Page 52 - ARTE!Brasileiros #54
P. 52

REPORTAGEM INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS ARTES



            de fazer grandes descontos em seus dispositivos para   decisões com base em seu aprendizado, de forma algu-
            que possam garantir uma maior potencialidade lucrativa   ma será obrigada a tomar as decisões que deveríamos
            no setor cultural?”.                            ter tomado, ou aquelas que serão aceitáveis para nós”.
               Somando a óptica qualitativa à quantitativa, apre-  No que concerne o desenvolvimento ético da iA, de
            sentada pela Oxford Economics, o historiador e filósofo   acordo com a co-diretora do Human-Centered Ai Institute,
            Yuval Noah Harari acrescentaria à equação a natureza   da Universidade de Stanford, Fei-Fei Li, é necessário
            do trabalho e sua especialização: “Digamos que você   dar as boas-vindas aos estudos multidisciplinares da iA,
            mude a maior parte da produção de Honduras ou Ban- em uma polinização cruzada com a economia, a ética,
            gladesh para os EUA e a Alemanha - porque os salários   o direito, a filosofia, a história, as ciências cognitivas e
            humanos não fazem mais parte da equação [em um   assim por diante, “porque há muito mais que precisamos
            cenário onde a automação e a iA ocupam trabalhos hoje   entender em termos do impacto ético social, humano e
            conduzidos por humanos] - e é mais barato produzir a   antropológico da iA”. Ainda no campo acadêmico, Hutson
            camisa na Califórnia do que em Honduras. Então o que   sugere que “conferências e periódicos possam orientar o
            as pessoas lá farão? E você pode dizer: ‘oK, mas haverá   que é publicado, levando em consideração este impacto
            muito mais empregos para engenheiros de software’.  mais amplo da tecnologia durante a revisão por pares
            Mas não estamos ensinando as crianças em Honduras   e exigindo submissões para tratar de questões éticas”.
            a serem engenheiros de software”.               Em conjunto, ele pontua, agências de financiamento
                                                            e conselhos de revisão internos em universidades e
            agentes ou Ferramentas? ia e étiCa              empresas poderiam intervir para moldar a pesquisa já
            As estimativas relacionadas à automação parecem ser  em seu estágio inicial. No estágio posterior à publica-
            mais razoáveis. Para além delas, é difícil ter um cenário   ção das descobertas científicas, as regulamentações
            claro para o futuro da iA seja em relação à criatividade   podem garantir que as empresas não vendam produtos
            ou à consciência. “A previsão tecnológica é particular- e serviços prejudiciais, e as leis ou tratados podem se
            mente arriscada”, afirma Lloyd, “visto que as tecnologias   incumbir que os governos não os implantem.
            progridem por uma série de refinamentos, são travadas
            por obstáculos e superadas pela inovação. Muitos obs-
            táculos e algumas inovações podem ser antecipados,
            mas outros não”.
               Para Dennett, por exemplo, a longo prazo, uma “iA
            forte”, ou inteligência artificial geral, é possível em prin-
            cípio, mas não desejável. “A iA muito mais restrita, que
            é praticamente possível hoje, não é necessariamente
            má. Mas apresenta seu próprio conjunto de perigos”,
            alerta. Segundo o filósofo, nós não precisamos de
            agentes artificiais conscientes - ao que ele se refere
            como “iA forte” - pois há um excesso de agentes natu-
            rais conscientes, o suficiente para lidar com quaisquer
            tarefas que devam ser reservadas para essas “entidades
            especiais e privilegiadas”; ao contrário, precisaríamos
            sim de ferramentas inteligentes.
     FOTO: AI-DA ROBOT PROJECT / REPRODUÇÃO DO SITE  autônomos que possam se tornar (e, em princípio, podem
               Como justificativa para não produzir agentes arti-
            ficiais conscientes, Dennett considera que “por mais


            ser tão autônomos, tão dotados de auto aprimoramento
            e criação quanto qualquer pessoa), eles não comparti-
            lham conosco, agentes naturais conscientes, a nossa
            vulnerabilidade ou mortalidade”. Na sua afirmação, ele
            ecoa o escrito do pai da cibernética, Norbert Wiener,
            que, acautelado, reiterou: “A máquina que é parecida
            com o jinn (gênio), que pode aprender e pode tomar

            52                                              Ai-Da Self-portrait I, 2019
   47   48   49   50   51   52   53   54   55   56   57