Page 38 - ARTE!Brasileiros #51
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artigo museus



            frequentemente ao convite à     suas coleções da informação     na sociedade que representam.
            reflexão individual e/ou coletiva, à   especializada que obtinham   Agora que o mundo parou por
            experiência e consequente       através das sua participação em   uma pandemia, e os museus
            interpretação livres do visitante,   patronatos, conselhos ou comitês   encerraram temporariamente as
            nessa entropia diabólica que leva   de aquisição de obras. Como   suas portas, aproveitemos este
            a que o excesso de informação   instituições integradas numa    momento de suspensão para
            distancie quem a recebe do      sociedade acumulativa e         avaliar aquilo em que eles se
            conhecimento crítico que a partir   quantificadora, os museus eram   estavam tornando e interrogar o
            dessa informação possa construir.   igualmente entidades que    que eles poderão ser após as suas
            Mega-exposições caríssimas      refletiam na organização do seu   reaberturas. Como em relação a
            cartografavam o mundo,          trabalho interno a lógica       tudo quanto antes vivemos,
            movimentando obras que não      economicista dominante nessa    também nos museus vai tudo ficar
            deveriam viajar, deslocadas em   sociedade, destinando o tempo   igual depois deste confinamento,
            função das relações de poder    dos que neles trabalham e as    descontadas as precauções
            entre museus ou do dinheiro que   verbas de que dispunham ao    necessárias para reativar o que já
            pudessem originar, alimentando   privilégio de uma hiperatividade   se chama de “novo normal”? É
            outras economias nas quais, para   focada na produção de programas   provável que assim seja, pois a
            além do turismo, sobressaiam as   contínuos e intensivos para um   sociedade não mudou nas suas
            economias de outros negócios,   público pensado como ávido e    formas de decidir, nos políticos
            como os das empresas de         consumista, secundarizando a    que elegeu, nas injustiças e
            transporte e de seguros, ou dos   investigação, o estudo das suas   contradições que revela. E no
            vários mercados que encontravam   coleções, os serviços das suas   entanto, todas e todos sentimos
            nessas exposições suas vitrines   bibliotecas, diminuindo todo um   em maior ou menor grau essa
            de luxo. Muitos museus ou       trabalho invisível que deveria   perguntazinha inquietante: vai
            centros de arte infantilizavam os   pautar as suas finalidades.   tudo ficar igual?! Ela nos confronta
            seus públicos, numa visão       Integrados numa sociedade       com a urgência de que algo terá
            equivocada de educação,         dinamizada pelo crescimento     que mudar para nos protegermos
            dirigindo a percepção e a       vertiginoso da desigualdade     melhor, para não chegar de novo a
            interpretação, em vez de as     social, o museu perpetuava as   este ponto que nos revela tão
            estimular dentro da liberdade   relações de trabalho injustas   vulneráveis e desprotegidos.
            individual de cada um e da sua   reconhecíveis nessa sociedade,   Também em relação aos museus,
            expressão nas discussões        contribuindo para a paralisia   ao mundo da arte com os seus
            coletivas que pudessem originar.   social, expressando as suas   momentos de atividade febril
            Fragilizados no seu financiamento,   discriminações sociais e culturais,   recentemente protagonizados
            assim como na sua função        programando em função dos       pelo crescimento incessante do
            republicana (não esqueçamos o   valores culturais, econômicos e   números de bienais e de feiras de
            Louvre como um dos primeiros    sociais que o financiam e gerem,   arte, sentimos que não vai ser
            momentos de expressão da        explorando o trabalho intelectual   possível regressar a esse mundo,
            emancipação da cidadania),      dos seus funcionários, abusando   que é urgente pensar novas
            atrofiados pela demissão do     do trabalho extraordinário e    possibilidades de ser e de atuar,
            investimento dos estados        precário, não reconhecendo o    quanto mais não seja pela astral
            democráticos e seus governos, os   tempo de investigação extra-  pegada ecológica deixada no
            museus caíam cada vez mais na   laboral necessário, nem sempre   passado por tantos dos seus
            dependência crescente dos       respeitando a paridade de gênero   diretores e curadores, movidos
            critérios de marketing das      nas suas hierarquias, reservando   pela necessidade de acompanhar
            empresas que os financiavam,    sempre os graus mais baixos     o mundo em que o seu trabalho
            assim como dos gostos artísticos   dos seus organogramas e dos   virava global. Se configura urgente
            de seus mecenas, muitas vezes   seus postos de trabalho para as   repensar essa mobilidade            FOTO: RENATOPARADA
            colecionadores privados         gentes mais discriminadas social,   interminável paga pelos
            frequentemente beneficiários nas   racial e economicamente      orçamentos institucionais ou até

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