Page 57 - ARTE!Brasileiros #54
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Still de Profanação. Uma bancada de madeira e ao fundo folhas, galhos e frutas. Atrás
                                              da bancada, Estela Lapponi nua corta um inhame unicamente com a mão direita





            largamente utilizado pelo diretor, dançarino e coreógrafo   mas como artistas com deficiência, e assim “somente
            Edu O., que não se restringe apenas à definição científica   são lembrados na arte em datas comemorativas ligadas
            da palavra, mas à ideia estrutural de que todo corpo anda   à deficiência, como a Virada Inclusiva, o Dia do Surdo
            sobre suas próprias pernas, vê e ouve, desconsiderando   etc.”, pontua Castilho. Para Estela, isso se dá porque “a
            outros corpos possíveis de existência - ou vendo-os   inclusão é unilateral. Não existe relação de troca, pois
            como algo que precisa de conserto.               não tem autonomia nenhuma do outro lado. Não tem
               A experiência de João Paulo Lima corrobora com   desejo, é um objeto e é mercantilizado. Quem ‘inclui’
            essa visão. Aos 26, ingressou no curso técnico para   gera lucro, se põe bem na fita e isso corrobora para
            Intérpretes Criadores em Dança Contemporânea da   um pensamento da caridade - que é uma construção
            Escola Porto Iracema das Artes em Fortaleza. Amputado   que alivia o Estado e que as pessoas privilegiadas se
            de uma das pernas desde os 12 anos de idade, o artista   sentem garantindo seu espaço no reino dos céus”.
            conta: “Lá precisei me desvencilhar do corpo bípede. Por   Por isso, como continuidade de sua pesquisa sobre
            memória, já tinha me desvencilhado, mas socialmente   o corpo intruso, a artista cria o manifesto anti-inclusão.
            não, porque acho que mesmo se você nasce com uma  “Quando Boaventura de Sousa Santos traz a ideia de que
            deficiência, é socialmente cobrado a ser bípede”. Para   o pensamento ocidental é um pensamento abissal, que
            Moira também foi a dança que a permitiu ir além das   cria distinções, ele elucida muito bem a problemática da
            possibilidades que entendia para si: “A gente começa   inclusão; porque existe uma linha que separa o mundo
            a trabalhar o corpo e vai se entendendo melhor nos   visível - a bipedia, a branquitude, a heterocisnormativi-
            libertando das nossas crenças limitantes”.       dade - e o invisível”, explica. A performer acredita que o
               Foi durante os estudos artísticos que tanto Estela   mundo em que vivemos - e a arte não está isenta dessa
            quanto João passaram a se identificar com o conceito   estrutura - se baseia na lógica visível e padrão. “A inclu-
            de “corpo intruso”, um corpo dissidente que causa   são faz com que a gente queira cruzar essa fronteira. Só
            estranhamento ao ocupar os diferentes espaços. Para   que a lógica que prevalece ainda é a privilegiada, e nós
            eles, é por essa invisibilização da não bipedia que fre- nunca vamos rompê-la se continuarmos pensando que
            quentemente não são vistos como simplesmente artistas,  é neste mundo que queremos estar”, explica.

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