Page 14 - ARTE!Brasileiros #51
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BIENAIS BERLIM E MANIFESTA
Bienal de Berlim e Manifesta,
em Marselha, têm aberturas
postergadas para setembro,
mas conteúdos já giravam em
torno de questões levantadas
pelo mundo em pandemia
por Fabio Cypriano
SOMOS TODOS
RESPONSÁVEIS
a 13ª maniFesta e a 11ª bienal De berlim serão aber- autocurativas. Com a Covid-19, os países fecharam suas
tas em agosto e setembro, respectivamente, apenas fronteiras, e todo o problema da mobilidade política
alguns meses após a Europa atravessar períodos ficou invisibilizado”.
de quarentena de forma radical, bem diferente do Berlim, programada agora para ser aberta em 5 de
relativismo tropical-suicida brasileiro. Se há algo que setembro, foi concebida por um grupo de curadoras
caracteriza bienais é servir como um termômetro com pulsação latino-americana - Pérez Rubio, único
do presente. Então, a pergunta inevitável é como se europeu, encerrou em 2018 período de quatro anos à
torna possível seguir com as mostras concebidas frente do Museu de Arte Latino-Americana de Buenos
antes desse momento tão dramático, marcado pelo Aires (Malba). A bienal já se apoiava no pensamento dis-
colapso da saúde por um lado, e de manifestações sidente de pensadoras como Nise da Silveira (1905-1999).
antirracistas decorrentes do assassinato de George Com seu trabalho precursor no Centro Psiquiátrico do
Floyd por outro. Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, em proporcionar
O que parece claro em ambas é que as duas bienais aos pacientes vivências em ateliês de pintura, ela foi
já partiam de questões que, se não previam um vírus também criadora do Museu de Imagens do Inconsciente.
como o que se alastrou pelo planeta, já apontavam Obras criadas por dois pacientes foram selecionadas
para um quadro um tanto catastrófico. “Para nós, a para irem a Berlim.
pandemia deixa claro que os temas da 11ª Bienal de “O termômetro para entender o presente não difere
Berlim, como o combate ao fanatismo e ao extrativismo, tanto do diagnóstico da doutora Nise da Silveira, isto é,
a vulnerabilidade de indivíduos que vivem em campos de que a humanidade carece de calor humano e de que
ou situação de confinamento, a existência de corpos ‘somos todos responsáveis’”, lembram as curadoras
sexodissidentes, adquirem uma urgência maior”, afir- de Berlim.
mam as curadoras - o coletivo se autodefine na voz O interesse pela produção artística de pacientes
feminina - da mostra, María Berríos, Renata Cervetto, de institutos psiquiátricos encontra ressonância na
Lisette Lagnado e Agustín Pérez Rubio, em uma men- figura do artista Flávio de Carvalho (1899-1973). Ele foi
sagem coletiva, por e-mail. o criador do Clube dos Artistas Modernos (Cam), onde
Segundo elas, “contra essa distopia, evidencia- organizou, em 1933, o evento “Mês das Crianças e dos
mos práticas artísticas que valorizam a reivindicação Loucos”, com o psiquiatra Osório Cesar, que também
territorial, iniciativas de solidariedade como o eco e o trabalhava arte com os internos do Hospital Psiquiá-
hidrofeminismo, ou mesmo forças que se afirmam como trico do Juqueri.
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