Page 32 - ARTE!Brasileiros #48
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INSTITUIÇÃO ENTREVISTA
erudita ou popular, que fazem do Brasil uma situação Não. Mas conhecendo esses acervos e como são des-
única, isso afirmo talvez por ser minha língua, mas tudo conhecidos no mundo, não há como não pensar nessa
isso se tornou um convite irrecusável. urgência. É preciso conhecer as coisas maravilhosas
que existem aqui, até porque o Brasil tem sido visto
De fato, apesar de tudo que está ocorrendo há a percepção de em muitos estereótipos que foram criados. Se eu puder
que as instituições culturais têm tido um crescimento de público. contribuir para isso é importante. É fantástico com-
Eu cheguei há uma semana e vi acontecimentos mara- preender como Claudia Andujar, que nem nasceu aqui
vilhosos. A energia que existe nesse momento no Brasil mas ela chega aqui e percebe que uma das riquezas
é muito única. O Panorama da Arte Brasileira é uma do Brasil, se encontra nesse tesouro maravilhoso que
exposição notável, que foge aos estereótipos da arte são as culturas indígenas. E ela vai lá, vive com eles e
contemporânea que se vê nas bienais de arte, não falo passa a ser como uma embaixadora. E ela ainda é pouco
aqui de nenhuma em específico, que começam a pare- conhecida. Semelhante a ela tem o Lothar Baumgarten,
cer feiras de arte. Já no Panorama, encontra-se uma que a partir da Alemanha e de Humboldt vem também
brasilidade que não é nacionalista, mas de conexão para o Brasil e uma de suas primeiras obras na Europa
com as culturas populares, com os temas do presente, é Eldorado, prefiro estar lá do que no norte da Westpha-
com culturas vistas como marginais, e tudo isso conflui lia, que é uma frase do Voltaire, até ele já tinha essa
de maneira muito original. Tive ainda a felicidade de consciência. Enfim, estes dois nomes mostram como há
ver uma mostra do Flávio de Carvalho onde o Teatro uma universalidade no Brasil que é muito fascinante e
Oficina apresentou O Bailado do Deus Morto, feita na pode se desdobrar em programações, em momentos.
década de 1930, um texto que liga diretamente uma
experiência pós-colonial com uma cultura universal, Então você pretende mostrar o Lothar? Dá para falar sobre algo
de matriz neoclássica e europeia – aquelas máscaras do que você pretende trazer para programação?
são gregas, de certa forma, conseguem ser gregas e Eu não estou ainda em condições de apresentar um
brasileiras. Também assisti à estreia do Bacurau, do programa, acabei de chegar, estou a conversar com
Kleber Mendonça, que é um momento único na história as equipes. Primeiro quero ouvir muito. E fico feliz em
do cinema: além de ser o western mais antifascista já chegar e ter uma ótima programação definida para o
feito, é também a possibilidade de um western popular primeiro ano, é uma felicidade chegar e ter uma mostra
e que reinventa um gênero, sem cair em estereótipos. abrindo do Harun Farocki, com quem nunca trabalhei,
Tudo isso em uma semana de Brasil. mas respeito muito. É uma das obras que mais motivam
o pensamento entre cinema e sociedade, história política
E como você pretende trabalhar no Moreira Salles? e novas formas de narração.
Confesso que por um lado vou aprender muito mais do Minha primeira atitude, então, é conhecer como tra-
que até agora conheço, em relação a tudo que aconteceu balha o instituto, como trabalham suas equipes, seus
na arte e na cultura brasileira, e quero aprofundar toda programadores e, pouco a pouco, constituir com eles
uma série de possibilidades que os acervos do instituto uma identidade na programação.
oferecem e mesmo o cruzamento destas áreas, que é Acho que uma instituição tem que ter uma identidade
uma coisa que sempre gostei de fazer, aproximar artes na programação, o instituto tem possibilidades únicas
performativas de artes visuais, da literatura. Há sincronias para a interação dos seus arquivos e por uma ação muito
no tempo de obras de Lygia Clark com Clarice Lispector, particular na integração com o conceito de memória.
e muitas interrogações podem surgir dessas sincronias, Quem tem arquivos como o instituto tem uma obri-
desses universos paralelos. Mas também tenho consciên- gação, que é de propor preservar uma memória, mas
cia que o Brasil é tão longe de outros lugares do mundo preservar memória é também construir um ponto de
e muita coisa não passou por aqui e pode ser conhecida. vista sobre essa memória e um ponto de vista que se
Ao mesmo tempo acho importante que esses acervos ponha em discussão. Memória é sempre algo coletivo,
magníficos do instituto e sua relação com a memória e o algo para ser discutido, porque quem trabalha com
conceito de documento sejam levados ao mundo. memória trabalha com o presente. Então, voltando à
sua questão inicial, se o instituto fez exposições como
Isso é uma missão, eles pediram que você trabalhasse esses Corpo a Corpo e Conflitos, não há como não continuar
acervos no exterior? fazendo exposições assim.
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