Page 47 - ARTE!Brasileiros #48
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Falando de Profecias, quando vi pela primeira vez tua obra, então muito influenciado, sobretudo pelo aspecto
me remeteu imediatamente à historia recente da América de denúncia social e política que esses trabalhos
Latina e ao peso histórico e simbólico que tem o uso têxtil evidenciam. Aos poucos fui conhecendo o traba-
e os bordados nas obras de resistência. Que aspectos do lho de outros artistas como o Bispo do Rosário,
têxtil te interessam na tua obra? Louise Bourgeois, Tracey Emin, Leonilson, Sônia
Meu contato com o têxtil começou em casa vendo Gomes e Feliciano Centurión, cuja influência me
minha avó costurar. Minha mãe já trabalhava na levou a explorar um outro aspecto da produção
indústria costurando bancos de carros para a Fiat têxtil, mais emocional e afetiva, quando a intimi-
e, bem antes disso, meu avô paterno foi alfaiate. dade se torna política.
Mas foi depois de conhecer os bordados da Violeta
Parra que eu comecei a me interessar pelo têxtil Na tua obra parece misturar-se o íntimo e privado, o
como possibilidade expressiva. A partir do traba- que acontece nos espaços cotidianos pessoais e o que
lho dela conheci a tradição das Arpilleras chilenas acontece na rua. Para você há uma indiferenciação entre
e elas me impactaram fortemente. Me senti desde o público e o privado que você busca que se manifeste nas
imagens/obras?
Tento explorar no território dos
assuntos íntimos tudo que possa
haver de relevante para a esfera
pública, e da mesma forma o con-
trário, me envolvo com os assuntos
de ordem pública com um engaja-
mento muitas vezes sentimental e
catártico. De modo que estou sempre
borrando as barreiras entre esses
dois universos na tentativa de criar
um terceiro espaço onde eu circule
com o máximo de liberdade possível.
Teu trabalho fala sobre violência, opressão
e algumas lutas sociais relativas ao subde-
senvolvimento e a marginalidade. Como o teu
trabalho está assimilando a atual situação
brasileira?
Como um artista interessado em con-
tar histórias e dialogar com as ques-
tões do meu tempo, seria impossível
não me sentir totalmente atraves-
sado pela crise geral que o Brasil está
vivendo. Eu já fazia ideia de como o
mundo interfere em meu trabalho e
agora estou aprendendo de quais for-
mas ele responde ao que produzo. É
uma concepção de responsabilidade
que tem ampliado minha consciência
em relação à potência de tudo quanto
pode a subjetividade. Estou buscando
todo o desejo, irreverência e coragem
que se pode extrair desses dias de
puro horror.
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