Page 58 - ARTE!Brasileiros #54
P. 58
REPORTAGEM CAPACITISMO E ACESSIBILIDADE
seJa bem-vinDo ao Corpo intruso
Com hemiparesia (uma paralisia parcial), causada por um
AvC aos 24 anos, Estela Lapponi se questionou por muito
tempo sobre os significados de deficiência e inclusão, o
que a fez transitar do teatro à dança, à dança-inclusiva,
e por fim à performance e ao audiovisual. Assim ela
se contrapôs à ideia de que deveria interpretar papéis
com pouca movimentação, ou de que existiria um lugar
específico para si de acordo com a sua “capacidade”.
Em seus projetos, põe o corpo intruso em foco, como
construtor de narrativas.
Para Rogério Ratão, o capacitismo se mostra claro
quando alguns comentários insinuam que ele não cria
as esculturas sozinho ou mostram a dificuldade de
compreensão de que sua criação escultórica não se
baseia no visual. O artista explica que parte do tátil
para toda sua construção artística. “Toda a minha pele
me dá alguma informação. Meu corpo é meu gabarito.
Uso meus dedos e as minhas mãos como unidade de
medida e a mim mesmo como modelo anatômico”,
conta. E é essa importância do tátil que ele transmite
para seus alunos - que enxergam ou não - nos cursos
Escultura em
bronze de Ratão que leciona no MAM-SP.
apresenta uma João Paulo Lima também se viu frente à crença
mulher nua capacitante com os colegas do curso técnico, sendo
em formas constantemente questionado sobre sua capacidade de
simplificadas.
O corpo está participar de determinadas aulas ou executar certos
reclinado para movimentos. Após iniciar suas criações autorais, ele
trás, os braços também parte da ideia de corpo intruso e das relações
alongados para que esse estabelece com o mundo e com a sociedade,
cima e as
mãos unidas seja em No’Tro Corpo - em que o artista leva sua pró-
tese ao palco e a ressignifica ao encaixá-la de formas
incomuns, contrapondo-se à pressão de usá-la -, ou
em Devotees - espetáculo no qual mostra o corpo com
deficiência como capaz de ser desejado e desejante.
Talvez, o que se esteja propondo nestes diferentes
casos seja não mais uma inclusão, mas um outro
ponto de partida, que não uma perspectiva bípede.
Ou seja, a compreensão de que as identidades
dissidentes são também construtoras de nar-
rativas e conhecimentos. Como finaliza Estela:
“Um corpo intruso vem pra poder modificar FOTO: CORTESIA DO ARTISTA
o sistema. Se ele não modifica, permanece
intruso; se modifica, deixa de ser. Eu quero
que o corpo intruso desapareça”.
58