Page 63 - ARTE!Brasileiros #54
P. 63
conjugadas com efeitos de luz, discussão econômica, podemos imperativo criativo em lugares
transparência e leveza, fazendo da reconhecer tal fenômeno que estão precisando de um
estrutura sólida algo translúcido como parte integrante do que extreme makeover” .
[9]
e evanescente. Uma conciliação entendemos por neoliberalismo Além do efeito-maquiagem,
entre espetáculo e engenharia; progressista. No que consiste? é preciso falar das condições de
imagem e estrutura. Mas sobra Basicamente, uma política trabalho. O meio artístico-cultural
aqui, sem dúvida, a famigerada econômica regressiva com já operava segundo a lógica da
visão do paraíso tropical, o desejo uma máscara inclusiva. Trata- flexibilidade, da terceirização e
de monumentalidade tão afeito à se do capital que apoia a da precariedade. Uma avalanche
lógica contemporânea e o anseio representatividade, as pautas de MEis e PJs, estagiários
de produzir um ícone instantâneo, minoritárias e a reivindicação voluntários, contratos escusos,
templo de si mesmo. Nada muito por direitos dos movimentos abuso de poder, trabalho mal
diferente do que seja o olhar sociais, enquanto investe em pago ou, mais que isso, trabalho
estrangeiro quanto às qualidades operações que degradam cada não remunerado “em prol de algo
de um Brasil abundante e exótico. vez mais a condição de vida dos maior”... a misteriosa visibilidade.
Quando perguntado sobre trabalhadores, contornando Agora, esse pacote serve de
como definiria a Cidade regulamentações e direitos. exemplo para outros setores,
Matarazzo, Allard disse: “É uma É o modelo que defende a e configura um novo modelo
máquina gigante para celebrar diversidade, mas entrega trabalhista.
a diversidade brasileira.” precariedade. Que defende o Ao contrário de escandalosa,
[7]
Conquanto, se submetermos sua “empoderamento”, mas o utiliza tal flexibilidade vem sendo
concepção de diversidade sob para devastar a indústria. Que qualificada positivamente pelo
um raio-X, veremos um conjunto desmonta estruturas sociais para mercado, pois exige soluções
de lugares-comuns que refletem sugar dinheiro de todos os cantos. cada vez mais inventivas e
um neoprimitivismo muitas vezes Ou seja, a emancipação só existe competitivas. É preciso ser
mascarado de “desconstrução de até a segunda página, ou talvez criativo para sobreviver, eles
valores hegemônicos”. O turista sequer ultrapasse o primeiro dizem. Além disso, o trabalho
global da Cidade Matarazzo quer parágrafo. Nancy Fraser definiu flexível é a promessa da tal
ver palmeiras e espécies exóticas muito bem esse fenômeno no seu liberdade individual, pois seduz
no coração de São Paulo. Não recente livro The old is dying and com a ideia de que cada um
se assuste se, no instagram do the new cannot be born (2019), pode gerir sua própria rotina,
empreendimento, você encontrar mas o que me interessa aqui é fazer escolhas, ter autonomia,
fotos de indígenas com a hashtag chamar atenção para o fato de organizar seu próprio tempo e se
#tribe, #DiscoverMatarazzo, que, não coincidentemente, a arte “empoderar”. Não há tempo para
#Diversity, entre outras. A contemporânea é muitas vezes identificação nem acomodação. A
floresta de Allard está mais para o verniz desse modelo. O verniz realidade, no entanto, reflete uma
monocultura fetichista . que faz operações duvidosas auto exploração assombrada pela
[8]
Acontece que quando o soarem bacanas e descoladas. insegurança e pela instabilidade,
capital investe em “diversidade”, Como diz Hito Steyerl, “a arte o que nos faz reconhecer que o
fica a impressão de que as coisas contemporânea é um nome de trabalhador cultural é o produtor
estão finalmente caminhando marca sem uma marca, pronto pós-fordista por excelência. Ou,
rumo à justiça, mas cabe para ser colado a tapa em quase em outras palavras, o meio da arte
desconfiar. Se quisermos qualquer coisa, um lifting facial se tornou o modelo bem-sucedido
fazer um paralelo com a expresso que promove o novo da precarização porque, por cima
63