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ARTIGO A ARTE E O CAPITAL
de todas essas porcarias, somos de precariedade é a forma de redenção, mas ainda vale investir
o território do “sensível”, do governar pessoas no século xxi. em alguma sobrevida que não se
“pensamento crítico”, da “força A instabilidade produzida pela reduza a isso.
criativa” etc. Balela neoliberal. precarização nos impede inclusive Antes de tudo, podemos
Tudo isso, é claro, nos coloca de protestar e exigir direitos. desconfiar cada vez mais de
numa posição difícil. A não ser que Tememos perder laços de trabalho discursos e propósitos pautados
você seja herdeiro ou tenha sido ao endereçar críticas, tememos na transcendência da arte, da
agraciado com um sobrenome fazer reclamações porque elas experiência e do valor. Junto a
importante, pagar as contas podem nos fechar portas no isso, podemos compreender que
te faz ter que jogar com esses futuro. A expressão “rabo preso” assumir uma postura política
esquemas. Daí que muitas vezes vem muito bem a calhar. Ademais, é agir diante de uma situação
utilizamos o argumento de que o trabalho precarizado isola e concreta, que vai além de rótulos
vamos “ruir o sistema por dentro” individualiza o trabalhador, além discursivos, e isso significa
para aceitar convites de iniciativas de dificultar os recursos de analisar deliberadamente com
com que não concordamos no organização coletiva. Não apenas quem nos associamos e sob
todo. Às vezes porque precisamos porque acentua a concorrência, que condições. Além disso, se
do dinheiro, às vezes porque mas também porque fragmenta não nos resta alternativas de
desejamos algum prestígio e radicalmente as etapas de trabalho mais saudáveis, talvez
visibilidade, ou simplesmente trabalho, suprime convivências possamos negociar melhor os
porque é através delas que vai e reduz encontros. Por tudo nossos aceites, de forma mais
ser possível realizar qualquer isso, a precariedade é uma ativa e propositiva. Em todo caso,
coisa que seja. Na prática, o “ruir governabilidade, e isso também é celebrar a “diversidade brasileira”
por dentro” tem tornado essas lição da arte. não basta, cumprir as normas
estruturas ainda mais fortalecidas Nós, trabalhadores do meio da representatividade tampouco.
e sofisticadas com os nossos cultural, somos todos cúmplices Precisaremos de articulação e
selos politicamente engajados. E dessa equação, em maior ou imaginação coletiva e, não custa
não é raro nos sentirmos ridículos. menor grau, e não estou isenta lembrar, já percebemos que isso
Isabell Lorey (2015) tem disso. Me pergunto, porém, se não se resolverá nos feeds do
definido a precariedade como estamos realmente cientes instagram.
forma de regulação do nosso de como isso integra o nosso
tempo histórico. Mais do que trabalho diário. Não haverá *Texto originalmente publicado na revista
isso: a produção de um regime vida imune ao mercado e nem A Palavra Solta, em janeiro de 2021
[1] https://www1.folha.uol.com.br/ [5] https://www.forbes.com.br/principal/2020/02/ madeiras brasileiras lindíssimas. Todos os
ilustrada/2020/12/estadio-do-pacaembu-e- a-potencia-de-criacao-da-cidade-matarazzo/ quartos do hotel serão equipados com um
invadido-por-obras-de-arte-as-vesperas-de- [6] “Não estamos falando de pequenas kit-mural que permite ao hóspede expor ou
reforma.shtml samambaias num jardim vertical, mas sim não obras de arte brasileiras através de um
[2] O site da exposição ainda pode ser visitado de árvores enormes, de 15 a 18 metros, que jogo de painéis em lambril de madeira. Há
através de: http://www.feitoporbrasileiros. dialogam com a altura da torre. É a ascensão algumas vitrines com estatuetas e outras com
com.br/ por meio da natureza.” - Essas são as aspas arte plumária. É a realização do que associo à
de Jean Nouvel no site do empreendimento. imagem e ao objeto.”
[3] http://www.canalcontemporaneo.art.br/ [7] https://www.forbes.com.br/principal/2020/02/ [9] https://www.revistaapalavrasolta.com/post/
brasa/archives/week_2014_09_21.html a-potencia-de-criacao-da-cidade-matarazzo/ hito-steyerl-na-tradu%C3%A7%C3%A3o-de-
[4] https://vejasp.abril.com.br/cidades/anish- [8] No site do projeto, o designer Philippe Starck julia-de-souza?fbclid=IwAR3sgQmM0cvXwd
kapoor-casa-bradesco-da-criatividade- explica suas escolhas: “Utilizamos pedras rxCdnMss5ssOlxy915egj6nAxsCxgd95CiACq3
cidade-matarazzo/ brasileiras extraordinárias assim como UPQhyg4
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