Page 54 - ARTE!Brasileiros #60
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exposição São PAUlo
À esq., Terra dos índios: direito sagrado. Semana do índio, 1986; acima, Sandra Gamarra, Recurso VII, 2019
Rubens Gerchman de 1968, criada sinteticamente com Múltiplas narrativas contra-hegemônicas estão por
as letras L.U.T.E., fez parte do ativismo do artista contra todos os núcleos. O movimento de descolonização iniciou-
a ditadura militar nos anos 1960. -se por volta de 2010 e hoje ganha corpo e espaço. Chama
Avançamos para o núcleo Retomadas, com a cura- a atenção Monumento à Voz de Anastácia (2019), obra de
doria de Clarissa Diniz e Sandra Benites, que decidiram Yhuri Cruz, representação da escrava torturada e obrigada
cancelá-lo em protesto contra a não inclusão de fotos do a usar grilhão e máscara de flandres até sua morte.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (mST) De descendência guarani, Sandra Benites diz que
e da luta indígena, feitas por João Zinclar, André Vilaron a luta dos povos indígenas no Brasil é ampla e violen-
e Edgar Kanaykõ Xakriabá. Depois das negociações ta. “A diversificação é grande, há indígenas morando
com a diretoria artística do Masp, as fotos voltaram, e em zonas demarcadas, na cidade, nas favelas, todos
elas concordaram em retomar o núcleo. apagados como sujeitos. Nos confrontos pela retoma-
Clarissa aponta vários trabalhos de ocupação com da de nossas terras, a grande mídia vê a todos como
diferentes formas de luta presentes neste segmento. invasores”, lamenta Sandra.
A curadora milita na fronteira entre a resistência e a O núcleo Festas encerra a exposição e os seus curado-
descoberta. Entre os achados de Histórias Brasileiras res, Amanda Carneiro e Adriano Pedrosa, acreditam que
destaca-se a “ressureição” do povo puri, por meio os trabalhos ali presentes coloquem o público em contato
da cultura, da língua, e, sobretudo pelo trabalho de com as contraditórias maneiras de celebrar, de diferentes
organização e pela publicação de um dicionário cujo grupos. Chama a atenção a navalha da Madame Satã
vocabulário foi recuperado com viajantes ou jesuítas (Pernambuco, 1900-Rio de Janeiro, 1976). João Francisco
puri. “Com isso, um grupo de descendentes, que não dos Santos, o mítico Madame Satã, era homossexual, FOTOS: PATRICIA ROUSSEAUX
conhecia nada sobre essa etnia, começou a estudar uma espécie de bandido grã-fino, que vivia na Lapa dos
puri e também a compor, fazer poesia e se comunicar anos 1930, território-livre da malandragem carioca, e
nessa língua,” explica Clarissa. que também faz parte das lendárias histórias do Brasil.
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