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ARTIGO A ARTE E O CAPITAL
CIDADE MATARAZZO,
ARTE CONTEMPORÂNEA
E NEOLIBERALISMO
A partir do luxuoso empreendimento
imobiliário que está sendo construído
em São Paulo, a curadora e pesquisadora
aponta para o perigoso uso da arte
contemporânea pela lógica neoliberal,
questiona o modelo capitalista que diz
“defender” a diversidade e discute a
precarização das relações de trabalho
por pollyana quintella*
segunDo a teoria eConômiCa, complexidades que isso envolve. etc e tal. Para além da discussão
o neoliberalismo propõe que No caso específico da arte, econômica, podemos interpretar
o bem-estar humano pode não é tão difícil medir seus as novas formas de fazer política
ser melhor alcançado pela efeitos. Há cada vez menos apoio segundo algumas metodologias
suspensão das restrições estatal e financiamento público artísticas, vide o modo como
às liberdades e capacidades para a produção artística e cada líderes populistas autoritários têm
empreendedoras individuais vez mais mercado. Há mais explorado certa performatividade
no âmbito de uma estrutura precarização e menos garantias. elástica e espetacular, que sabe
institucional caracterizada por Mais discurso bem intencionado e disputar (e ganhar) a atenção dos
sólidos direitos à propriedade menos compromisso social. Mais grandes públicos. De modo geral,
privada, livres mercados e livre concorrência e menos articulação podemos reconhecer o selo da
comércio. O neoliberalismo coletiva. Mais espetáculo e menos “arte contemporânea” diretamente
privatiza ativos públicos, libera democracia. implicado na transformação
recursos naturais, desregula a A parceria entre arte dos padrões globais de
indústria, facilita os investimentos contemporânea e lógica neoliberal poder, sobretudo no que hoje
estrangeiros, impacta nossas vai desde a pequena escala – convencionamos chamar de pós-
relações de trabalho e nosso meio como a promessa de liberdade democracia, algo que demanda
profissional. Mas, para afirmar-se individual, por exemplo, que se mais atenção, e talvez um outro
plenamente, também se constitui aproxima da imagem clichê do texto.
como paradigma cultural, e se artista – até as escalas maiores, Talvez esteja fresco na cabeça
reflete nas relações interpessoais, com a presença da arte em do leitor o recente episódio em FOTO: IMAGEM DE DIVULGAÇÃO DA CIDADE MATARAZZO
sexuais, afetivas, simbólicas, projetos de “revitalização” de torno do estádio Pacaembu, em
subjetivas e familiares, como cidades, bem como seu papel São Paulo. A gestão de Bruno
David Harvey já bem notara. O de camuflagem refletido em Covas e o consórcio Allegra
modelo neoliberal está por toda operações que envolvem poluição, Pacaembu fecharam um contrato
parte, com as contradições e gentrificação, lavagem de dinheiro de concessão do estádio por
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