Page 45 - ARTE!Brasileiros #48
P. 45

(2016-2019), conjunto de esculturas em madeira, chifres
                     e artesanato; Arte, Não Invente (2016); e Arte Aqui Eu
                     Mato (2016), ambas pinturas à óleo sobre chapa de ferro.
                     Esta última, capa desta edição da revista ARTE!Brasileiros.
                     O título da obra é um trocadilho com o nome do livro da
                     crítica de arte mato-grossense Aline Figueiredo, Arte
                     aqui é mato, lançado em 1990. “Cuiabá, apesar de ser
                     uma cidade bastante afastada dos grandes centros,
                     tem um movimento forte de arte, principalmente de
                     pintores. E esse livro dela fala dessa abundância de
                     artistas”, ele conta. Mas, ao mesmo tempo, o artista
                     percebeu o que ele chama de “uma decadência”: “Uma
                     arte que é produzida e não tem ressonância, não tem
                     público, seus autores vivem cheios de privações e, por
                     estar fechada, ela é muito resistente ao novo. Arte
                     Aqui Eu Mato também pode ser a mão do presidente,
                     apontando uma arma para a arte, para nós, não é?”,
                     ele questiona.                                    MAXIM MALHADO, GARRINCHEIRO, 1995–96. ABAIXO, DALTON PAULA, SÉRIE ROTA DO OURO, 2019
                     Gervane utiliza materiais característicos da região onde
                     nasceu e mora, como arame farpado e a madeira dos   Com origem em Ceilândia, no Distrito Federal, o artista
                     mourões de curral. “Essa madeira vem com uma carga   Antônio Obá leva ao Panorama quatro pinturas, uma
                     do tempo, uma carga poética, porque são mourões que   maior, intitulada Mama (2019), na qual uma mulher negra
                     estão lá há mais de 10 anos sofrendo as transformações   segura dois felinos num gesto maternal, propondo uma
                     do tempo. Eu não derrubo árvore para fazer as minhas   reflexão sobre a identidade do país, e uma série de três
                     obras. Eu recolho esse material antigo”, explica.  outras pinturas menores que remetem ao corpo negro
                      A videoinstalação Desaquenda (2016-2019), da artista   e às tradições, aproximando-se também de um contexto
                     Vulcanica Pokaropa, apresenta 12 canais com depoi-  religioso. Já a artista Gê Viana, natural do Maranhão,
                     mentos de pessoas travestis, transexuais e não-binárias   expõe três fotografias impressas como lambes e fixadas
                     que atuam nas artes. A obra discute o posicionamento   em enormes lonas penduradas ao teto. Retiro de caça
                     dessas pessoas nos espaços institucionais e a sua atua-  ou um outro capelobo (2019), como a obra é intitulada,
                     ção em espaços não marginalizados. Além da série   vem, segundo a artista, “da necessidade de falar sobre
                     de vídeos, a obra também é composta por pinturas e   as coisas que aconteceram com nossos povos retirados
                     impressões sobre lona. Nos depoimentos, participam   do seu lugar de origem”. Ela conta que quando pergun-
                     artistas como Lyz Parayzo, Rosa Luz (também partici-  tou a uma de suas avós se a família tinha uma origem
                     pante do Panorama) e Jota Mombaça.                indígena a resposta foi: “A minha mãe era braba. Foi
                                                                        pega no mato”. A partir daí, Gê passou a questionar
                                                                             a história de algumas famílias nas quais a cons-
                                                                                tituição se deu por meio de violências, como
                                                                                  o aprisionamento e o estupro.
                                                                                     Por mais que os variados suportes,
                                                                                     temáticas ou formatos das obras que
                                                                                     compõem o 36º Panorama possam
                                                                                     fazer pensar que elas se afastam uma
                                                                                     da outa, é preciso estar atento a uma
                                                                                     característica forte entre os 29 artistas
                                                                                   e coletivos participantes: são pessoas
                                                                                 que, como diz Gervane, escolheram assumir
                                                                              a sua região.




                                                                                                                     45




         BOOK_ARTE_48_AGOSTO2019.indb   45                                                                       30/08/19   19:33
   40   41   42   43   44   45   46   47   48   49   50