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CRÍTICA HISTÓRIAS BRASILEIRAS
Esse “sistema colonial” se
reflete em mostras como Histórias
Brasileiras de uma maneira até
sutil, mas que também merece
reflexão. A obra Operação A3-1,
de Rosângela Rennó, que
participa do módulo Rebeliões
e Revoltas, cuja curadoria está
a cargo de André Mesquita e Lilia
Moritz Schwarcz, pertence ao
presidente do Masp, Heitor
Martins, e a sua mulher, Fernanda
Feitosa, como está explicitado na
legenda do trabalho. Trata-se de
uma obra da série Operação
Aranhas/Arapongas/Arapucas,
composta por mais de uma
dezena de trabalhos, em mãos
de vários outros colecionadores.
O que leva a curadoria a
escolher justamente a obra que
pertence ao presidente do museu?
Isso é um exemplo claro de conflito
de interesses, afinal, expor uma Jaider Esbell,
obra significa agregar valor a ela, A conversa das entidades
e um museu com caráter público intergalácticas para
como o Masp não poderia jamais decidir o futuro universal
exibir obras de pessoas ligadas da humanidade, 2021.
Coleção particular
a ele, pois a instituição está
simplesmente valorizando
o acervo de seu presidente. Uma
historiadora do porte de Schwarcz posições-chave do sistema ficar na superficialidade da mostra. repetições sob o mesmo tema. modalidades de bandeira são categorias, menos formais e mais
sabe que deveria evitar esse tipo de arte contemporânea é algo Observado esse pano de fundo, Por exemplo, o módulo Bandeiras apresentadas como uma fórmula ousadas. É aqui que se percebe
de prática patrimonialista, mas relativamente novo, mas não deixa o que resta de Histórias e Mapas, organizado por Lilia quase matemática para a inclusão a falta de capacidade desta gestão
que esse não é um caso isolado de ser um reflexo do sistema Brasileiras? Realizada a partir Moritz Schwarcz e Tomás Toledo, de temas politicamente corretos: em pensar fora da moldura. Tudo
nas recentes mostras do museu. colonial dessas instituições. de duas datas simbólicas, fala das representações de poder, tem bandeira lGBtQia+, bandeira no Masp sempre acaba muito
Outra obra exposta na mostra que Fora do Brasil, artistas como o centenário da Semana de Arte mas são tantas bandeiras indígena, feminista, de luta, convencional, parecido mesmo
pertence ao presidente do Masp é Nan Goldin têm liderado a crítica Moderna de 1922 e o bicentenário e mapas, que o excesso de luto etc. com uma feira de arte, mesmo
a pintura A conversa das entidades a museus que são usados por da Independência do Brasil, a acaba reduzindo todos os E cada um dos módulos segue quando se pretende rever o cânone.
intergalácticas para decidir o famílias bilionárias para limpar exposição, com cerca de 400 obras conteúdos a um mínimo comum, nesta toada um tanto fria da É nesse sentido que a inclusão,
futuro universal da humanidade, seus nomes, caso dos Sackler, e nove curadores, segue na mesma o símbolo nacional, que fica redundância, sem criar narrativas e não se pode negar que há
de Jaider Esbell (1979 – 2021), fabricante de remédios altamente linha das demais mostras da série FOTO: FILIPE BERNDT/GALERIA JAIDER ESBELL DE ARTE INDÍGENA CONTEMPORÂNEA difícil atentar às particularidades. para além do que o nome de cada muitos artistas na mostra que
que faz parte do módulo Mitos viciantes e que já provocou “histórias” do Masp, sob a direção Um exemplo é Okê Oxóssi, de um deles aponta. Retratos, por merecem maior visibilidade e
e Ritos, com curadoria de milhares de mortes. artística de Adriano Pedrosa: muita Abdias do Nascimento. Nessa exemplo, é outra sessão marcada presença, acaba sendo protocolar.
Fernando Oliva, Glaucea Helena Essas são verdadeiras histórias ilustração e pouca ousadia. pintura de 1970, o artista recria o pela repetição, além de usar uma E é então que se explicita que,
de Britto e Tomás Toledo. brasileiras, despercebidas a Há muita ilustração, pois, símbolo nacional a partir do arco e típica categoria das chamadas no final das contas, “o sistema
Infelizmente, contudo, não se visitantes que não conhecem cada um dos oito módulos da da flexa, emblemas de Oxóssi, orixá belas artes, lá do século 19. colonial” segue o mesmo, apenas
trata de prática apenas do Masp. o contexto do circuito, mas mostra é recheado de caçador. Há uma fúria catalogadora Ora, se o Masp se pretende em tentando uma pacificação que já
De certa maneira, a presença que precisam ser também redundâncias que transformam tão intensa neste módulo, também uma prática decolonial, não seria sabemos impossível entre a casa-
desses colecionadores em contadas para não se cada uma destas sessões em existente nos demais, que várias mais adequado pensar novas grande e a senzala.
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