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(2016-2019), conjunto de esculturas em madeira, chifres
e artesanato; Arte, Não Invente (2016); e Arte Aqui Eu
Mato (2016), ambas pinturas à óleo sobre chapa de ferro.
Esta última, capa desta edição da revista ARTE!Brasileiros.
O título da obra é um trocadilho com o nome do livro da
crítica de arte mato-grossense Aline Figueiredo, Arte
aqui é mato, lançado em 1990. “Cuiabá, apesar de ser
uma cidade bastante afastada dos grandes centros,
tem um movimento forte de arte, principalmente de
pintores. E esse livro dela fala dessa abundância de
artistas”, ele conta. Mas, ao mesmo tempo, o artista
percebeu o que ele chama de “uma decadência”: “Uma
arte que é produzida e não tem ressonância, não tem
público, seus autores vivem cheios de privações e, por
estar fechada, ela é muito resistente ao novo. Arte
Aqui Eu Mato também pode ser a mão do presidente,
apontando uma arma para a arte, para nós, não é?”,
ele questiona. MAXIM MALHADO, GARRINCHEIRO, 1995–96. ABAIXO, DALTON PAULA, SÉRIE ROTA DO OURO, 2019
Gervane utiliza materiais característicos da região onde
nasceu e mora, como arame farpado e a madeira dos Com origem em Ceilândia, no Distrito Federal, o artista
mourões de curral. “Essa madeira vem com uma carga Antônio Obá leva ao Panorama quatro pinturas, uma
do tempo, uma carga poética, porque são mourões que maior, intitulada Mama (2019), na qual uma mulher negra
estão lá há mais de 10 anos sofrendo as transformações segura dois felinos num gesto maternal, propondo uma
do tempo. Eu não derrubo árvore para fazer as minhas reflexão sobre a identidade do país, e uma série de três
obras. Eu recolho esse material antigo”, explica. outras pinturas menores que remetem ao corpo negro
A videoinstalação Desaquenda (2016-2019), da artista e às tradições, aproximando-se também de um contexto
Vulcanica Pokaropa, apresenta 12 canais com depoi- religioso. Já a artista Gê Viana, natural do Maranhão,
mentos de pessoas travestis, transexuais e não-binárias expõe três fotografias impressas como lambes e fixadas
que atuam nas artes. A obra discute o posicionamento em enormes lonas penduradas ao teto. Retiro de caça
dessas pessoas nos espaços institucionais e a sua atua- ou um outro capelobo (2019), como a obra é intitulada,
ção em espaços não marginalizados. Além da série vem, segundo a artista, “da necessidade de falar sobre
de vídeos, a obra também é composta por pinturas e as coisas que aconteceram com nossos povos retirados
impressões sobre lona. Nos depoimentos, participam do seu lugar de origem”. Ela conta que quando pergun-
artistas como Lyz Parayzo, Rosa Luz (também partici- tou a uma de suas avós se a família tinha uma origem
pante do Panorama) e Jota Mombaça. indígena a resposta foi: “A minha mãe era braba. Foi
pega no mato”. A partir daí, Gê passou a questionar
a história de algumas famílias nas quais a cons-
tituição se deu por meio de violências, como
o aprisionamento e o estupro.
Por mais que os variados suportes,
temáticas ou formatos das obras que
compõem o 36º Panorama possam
fazer pensar que elas se afastam uma
da outa, é preciso estar atento a uma
característica forte entre os 29 artistas
e coletivos participantes: são pessoas
que, como diz Gervane, escolheram assumir
a sua região.
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