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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO

             realizadas entre os séculos XVI e XIX. A curadoria
             tríplice ficou a cargo de Julia Bryan-Wilson, Lilia
             Schwarcz e Mariana Leme. O conjunto revela uma
             erudição e virtuose técnica que se chocam fron-
             talmente com os dados concretos que atestam o
             papel marginal destinado à mulher na história da
             arte, como, por exemplo, o fato de que a maioria
             das telas provém de coleções particulares (apenas
             uma das doze pinturas da primeira sala, dedicada
             ao século XVI, pertence a um museu), o desapa-
             recimento de parcela significativa da obra dessas
             autoras (De Cornelia van der Mijn, por exemplo,
             existe apenas uma obra identificada) e a pouca
             visibilidade dessa produção.
             Esse conjunto impressionante foi garimpado em
             diversos acervos pelo mundo e exigiu uma série
             de deslocamentos, já que boa parte dos trabalhos
             estavam guardados nas reservas técnicas e não
             estão ainda disponibilizados nos sites e acervos
             online. A própria coleção do Masp é um exemplo
             interessante: do período contemplado pela exposi-
             ção (anterior a 1900), o museu possui apenas três
             obras de autoras mulheres. A situação melhora
             ao adentrar o século XX, mas em termos gerais
             ainda há uma grande sub-representatividade, já
             que a participação feminina no acervo está em
             torno de 22%.
             Se de forma geral o conjunto é de grande inte-
             resse, a mostra torna-se ainda mais sedutora
             quando o visitante se debruça sobre a trajetória
             e produção de cada uma dessas mulheres. Ali
             estão representadas histórias fascinantes, como
             a de Elisabeth Louise Vigée Le Brun, que alcançou   JEANNE GONZALÈS, L’ECAILLEUSE D’HUÎTRES, S/D
             uma popularidade excepcional no século XVIII,
             tornando-se a primeira pintora de Maria Antonieta,   feminino – têm como objetivo desmascarar esse
             ou de Eva Gonzalès, a única aluna, tanto mulher   lugar da artesania como lugar da mulher e ao
             quanto homem, aceita por Manet. Entremeadas   mesmo tempo contribuir para ampliar a ideia de
             nesse rico conjunto de obras, reveladoras tanto   arte. “Não se trata aqui de entender o feminismo
             de talentos individuais como de histórias e costu-  como a busca de igualdade num sistema de opres-
             mes de um amplo período de tempo, a exposição   são e sim de dissolver essas hierarquias. Trabalhar
             contemplou também um tipo de arte normalmente   a diferença de gênero é muito mais do que falar
             associado ao feminino: o trabalho têxtil. O mais   sobre mulheres”, afirma Mariana Leme.
             antigo exemplar de tecido na mostra é uma peça   Há também na seleção contemporânea uma pre-
             pré-colombiana e data do século I. Mas ao longo   sença importante do fazer têxtil. A trama do tecido
             da mostra o público pode apreciar bordados de   e do bordado passa a ser utilizada como forma de
             diferentes épocas e regiões, do império Otomano   transpor as barreiras, muitas vezes insidiosas e
             às colchas de retalho norte-americanas (quilts). A   mascaradas, impostas pelo patriarcado. Carolina
             contraposição entre pinturas de um lado e teci-  Caycedo, por exemplo, borda nomes de mulheres
             dos e bordados – tradicionalmente símbolos do   que admira em roupas que coleta de pessoas


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