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ARTISTAS NA PANDEMIA





                                                                            do grupo Paranambuco, formado por
                                                                            José Patrício, Marcelo Silveira, Alexan-
                                                                            dre Nóbrega, entre outros. Socialistas
                                                                            utópicos, achavam mais produtivo e
                                                                            divertido o trabalho coletivo. O tem-
                                                                            po passou, mas o espírito inquieto
                                                                            de Maurício permanece intacto. Hoje
                                                                            ele mora em Meudon, nos arredores
                                                                            de Paris, com a mulher Anne e quatro
                                                                            filhos. No isolamento, ele criou uma
                                                                            estratégia para suturar o tempo com
                                                                            a série Aller et Retour, pinturas sobre
                                                                            bilhetes do metrô guardados por ele.
                                                                            “Os tickets são registros de minhas
                                                                            idas e voltas nessa sociedade que nos
                                                                            limita e oprime.” Pintados e colados
                                                                            lado a lado formam uma grande tela,
                                                                            com marcas da sua obstinação pelas
                                                                            texturas. Cores fortes e luz intensa são
                                                                            parte da reserva afetiva que ele carrega
                                                                            do Recife. Aller et Retour acabou, não
           ANNE FURCI                                                       por esgotamento do projeto, mas pela

                                                                            troca de tickets por cartões magnéticos
                                                                            introduzidos pela prefeitura de Paris.
               Com ativismo rápido e disseminado, os artistas   Nesse contexto ainda produziu o livro Poesia Pan-
            se infiltram no tecido da cidade, ganham territórios e  demia, com infiltrações de resistência política, com
            audiência para suas falas. Ana Teixeira transformou a  seus textos, colagens e desenhos, e pronto para ser
            janela de sua casa, na Vila Madalena, em São Paulo, em  impresso. Um alívio para ele, que confessa: “Nada é
            palco de onde projeta luz com textos de resistência ao  tão assustador quanto a possibilidade de morrer sem
            autoritarismo do governo, além de textos jornalísticos  dizer nada. E sobreviver depois de tudo isso será mudar
            ou filosóficos como os de Ailton Krenak e Eliane Brum.  para melhor, com certeza”.
            Convivência, Ação para Tempos de Isolamento traz
            também suas narrativas que aderem às paredes dos
            prédios, como pele da arquitetura. A projeção é um ritual
            que se repete diariamente, também com outros autores.
               A cidade é um imenso corpo narrativo e lugar de
            embates.  Ana recebeu ameaça de um vizinho, não
            identificado, ao projetar alguns trabalhos, com som,
            como a hashtag #ForaBolsonaro. Alguém não gostou,
            desferiu uma saraivada de laranjas contra sua casa e,
            a partir daí, ela eliminou o som. A artista cria contra-
            pontos ao utilizar mensagens inversas às da política,   Nesta página,
            com frases afetivas e poéticas. Ela tem seguidores que   acima, trabalho
                                                             da série Aller
            a acompanham aqui e no exterior. “Mantenho conta-  et Retour, de
            to com artistas que também constroem modelos de   Maurício Silva; ao
            ocupação e resistência urbana em suas cidades. Em   lado, projeções da
            Barcelona um grupo projeta meus trabalhos e eu os dele.”   série Convivência,
                                                             Ação para Tempos
               Na década de 1980, Maurício Silva vive uma vadia-  de Isolamento,
            gem criativa, com artistas igualmente jovens, em torno   de Ana Teixeira

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