Page 34 - ARTE!Brasileiros #51
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INSTITUIÇÕES GESTÃO CULTURAL
Perguntada sobre os casos recen- esses lugares, percebem que há
tes da morte do menino João Pedro, uma produção potente e que há
no Brasil, e do americano George um momento favorável, em que
Floyd, que desencadearam pro- esses trabalhos vendem, mas não
testos e debates sobre o racismo mexem um centímetro para mudar,
estrutural nos dois países, Farkas por exemplo, as condições de pro-
diz que “o isolamento social fez com dução para esses artistas”. Um dos
que a gente percebesse mais certas riscos, deste modo, é uma banaliza-
coisas. Porque quando você está ção desta produção, com a criação
numa situação de normalidade, as de rótulos, por exemplo. “Mas os
pessoas passam batido por isso, em artistas não são bobos. São poten-
geral. Não olham para o outro, não tes, são espertos. Muitos artistas, Ricardo Ohtake, diretor
olham para essas questões. Mas curadores e gestores destes lugares do Instituto Tomie Othake
essa questão da diferença social, do mais à margem são muito politiza-
racismo estrutural, do nível e grau dos, muito articulados. Então eles
de violência contra a comunidade também ficam com um pé atrás com
negra, assim como a indígena, isso a gente, por razões óbvias. E eles reaparecimento de tentativas de
sempre existiu”. têm uma consciência do lugar que censura ao trabalho de artistas e
E por mais que lamente que tenha eles ocupam no mundo.” instituições culturais.
sido preciso uma explosão da discus- Ricardo Ohtake, por sua vez, não Miranda, no mesmo sentido, con-
são nos eua para que muitos no Brasil deixa de ver com bons olhos essa sidera “que existem muitas manei-
passassem a falar em antirracismo, maior atenção dada pelo mundo da ras de fazer censura”, para além do
ela considera que a pandemia está arte à uma produção mais política - modo de controle que era exercido
ajudando a “olharmos essas nossas incluindo aí o mercado, que tem “se pelo governo militar. “E uma delas é
fragilidades enquanto sociedade”. voltado menos para uma arte muito diminuir, ou eliminar, quem produz
“Acho que nunca foi tão evidenciada formal e ‘bem feitinha’ e mais para algo que possa ser censurado. Então
como agora essa personalidade bra- uma arte política”, diz ele. “Porque naquela época os artistas produziam
sileira tão racista, tão superficial. E eu acho que em tempos como os que e eram censurados. Agora, a ideia
talvez, a partir desse momento, algu- estamos vivendo temos que mostrar é que os artistas não tenham nem
ma coisa pode de fato começar a esse tipo de produção, fugir de coi- como produzir direito, porque não
acontecer. Acordar as pessoas para sas mais conservadoras”, completa. têm incentivos e mecanismos.”
essa questão política, para o racismo Farkas, que realizou o primei-
escancarado, para essa desgraça, paralelos Com ro Festival Videobrasil em 1983, na
essa lástima que é esse atual governo, um passaDo sombrio última fase da ditadura, ressalta
autoritário, fascista”, completa. Os “tempos que estamos vivendo”, também que algumas experiências
Ao falar sobre essas temáticas no caso, se referem ao momento vividas naquela época parecem res-
políticas historicamente tratadas no em que o país tem um “governo que surgir, com outras roupagens, no
Videobrasil - através da produção de não gosta de cultura e também não contexto atual. “Parece que estou
artistas negros, periféricos, indíge- gosta das posições progressistas revisitando, desgraçadamente, um
nas e lgBts, entre outros - Farkas que a cultura costuma ter”, segundo momento que passamos lá atrás.
ressalta também que enxerga com Ohtake. Para ele, que desde jovem Quando começamos o festival ainda
cautela um olhar crescente do mer- se envolveu na luta contra a ditadura existia um mecanismo de censura do
cado para o trabalho destes artistas. militar (1964-1985), o atual governo Estado muito forte. E eu fui proces-
“Pois não é exatamente a arte, mas possui paralelos não só com esse sada várias vezes por exibir trabalhos
é o mercado quem está olhando período da história brasileira, mas que tinham sido censurados.” Já
para esse lugar. E qualquer coisa também com regimes como o fas- nos dias atuais, ela completa, há um FOTOS: DIVULGAÇÃO | ADAUTO PERIN
chancelada pelo mercado, sobre- cismo e o nazismo que governa- outro tipo de censura, “na medida
tudo esse mercado predador, eu ram países europeus na primeira em que você não pode produzir e não
não vejo com bons olhos, não acho metade do século passado. Isso consegue falar o que pensa porque
saudável”, afirma. “Descobrem fica nítido, entre outras coisas, no não tem condições para isso”.
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