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REPORTAGEM JOVENS ARTISTAS













            diálogo aparentemente prosaico. As pinceladas acon- perdeu o foco de seu projeto de vida. Formou-se em artes
            tecem na frente e no verso do tecido, o que faz com   visuais pela Eca-usp, faz mestrado e realiza curadorias.
            que o visitante se movimente o tempo todo, por entre   “O perigo da vida é asfixiar-se sob o peso da existência”.
            lençóis. Envolvida nesse cenário, me lembro de Um dia  A frase da filósofa María Zambrano não abala Fabiana
            muito especial, filme de Ettore Scola, sobre a chegada   Wolf, sergipana de 27 anos que, aos 20, deixou Aracaju e
            de Hitler à Itália, estrelado por Sophia Loren e Marcello   desembarcou na capital paulista. Agora ela faz sua primeira
            Mastroianni. Há um longo diálogo dos atores entre lençóis   exposição na Galeria São Paulo Flutuante. Com coragem
            nos varais, cena do neorrealismo italiano dos anos 1940.  incomum para uma iniciante, expõe Obituário, uma tela de
               Voltando à instalação Domingo, que pode ser uma   cinco metros, feita sob o impacto da morte da mãe e do
            ode à pintura expandida, destaca-se a parede branca na   padrasto, pela covid-19. “Também me refiro ao número
            entrada que conduz o visitante à instalação. Sobre ela,  enorme de pessoas que morreram em todo o mundo”.
            Leandro desenha azulejos com traços pretos irregulares,   Sua pintura neoexpressionista traz gestos de Bas-
            criando movimento. A pintura remete às áreas de serviço   quiat e mescla textos, datas e um emaranhado de traços
            azulejadas de branco e dialoga com os lençóis. Para um   nervosos. Mas de onde veio a coragem de enfrentar
            adolescente que saiu de casa aos 16 anos, Leandro não   tal dimensão? “Estava muito angustiada com tudo o








                                                                                                                                 Na página ao lado, Fabiana Wolf, Arapuca, 2022; acima, R. Trompaz, trabalhos
                                                                                                                                 da série Segregação Social Geograficamente Escancarada escancarada, 2022




                                                                                                                                 que acontecia comigo e, no Brasil, guardava muitas   não era ser famosa, vender muito.” Ela sempre manteve
                                                                                                                                 coisas dentro de mim. Foi um vômito”. Fabiana demorou   certa resistência ao circuito, mas acredita que agora as
                                                                                                                                 apenas uma semana para concluir a pintura, que traz o   coisas podem mudar. Regina Boni considera o trabalho
                                                                                                                                 preto como fio condutor. Em outro trabalho, Arapuca,  de Fabiana extremamente maduro para uma jovem artista.
                                                                                                                                 ela destila sua indignação sobre o momento político de  “Não tenho dúvida sobre o caminho promissor que ela terá”.
                                                                                                                                 hoje com um vermelho intenso e deixa uma mensagem   Definido por si mesmo como andarilho, R. Trompaz,
                                                                                                                                 sintética: “Fora”. Todas as telas foram feitas neste ano e   33 anos, costuma caminhar pelas ruas de São Paulo.
                                                                                                                                 dialogam entre si. Autodidata, sua construção pictórica   Nessas andanças passou em frente à São Paulo Flutuan-
                                                                                                                                 é elaborada a partir de vivências trabalhadas com giz,  te, entrou com seu portfólio debaixo do braço. Regina
                                                                                                                                 pastel oleoso e tinta acrílica.                 o recebeu, aprovou o que viu e o convidou para expor.
                                                                                                                                   Seu propósito, artístico e político, emerge em todos   Influenciado pelos rappers Emicida e Racionais mc’s,
                                                                                                                         FOTOS: R. TROMPAZ | ROMULO FIALDINI  incentivar artistas jovens. Olho treinado e saberes acu- a refletir sobre a desigualdade estrutural do Brasil. R.
                                                                                                                                 os trabalhos expostos na Galeria São Paulo Flutuante,  entre outros artistas da mesma matriz social, ele diz
                                                                                                                                                                                 que aprendeu muito com os músicos, especialmente
                                                                                                                                 na Barra Funda, de Regina Boni, conhecida por sempre
                                                                                                                                 mulados por décadas, a galerista viu as obras de Fabiana,  Trompaz mora no bairro Capão Redondo, na periferia de
                                                                                                                                                                                 São Paulo, gosta de skate e potencializa seu repertório
                                                                                                                                 trazidas por seu sócio e também artista Manu Maltez, e
                                                                                                                                                                                 visual a partir da vivência com a cidade.
                                                                                                                                 a convidou para sua primeira exposição. Fabiana diz que
                                                                                                                                 preservar sua independência é fundamental. “Nunca
                                                                                                                                                                                    Nos desenhos em branco e preto ele estampa as

                                                                                                                                                                                                                             63
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