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REPORTAGEM GRADA KILOMBA E DJAMILA RIBEIRO

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                                                               da mostra, Djamila Ribeiro aponta como, no Brasil, Cida
                                                               Bento já utilizava a mesma ideia com o termo “pacto
                                                               narcísico de branquitude”. Segundo ela, esse conceito
                                                               defendia que “as pessoas brancas consentem um pacto
                                                               para se premiarem, se protegerem, não importando as
                                                               circunstâncias e, com isso, manterem o estado de coisas
                                                               injusto perante pessoas negros”.
                                                               Nada mais adequado, portanto, que ver trabalhos assim
                                                               no segundo andar da Pinacoteca, onde está o acervo da
                                                               instituição, para que eles funcionem como um agente
                                                               disruptivo na narrativa oficial da história da arte que tanto
                                                               deixou invisível as minorias, que no Brasil são as maiorias.
                                                               Os trabalhos de Grada Kilomba ocupam exatamente
             GRADA KILOMBA E DJAMILA RIBEIRO EM CONVERSA NA ABERTURA DA EXPOSIÇÃO
                                                               as salas nos cantos do acervo, como a permitir que,
                                                               entre um deslocamento e outro, seja possível se refletir
             retrata como índia em uma de suas séries, e acho que   sobre os traumas do processo colonizador. Em Table of
             de fato é preciso se questionar estratégias de repre-  Goods, por exemplo, ela cria uma escultura com cacau,
             sentação como esta.                               café e açúcar, justamente os produtos produzidos pelos
             A própria Kilomba reconhece que “isso funcionou até   escravos no Brasil. Encimada por velas, essa escultura
             pouco tempo atrás porque muitas artistas mulheres   torna-se uma espécie de memorial sobre o sacrifício de
             negras não tinham acesso a essas plataformas, mas   milhões de negras e negros.
             em 2019 é absolutamente impossível dar credibilidade   Já em O dicionário, ela cria um ambiente onde cinco
             a esses trabalhos. É importante que não haja uma   palavras são descritas em seus significados – negação,
             reencenação do colonialismo. Quando falamos em nome   culpa, vergonha, reconhecimento e reparação – estabe-
             do outro estamos reproduzindo a essência do discurso   lecendo uma espécie de percurso de como a opressão
             colonial que é usar o outro como objeto pelo qual eu   pode passar por distintas fases até ser eliminada.
             falo como sujeito”.                               O que não deixa de ser notável nesse pequeno conjunto
             Com sua voz pausada e profunda, Kilomba usa as pala-  de obras é a utilização do corpo de forma performática,
             vras de forma precisa, como nas narrações de duas de   particularmente nos vídeos, nos quais a própria Kilomba
             suas projeções em vídeo no segundo andar da Pinaco-  trabalha com um grupo de atores que atuam nos limites
             teca: Ilusões Vol. I Narciso e Eco e Ilusões Vol. II Édipo.   entre dança e teatro.
             Nelas, a artista reconta os mitos gregos de maneira   Essa estratégia é coerente com seu posicionamento em
             performativa para em seguida desconstruí-los a partir   defesa da descolonização. Como ela afirma: “O momento
             de questões em torno da raça. Enquanto freudianos   chave da descolonização é nos posicionarmos na nossa
             entendem a morte do pai como um conflito de família,   subjetividade para sempre dizer de que lugar, de que
             Kilomba aponta como “esta fixação na família (branca)   tempo e de que espaço estou a escrever, quem sou eu e
             ignora as dimensões históricas e políticas deste conflito”,   que biografia minha é esta que me leva a escrever isso
             de acordo com sua própria narração.               e a essa produção do conhecimento. Eu estou refletida
             Ela segue ainda de forma certeira: “no seio de uma   na minha obra e esse é o momento chave da descolo-
             relação colonial, por mais que as pessoas marginali-  nização do conhecimento e das artes.”
             zadas obedeçam à lei, nós raramente nos tornamos a   O debate na Pinacoteca está acessível em: https://www.
             autoridade legal, em vez disso, tornamo-nos os que são   youtube.com/watch?v=ovSKrDLs9Ro.
             punidos e assassinados pela própria lei”, como a retratar   Além de participar da abertura de sua exposição, Kilomba
             de forma exemplar a discriminação cotidiana no Brasil.  esteve em São Paulo para lançar o livro “Memórias da
             Já em Ilusões II, a artista trata de quão “narcisista é   Plantação. Episódios de racismo cotidiano”, sua tese de
             esta sociedade branca patriarcal na qual todos nós vive-  doutorado defendida há 10 anos na Alemanha, um texto
             mos que é fixada em si própria e na reprodução da sua   que questiona não só a violência social na descriminação,
             própria imagem, tornando todos os outros invisíveis”,   como o próprio formato acadêmico.


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