Page 45 - ARTE!Brasileiros #51
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Em isolamento, artistas produzem Com o isolamento Compulsório por conta da
sistematicamente como forma de Covid-19, parte da comunidade artística cria novas
resistência ao vírus e ao presidente interrogantes com trabalhos impregnados de críticas
ao governo Bolsonaro. A arte produzida nessas cir-
por leonor amarante cunstâncias nasce contaminada por outras filiações
como psicanálise, ativismo e política. Os trabalhos se
expandem quase independentes da vontade do autor,
com ações inimagináveis.
Julio Villani, brasileiro que mora em Paris desde 1982,
é tranquilíssimo. Mas, no dia 21 de maio último vira a mesa
e surpreende a todos com a intervenção Pano Preto na
Janela, feita no muro da embaixada brasileira da capital
francesa. Seis longas bandeiras, com desenhos iguais
à do Brasil, mas nas cores preto, vermelho e amarelo,
exibiam palavras e frases contra a política de Bolsonaro,
reproduzindo algumas de suas sandices. Muita gente
se espantou porque, com raras exceções, seu trabalho
não traz carga política explícita. “Posso ser um sonha-
dor, mas sou um sonhador acordado”. No fim do ano
passado, ele já fazia lençóis bordados denunciando
os “reviramentos” da liberdade no Brasil. Isso não foi
suficiente, então decidiu agir. “A embaixada brasileira se
impôs como lugar natural para vomitar nosso desacor-
do.” Uma semana antes ele cria uma bandeira preta, um
gif no Instagram. “Os outros painéis nascem de um só
traço e a ligação com os panos pretos nas janelas se faz
automaticamente.” Passados esses dias, ele desabafa:
”Foi uma gota d’água nascida com a única coisa que
sei, com a única coisa que sou”. Villani representa uma
parcela de brasileiros revoltada com o comportamento
vulgar do presidente. “O governo dele nem chega a ser
autoritário, mas desgoverno, destruição sem nome e, se
nome tem, é fascismo. O que sinto é oposição visceral.”
A imprensa francesa noticia e o Quotidien des Arts
abre com o título: “Comando artístico contra Bolsonaro”.
O importante para Villani é que o jornal explica cada
bandeira, expondo o desgoverno. O Figaro também
publica as críticas e, no Canadá, brasileiros usam as
imagens em ação na embaixada brasileira em Ottawa.
Em Lisboa e Coimbra, elas aparecem em manifestações
anti-Bolsonaro e estão disponíveis no site da paulistana
Casa do Povo. Se os seis painéis pretos impactaram o
público, o que ficou no coração do artista foi o branco,
pequeno, com a frase: um outro Brasil é possível. “Temos
que encontrar ideias e ações para fazê-lo voltar a existir.
A outra opção, não é uma opção.”
Pano Preto na Janela, de Julio Villani, intervenção FOTO: BZ
do artista no muro da embaixada brasileira em Paris
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