - artebrasileiros-62
P. 53

Obra da série Axs nossxs filhxs, 2021, de Lia D Castro. Tinta óleo, tinta acrílica, grafite sobre tela, 180 x 260 cm



            próprios nomes. Em algumas delas, os jovens também   experimentar outro suporte: um lençol, ainda com os
            selecionaram e escreveram trechos dos livros lidos nos   vestígios do sexo entre os dois. Já a série O tríptico
            encontros. Como Apolo, que colocou, na pintura que   do autorretrato, de que poucos aceitaram participar,
            o retratava, a frase “aquele que é digno de ser amado”,  traz outro experimento: em uma caixa, polaroides dos
            título de um livro do escritor marroquino Abdellah Taïa.  rapazes – que inicialmente fotografaram o pênis, mas
               Para falar da violência para o corpo que representa   depois passaram a registrar um pé, o peito, uma mão –
            a terapia hormonal, Lia recorreu a naturezas mortas.  são ladeados pelas camisinhas usadas na relação. Nos
            Pintou jarros de flores, sobre um tecido branco, com   retratos, também estão os livros que os jovens haviam
            um pano de fundo em preto. Nesta série, A traves- escolhido para discutir.
            sia do Rubicão, Lia faz uma sequência de flores, que
            desabrocham e culminam com um buquê, dispostos  trajetória
            numa “esquina” da galeria, “porque é nas esquinas   Nascida em 1978, em Martinópolis (sp), Lia morou até
            que nós, mulheres trans, falamos, coletivamente, da   os 20 anos em fazendas, no interior de São Paulo e de
            terapia”, diz.                                   outros estados, porque seu pai trabalhava como agrô-
               Há também autorretratos, em que Lia pinta seu órgão   nomo autodidata, segundo ela. Lia trabalhava na roça,
            genital ou parte de seu peito. E torsos nus, em que o   ordenhava vacas, concluiu o segundo grau.
            esparadrapo, material recorrente em suas criações, faz   Em 2010, uma amiga a convidou para morar em
            as vezes de uma camiseta, com que ela termina de se   São Paulo. Estava abrindo uma loja de artesanato e
            despir. A artista explica que o material simboliza “algo   um ateliê, onde Lia passaria a dar aulas. À época, a
                                                             artista já usava tela e tinta a óleo. Sempre desenhou
            que protege o que já foi machucado um dia, e já está
 FOTOS: JOSÉ PELEGRINI   passando por uma reparação”.        e pintou, inspirada nas próprias atividades manuais e
                                                             artesanais de seus pais. Estimulada a prosseguir seus
               Dentro da série Seus filhos também praticam, Lia traz
                                                             estudos, desta vez no ensino superior, Lia fez o curso
            um trabalho que considera romântico, Resíduo da noite
                                                             de artes visuais no Centro Universitário Ítalo Brasileiro,
            anterior, feito com o jovem Bruno, com quem decidiu
                                                                                                         53
   48   49   50   51   52   53   54   55   56   57   58