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HOMENAGEM GUY BRETT




                                          Cerca de um mês após a morte do crítico e
                                          curador britânico Guy Brett, a curadora chilena
                                          Alexia Tala escreve sobre a personalidade e o
                                          pensamento de uma das figuras mais relevantes
                                          para a difusão da arte latino-americana,
                                          especialmente a brasileira, em terras europeias


                                          por alexia tala


            UMA VIDA “ORDINÁRIA”


            EXTRAORDINÁRIA







            em 2007, eu Fui Co-CuraDora De uma mostra na  da arte latino-americana na Europa”. Esse título não
            galeria metropolitana, no Chile, onde foi exibida   expressa o caráter admirável de um homem que não só
            uma peça feita por Guy Brett, provavelmente a única   conseguiu instalar a arte latino-americana na Europa
            que ele fez. Era uma coleção de obituários publicada no   nos anos 1960, e uma visão que repercutiu em gerações
            jornal britânico The Guardian. Ele os organizou, fazendo   de artistas e pensadores de todo o mundo, mas que
            pequenas anotações nas bordas e colando página por  também teve um modo muito especial de conduzir sua
            página em uma velha pasta de couro que parecia ter  vida e sua trajetória de curador, historiador e crítico de
            tido muita história. Seu interesse especial estava rela- arte. As suas colaborações com artistas tornaram-se
            cionado à fragilidade da vida e à uma análise de como   amizades para a vida, correspondendo-se com muitos
            uma pessoa é capaz de resumir a vida de alguém em   deles e mantendo-os no seu pensamento, preocu-
            uma folha de papel. Como tantas conversas sobre esse   pando-se sempre em estar a par da evolução de seus
            assunto se acumularam ao longo dos anos, eu sabia que   trabalhos, suas vidas e saúde. Um homem de visão
            se ele morresse antes de mim, eu escreveria estas linhas   incomensurável, generosidade e humildade.
            sobre a vida dele. Linhas que não pretendem resumir   Em 1973, fez uma longa viagem pela América Latina
            sua vida, mas falar sobre alguns de seus pensamentos,  que influenciou profundamente seu olhar e seu entusias-
            desejos e sonhos em relação à arte.             mo por explorar a região. Em 1977, realizou a exposição
               Depois de terminar a escola, Guy Brett (1942-2021)   We want People to know the Truth: Patchwork pictures
            foi diretamente trabalhar no Yorkshire Post e depois no   from Chile, patrocinada pelo Arts Council, que percorreu
            jornal The Times por mais de 10 anos - e consolidou sua   até 1978 por diferentes cidades do Reino Unido. Esta
            escrita crítica como editor de artes visuais da revista   exposição mostrou arpilleras feitas por mulheres que
            City Limits, onde trabalhou entre 1981 e 1983. Com uma   contaram suas histórias durante a ditadura militar chilena
            sensibilidade extraordinária, sua escrita sempre rejei- por meio de seus desenhos de patchwork, feitos em
            tou o academicismo e caracterizou-se por uma visão   pedaços de sacos de farinha. Seu interesse em explorar
            muito particular que se centrava no encontro com a   várias formas de expressão artística o levou, em 1986,
            obra de arte, um encontro sensorial, onde o interesse   a publicar Through Our Own Eyes: Popular Art and
            pelos detalhes eram de grande importância em sua   Modern History, onde ele destaca como a necessidade
            observação. Esse engajamento com o trabalho o levou   de expressão artística surge naturalmente em grupos
            a criar questões que ele mesmo procurava responder  sociais quando eles estão sob repressão ou eventos
            por meio de seus textos.                        catastróficos. Um livro que Lucy Lippard define acima de
               Lembro-me de uma palestra no Chelsea College of   tudo como um livro necessário e sugere que “a análise   FOTO ALEXIA TALA
            Art, em 2011, onde ele foi apresentado como “o padrinho   sensível de Brett deve abrir uma direção totalmente

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