Page 34 - ARTE!Brasileiros #52
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SEMINÁRIO INTERNACIONAL DIA 2
feminismo ecológico que desde 2017 marca o trabalho exploração infinita que o Brasil e outros países do sul
de Marwa, junto a mulheres que participam de movi- ocupam. E como os riscos da mineração são obliterados
mentos de luta pela terra, em lugares como o norte da do produto final, ficam para as populações.”
Síria e a Colômbia. A escolha do nome da obra também continha uma
“[É algo que] recontextualiza um feminismo dos crítica: a constelação, símbolo do Mercosul e presente
anos 1990, que escamoteou a análise ideológica afir- em bandeiras de muitos países do hemisfério, repre-
mando que a igualdade de gênero já era uma etapa sentada como cruz, a partir de uma perspectiva cristã,
vencida”, disse. “Com esta crítica, Marwa foi buscar num ato colonizador.
um feminismo para além de um tipo de vida liberal da Aline também explicou porque a ideia de “arte do
classe média, que ela encontrou na militância ecoló- possível” a incomodou, lembrando-se de duas frases:
gica. Neste filme, a área rural é o território onde se dá “É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim
a luta pela terra e onde estas mulheres são também do capitalismo”, do britânico Mark Fisher, no livro
guardiãs das sementes, das fontes de água e da bio- Realismo capitalista. E “Vivemos no capitalismo, seu
diversidade. Nós vemos aí um exemplo da figura de poder parece inescapável – mas até aí, o direito divino
artista cuidadora e ativista.” dos reis também parecia. Qualquer poder humano
O ativismo de Marwa acaba encontrando ecos na pode ser resistido e mudado por seres humanos. A
esfera da arte contemporânea, também regulada pela resistência e a mudança começam frequentemente
lógica do extrativismo, assinalou a curadora. “Trago, na arte”, da americana Ursula K. Le Guin. “O que eu
como ela, a preocupação de evitar a transformação penso como artista é o que o papel da arte seja talvez
dessas vidas precarizadas em mercadorias cultuadas o de provocar reconexões, a imaginar outras possibi-
nas bienais internacionais. Como evitar que a apro- lidades”, concluiu Aline.
priação destes saberes genuínos se transformem em
outra coisa a partir da exploração de mazelas alheias”. anCestraliDaDe e resistÊnCia
Em sua fala, Edgar Calel ponderou inicialmente que
a Cruz Do Colonialismo somos produto da natureza e das culturas antigas do
Aline Baiana começou sua participação questionando a mundo, como aquela em que nasceu e cresceu na Gua-
dificuldade, por parte da ciência, de perceber o conheci- temala. O artista leu então o trecho de um relato sobre
mento afrobrasileiro ou indígena como tal, relegando-se a criação do universo segundo o Popol Vuh, registro
à essas perspectivas um caráter fabular, muitas vezes documental maia do século 16.
em livros infantis. “Sob este panorama de literatura indígena ancestral,
“O que tento fazer com meu trabalho é compartilhar me parece interessante como, por meio da arte, as
estes entendimentos de mundo e tensioná-los com o pessoas, conseguem atravessar diferentes espaços
entendimento ocidental, hegemônico [...] uma forma físicos e de tempo, e com isso unimos as situações
de colaborar para a luta anticolonial”, explica Aline, que antigas e as contemporâneas, com a necessidade de
apresenta em Berlim a instalação A cruz do sul. escutar o passado para projetar o futuro. Parte do meu
“Este trabalho começou, enquanto ideia, quando trabalho é fazer estes percursos físicos e temporais
aconteceu o crime ambiental em Mariana [o rompimento também”, disse Edgar.
da barragem de Brumadinho, em janeiro de 2019]. Fiquei O artista levou à mostra berlinense o vídeo Sueño
chocada e perturbada vendo aquelas imagens do rio de obsidiana, feito em colaboração com o paulista
morto por uma empresa que já levou seu nome [Vale Fernando Pereira Santos. Nele, Edgar representa um
do Rio Doce], que me fizeram pensar neste lugar de ritual indígena ligado à terra, tendo como cenário um
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