Page 40 - ARTE!Brasileiros #51
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artigo museus



            modos de ver, de sentir e de    de partilha de saberes e de     artística do país, de uma
            pensar que resultará a sua viagem   conhecimentos, de discussão   diversidade racial, cultural, social,
            temporal, a sua intemporalidade.   crítica e diversidade de     geográfica, de gênero e de
            Assim descobriremos que o       pensamento, do trabalho em      identidades sexuais, seja nas suas
            museu não pode deixar de se     conjunto possibilitado a partir do   programações, seja nas políticas
            dirigir ao mundo, aos seus      reconhecimento dessa            de acessibilidade, ou nas formas
            públicos mais próximos ou       diversidade, da necessidade de   de organização do seu trabalho
            distantes, buscando incluir, mas   reinventar novas formas e novos   interno. Um museu no Brasil
            não massificar nem indiferenciar, a   programas internacionais de   necessita saber existir local,
            partir da expressão da sua      colaboração. É indispensável    nacional e internacionalmente,
            localidade, da história específica   começar de novo, descolonizar o   consciente da amplitude do país,
            do contexto em que surgiu,      museu da sua condição servil da   mas procurando mais longe ainda
            reunindo-se agora a um mundo    ideologia de um poder e de uma   do que as suas fronteiras
            onde a curiosidade, a informação e   economia globais que é urgente   geográficas. Um museu no Brasil
            o conhecimento crítico possam   analisar e reconsiderar,        não pode ignorar a experiência de
            ser cada vez mais recíprocos a   compreender como as narrativas   tantas ações inovadoras e exitosas
            partir do reconhecimento de     que os museus protagonizavam, a   como os museus de quilombos,
            diversidades sem fim, de pontos   forma como recebiam os seus   favelas e comunidades indígenas.
            de vista diferenciados, que se   públicos, na condição de meros    A colaboração entre museus,
            surpreendam entre eles em vez de   turistas consumidores, os    suas programações e acervos, a
            se empobrecerem e resumirem na   desvirtuou e lhes roubou os    nível nacional e internacional; as
            condição única e totalitária de   desafios de uma               redes que possa estabelecer com
            serem globais.                  contemporaneidade que só pode   museus da América do Sul, África
               Por isso é tão prioritário   ser redefinida coletivamente, a   e do resto do mundo serão um
            descolonizar a história dos     partir da soma e não da         compromisso obrigatório, a ativar
            museus, desconstruir os pontos   acumulação estatística das     na miríade de ocasiões e de
            de vista uniformizadores, exigir   percepções individuais nem da   opções que se revelam, ou
            aos grandes museus “coloniais”   massificação redutora das      naquelas que se torna necessário
            do passado, como o Louvre, o    emoções e dos conhecimentos.    e urgente construir. As pautas são
            British Museum, o Metropolitan, o   Novas relações de trabalho, novas   inúmeras. Haverá que redefinir
            Prado e tantos outros, que saibam   transparências dos processos de   tarefas, missões, objetivos e
            reconstruir as suas narrativas a   trabalho são necessárias e   prioridades. Toda uma conversa,
            partir da consciência desse     possíveis nesse novo paradigma   toda uma discussão nos aguarda.
            passado, da libertação das regras   por construir.                 No momento em que se
            dos poderes que lhes definiram as   Um museu no Brasil, por     reabram as portas dos museus,
            coleções mas que não lhes       exemplo, se confronta           não, não voltemos a esse “normal”
            deverão limitar a consciência   permanentemente com a           que não o era, e que hoje é já
            crítica da diversidade dos pontos   necessidade de não se revelar   obsoleto, por ter se revelado
            de vista. Despertos e conscientes   inconsciente a respeito de uma   incapaz de nos proteger e preparar
            das novas formas de trabalho e de   história colonial marcada pela   para os desafios com os quais o
            conhecimento que estamos        escravidão, assim como desse    presente não cessa de nos
            descobrindo a partir da internet,   cruzamento tão fascinante quanto   confrontar. Desafios de um
            das redes sociais e das         sempre reinventado entre uma    contexto necessariamente
            plataformas online, importa     cultura popular viva e          diferente, que certamente irá
            compreender que o mundo virtual   surpreendente com uma cultura   necessitar de museus. Para ele
            não é apenas uma vitrine dos    erudita tão singular e atenta ao   iremos reabrir, mais solidários, mais
            acervos e dos programas de      seu contexto e história específica.   conscientes dos problemas e dos
            atividades, mas também uma      Um museu no Brasil não pode     dilemas de um mundo por vir.
            plataforma de encontro, de      negligenciar essa premência da
            trabalho, investigação, de criação,   revelação da diversidade cultural e   Texto originalmente publicado na Revista Museu

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