Page 68 - ARTE!Brasileiros #54
P. 68
HOMENAGEM GUY BRETT
Guy Brett e Lygia Pape em
2001 em Nova York
nova para aqueles frustrados pelo isolamento da arte publicado pela Ridinghouse em Londres. Felizmente, os
erudita em seus próprios contextos”. dois projetos foram concluídos antes de um período de
Em 1990, na Ikon Gallery de Birmingham, realizou a piora mais radical d e sua saúde. “Como você gostaria de
mostra Transcontinental: Nine Latin American Artists, ser lembrado, Guy?”, perguntei... Depois de um momento
que foi muito importante para ele, pois considerou que de reflexão, com as duas mãos na testa, ele disse: “Essa
foi a melhor exposição que já havia feito em sua carreira. é uma pergunta difícil, Alexia, na verdade nunca pensei
Por volta de 1967-68, ele pendurou os parangolés de Helio sobre isso”. Lembro-me dele pelo que mais o admiro e
Oiticica nas lâmpadas de seu pequeno apartamento no pelo que de certa forma influenciou e moldou a maneira
Soho e organizou outras obras em mesas e estantes, como trabalho com artistas - e é assim que ele construiu
convidando vários diretores de espaço expositivo para seu relacionamento com os que trabalhou... “Acho que
tomar um drinque e garantir uma exposição para Oiticica, você está absolutamente certa”, ele disse, e acrescentou
já que a Signals - icônica galeria administrada por David que a razão pela qual ele pensava que essas relações se
Medalla e Paul Keeler e da qual Guy era o co-editor desenvolveram fortemente era porque “sem ser críticos,
do boletim informativo - havia fechado. Essa mostra devemos admitir que todos os artistas podem ter gran-
acabou sendo a icônica Whitechapel Experience, que des egos e eu não tenho um enorme, se é que tenho um.
ocorreu em 1969 na Whitechapel Gallery, em Londres. Então, nós nunca estamos competindo, e eu admiro
Antes do diagnóstico que apontou que ele sofria tanto o que eles fazem que eu só gostaria de ter feito eu
da doença de Parkinson, ele esperava viver 2013 como mesmo”. E acrescentou: “Você sabe que eu vivo uma vida
um ano sabático para colocar seu arquivo em ordem, muito comum e que minha vida tem sido meu trabalho.
viajar um pouco e chegar a uma nova etapa. Depois Mas minha vida (em um sentido mais pessoal) tem sido
de muitos anos sendo de alguma forma o porta-voz uma experiência onde artistas, especialmente artistas
de Oiticica e Lygia Clark, tinha uma grande vontade brasileiros, me acompanharam por todo o caminho ”.
de se aproximar das gerações de jovens artistas do Os dias que se seguiram à sua morte foram avas-
Brasil. Em 2012, fez sua primeira incursão em São Paulo saladores, as inúmeras postagens no Instagram e no
para ver jovens artistas, visitando a exposição de Paulo Facebook de artistas que o conheceram, colegas, publi-
Nazareth na galeria Mendes Wood dM, que conseguiu cações na imprensa, principalmente do Brasil, foram sem
despertar aquela “curiosidade” que era vital para ele e dúvida uma chuva de demonstrações de amor, carinho,
o entusiasmou a continuar fazendo descobertas. respeito, reconhecimento e amizade. Exatamente como
Após seu diagnóstico e antecipando a quantidade Guy gostaria de ser lembrado, o personagem humano
de tempo ativo que teria pela frente, seus planos muda- e adorável. Alguns anos atrás eu o lembrei do título de
ram e ele se concentrou em dois grandes projetos: a padrinho da arte latino-americana, ele sorriu e revirou
curadoria da mostra Takis na Tate Modern, junto com os olhos “isso é a última coisa que eu gostaria de ser FOTO: SITE LYGIAPAPE.COM
Michael Wellen, e a publicação de uma seleção de seus lembrado”, ele disse, e eu sabia perfeitamente o que
ensaios, intitulada The Crossing of Inumerable Paths, livro ele quis dizer.
68