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INSTITUIÇÕES GESTÃO CULTURAL



            Perguntada sobre os casos recen- esses lugares, percebem que há
            tes da morte do menino João Pedro,  uma produção potente e que há
            no Brasil, e do americano George   um momento favorável, em que
            Floyd, que desencadearam pro- esses trabalhos vendem, mas não
            testos e debates sobre o racismo   mexem um centímetro para mudar,
            estrutural nos dois países, Farkas   por exemplo, as condições de pro-
            diz que “o isolamento social fez com   dução para esses artistas”. Um dos
            que a gente percebesse mais certas   riscos, deste modo, é uma banaliza-
            coisas. Porque quando você está   ção desta produção, com a criação
            numa situação de normalidade, as   de rótulos, por exemplo. “Mas os
            pessoas passam batido por isso, em   artistas não são bobos. São poten-
            geral. Não olham para o outro, não   tes, são espertos. Muitos artistas,   Ricardo Ohtake, diretor
            olham para essas questões. Mas   curadores e gestores destes lugares   do Instituto Tomie Othake
            essa questão da diferença social, do   mais à margem são muito politiza-
            racismo estrutural, do nível e grau   dos, muito articulados. Então eles
            de violência contra a comunidade   também ficam com um pé atrás com
            negra, assim como a indígena, isso   a gente, por razões óbvias. E eles   reaparecimento de tentativas de
            sempre existiu”.                têm uma consciência do lugar que   censura ao trabalho de artistas e
               E por mais que lamente que tenha   eles ocupam no mundo.”    instituições culturais.
            sido preciso uma explosão da discus-  Ricardo Ohtake, por sua vez, não   Miranda, no mesmo sentido, con-
            são nos eua para que muitos no Brasil   deixa de ver com bons olhos essa   sidera “que existem muitas manei-
            passassem a falar em antirracismo,  maior atenção dada pelo mundo da   ras de fazer censura”, para além do
            ela considera que a pandemia está   arte à uma produção mais política -  modo de controle que era exercido
            ajudando a “olharmos essas nossas   incluindo aí o mercado, que tem “se   pelo governo militar. “E uma delas é
            fragilidades enquanto sociedade”.  voltado menos para uma arte muito   diminuir, ou eliminar, quem produz
           “Acho que nunca foi tão evidenciada   formal e ‘bem feitinha’ e mais para   algo que possa ser censurado. Então
            como agora essa personalidade bra- uma arte política”, diz ele. “Porque   naquela época os artistas produziam
            sileira tão racista, tão superficial. E  eu acho que em tempos como os que   e eram censurados. Agora, a ideia
            talvez, a partir desse momento, algu- estamos vivendo temos que mostrar  é que os artistas não tenham nem
            ma coisa pode de fato começar a   esse tipo de produção, fugir de coi- como produzir direito, porque não
            acontecer. Acordar as pessoas para   sas mais conservadoras”, completa.  têm incentivos e mecanismos.”
            essa questão política, para o racismo                              Farkas, que realizou o primei-
            escancarado, para essa desgraça,  paralelos Com                 ro Festival Videobrasil em 1983, na
            essa lástima que é esse atual governo,  um passaDo sombrio      última fase da ditadura, ressalta
            autoritário, fascista”, completa.  Os “tempos que estamos vivendo”,  também que algumas experiências
               Ao falar sobre essas temáticas   no caso, se referem ao momento   vividas naquela época parecem res-
            políticas historicamente tratadas no   em que o país tem um “governo que   surgir, com outras roupagens, no
            Videobrasil - através da produção de   não gosta de cultura e também não   contexto atual. “Parece que estou
            artistas negros, periféricos, indíge- gosta das posições progressistas   revisitando, desgraçadamente, um
            nas e lgBts, entre outros - Farkas   que a cultura costuma ter”, segundo   momento que passamos lá atrás.
            ressalta também que enxerga com   Ohtake. Para ele, que desde jovem   Quando começamos o festival ainda
            cautela um olhar crescente do mer- se envolveu na luta contra a ditadura   existia um mecanismo de censura do
            cado para o trabalho destes artistas.  militar (1964-1985), o atual governo   Estado muito forte. E eu fui proces-
           “Pois não é exatamente a arte, mas   possui paralelos não só com esse   sada várias vezes por exibir trabalhos
            é o mercado quem está olhando   período da história brasileira, mas   que tinham sido censurados.” Já
            para esse lugar. E qualquer coisa   também com regimes como o fas- nos dias atuais, ela completa, há um   FOTOS: DIVULGAÇÃO | ADAUTO PERIN
            chancelada pelo mercado, sobre- cismo e o nazismo que governa- outro tipo de censura, “na medida
            tudo esse mercado predador, eu   ram países europeus na primeira   em que você não pode produzir e não
            não vejo com bons olhos, não acho   metade do século passado. Isso   consegue falar o que pensa porque
            saudável”,  afirma.  “Descobrem    fica nítido, entre outras coisas, no   não tem condições para isso”.

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