Page 51 - ARTE!Brasileiros #60
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À esq., Bruno Baptistelli, Bandeira Afro-Brasileira (em diálogo com David
Hammons) - 2ª versão, 2022; acima, Beth Moysés, 5664 Mulheres, 2014
grandes museus brasileiros a não criar nada em torno Diante de uma sociedade armada e violenta, é agre-
da Semana de Arte Moderna de 1922”, diz Pedrosa. gadora a presença de 5664 Mulheres (2014), trabalho
Segundo ele, a instituição está mais voltada para a de Beth Moysés. As cápsulas de balas de revólver são
história social e para o campo da cultura. “Essa coletiva sustentadas por tule com pérolas e representam as
faz mais sentido para nós.” 5664 mulheres assassinadas por seus parceiros no
Os oito núcleos que balizam a grande exposição Brasil em 2013.
não constituem um guia, todos têm vida própria e são Em Mitos e Ritos há o questionamento da ocupação
eles: Bandeiras e Mapas, Paisagens e Trópicos, Terra e colonial portuguesa que até hoje parece mantida em
Território, Retomadas, Retratos, Rebeliões e Revoltas, segredo público. A maioria dos artistas desse segmento
Mitos e Ritos, Festa. A coletiva começa mostrando é de origem africana e suas obras foram garimpadas
a que veio. Em Bandeiras e Mapas, Bruno Battistelli pelos curadores Fernando Oliva, Glaucea Britto e Tomás
mostra sua obra Bandeira Afro-Brasileira (2022), que Toledo. “Muito mais do que religiões esse núcleo trata
não é só indicador do gosto do autor, mas uma prova de mitos, religiosidade, questionando o projeto colo-
de resistência e militância. O artista muda as cores da nizador,” comenta Oliva. Os cruzamentos que movem
FOTOS: CORTESIA MASP / DOAÇÃO DO ARTISTA | CORTESIA MASP
bandeira nacional e a transforma em bandeira afro-bra- os dois grupos de inflexão com as religiões de matrizes
sileira. Lilia, que divide a curadoria desse segmento africanas e indígenas reverberam na história da arte
com Tomás Toledo, vê essa obra como um troco. “Aqui brasileira, embora, segundo Oliva, seja difícil detectar
temos o sequestro de volta, não só pelo ativismo negro, isso no Brasil, no campo da visualidade.
mas também pelo ativismo lGBTQ+ e pela retomada Gênero canônico dentro da história da pintura, o
dos mapas. Todo mapa é imaginário e um mapa do retrato ganha um grande “corredor” na exposição, com
século 16 não é menos imaginário do que o mapa do dezenas de obras. Segundo Pedrosa, o Masp tem tradi-
Jaime Lauriano, que desmistifica a democracia racial.” ção de retrato de corpo inteiro, de escala natural como
Na verdade, os artistas estão fazendo a ocupação os de Velázquez, Rubens, Ticiano, Victor Meirelles. “Quis
dos símbolos nacionais, como observa Lilia. Tudo é comissionar e fazer justaposição, contraste, contra-
feito com suportes de várias procedências – tela, saco ponto deles com a obra de artistas contemporâneos.”
de lixo, objetos descartados – enfim, uma mistura do Nesse contexto, o curador solicita a Panmela Castro,
que é mais provisório com o que é mais permanente. para o núcleo dedicado ao gênero, um retrato da Maria
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